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Nära livetNuma maternidade encontram-se três mulheres em situações diferentes. Cecilia Ellius (Ingrid Thulin) chega com dores e hemorragias que ditarão um aborto espontâneo, algo pelo qual ela culpa a relação no seu casamento, que fazia com que o nascimento fosse secretamente indesejado. Hjördis Petterson (Bibi Andersson) é uma jovem, que já tentou abortar, e recupera agora, sem vontade de viver ou de ter o seu filho, abandonada pelo companheiro. Por fim, Stina Andersson (Eva Dahlbeck) é a mais maternal das três, irradiando felicidade pelo bebé que traz consigo.

Análise:

Filmando pela primeira vez para a Nordisk Tonefilm, Ingmar Bergman, entretanto já reconhecido internacionalmente, graças ao grande sucesso dos seus anteriores “O Sétimo Selo” (Det sjunde inseglet, 1957) e “Morangos Silvestres” (Smultronstället, 1957), adaptou um argumento de Ulla Isaksson, no que seria um regresso ao universo feminino que, com notáveis excepções, como tinham sido os dois filmes citados, vinha marcando a sua carreira recente. Comparativamente com aqueles filmes, este parecia uma obra de menor fôlego, de ambiência teatral, fechado num só espaço, numa narrativa simples e linear. Mais uma vez, o realizador assentava o filme nas interpretações das suas actrizes preferidas, aqui Eva Dahlbeck (já no seu quinto filme com Bergman), Bibi Andersson, protagonista nos últimos dois filmes do realizador, e Ingrid Thulin, personagem principal do anterior “Morangos Silvestres”.

É dessa perspectiva feminina que nasce “No Limiar da Vida”, um filme que conta o difícil momento atravessado por três mulheres numa maternidade. A primeira é Cecilia Ellius (Ingrid Thulin), uma mulher que chega com problemas que levarão ao seu aborto espontâneo, o que a faz pôr em causa em causa o seu casamento, percebendo que o bebé nunca foi verdadeiramente desejado por ela, ou pelo marido (Erland Josephson). A segunda é Stina Andersson (Eva Dahlbeck), a mais maternal das três, que além de apoiar as outras duas, irradia felicidade pelo bebé que traz consigo, o que parece partilhado pelo marido (Max von Sydow). Finalmente a terceira é Hjördis Petterson (Bibi Andersson), a mais jovem e mãe solteira, percebendo-se desprezada pelo pai do bebé, e incapaz de se apoiar na família que teme que a repudie, vive na amargura de um bebé que não quer trazer ao mundo, tendo por isso já tentado abortar.

Quase todo o filme se passa no quarto que as três mulheres partilham, com a excepção de breves cenas nos corredores ou salas de consulta do hospital. E todo ele é visto da perspectiva das três mulheres, em partes iguais, com cada história a evoluir independentemente das outras duas, e cada uma prosseguindo depois de a anterior se ter desenvolvido. Todas elas são histórias trágicas, desde a gravidez que ao não caminhar como previsto leva ao rompimento de um casal, à gravidez desejada que resulta num final trágico, e à indesejada que acaba no reatar de ligações entre filha e pais. É mais uma vez o focar nos temas caros ao realizador, o amor, a morte, o transcendente, sempre abordados de forma intensa.

Todas elas são histórias em que a vida, naquilo que tem de mais frágil, e também de mais poético, é um ponto de viragem, definindo futuros (um divórcio, e um regresso a casa), mas onde também vemos a condição humana como algo que nos escapa, presa por detalhes nas mãos de algo que nos transcende, como explicado a Stina («o problema não foi seu, nem do bebé, às vezes é apenas porque não tem que ser»).

Essa condição humana, a nossa fragilidade perante algo tão precioso como é a vida, domina todo o filme, onde a mulher é vista como quem dá vida, e quem liga a nossa espécie à terra e ao que de mais humano temos, seja a esperança ou o medo, a força ou o desespero (note-se a sequência em que as três pacientes cuidam do aspecto umas das outras com um cuidado já maternal). Por isso, ela é guiada pelas mulheres, por isso a ajuda surge sempre do lado feminino, quer na incrivelmente solidária enfermeira Brita (Barbro Hiort af Ornäs), quer na cunhada de Cecilia e na colega de Hjördis. Por comparação, os homens são sinal de distância e frieza, seja a profissional, dos médicos (que trazem sempre algo de ameaçador em todas as suas palavras), quer a dos cônjuges, do inepto marido de Cecilia, ao completamente ausente pai do filho de Hjördis, salvando-se apenas o empático marido de Stina, ainda assim, parecendo carta fora do baralho no quente mundo feminino.

Fundado nos monólogos de cada uma das três mulheres, e tendo a gravidez e o seu papel na feminilidade como temas presentes, “No Limiar da Vida” chega a ser opressivo, na forma como entramos na alma de cada uma, para lhes descobrir o que de mais negro pode coexistir com um momento que os clichés querem alegre. Nesse sentido, trata-se de um dos mais intensos filmes de Bergman até então, com a lógica teatral da unidade temporal e espacial a conferir uma enorme claustrofobia de sentimentos, e marcado pelas interpretações tensas, close-ups permanentes, e onde não há sequer o escape de uma banda sonora.

O filme foi um sucesso na sua apresentação em Cannes, garantindo a Bergman o troféu de Melhor Realizador, e um prémio conjunto de Melhor Actriz para Eva Dahlbeck, Ingrid Thulin, Bibi Andersson e Barbro Hiort af Ornäs. Não obstante, Bergman queixar-se-ia mais tarde do excesso de sentimento feminino trazido ao filme pelo seu elenco e modo de trabalho.

Ingrid Thulin e Bibi Andersson em "No Limiar da Vida" (Nära Livet, 1958) de Ingmar Bergman

Produção:

Título original: Nära Livet [Título inglês: Brink of Life]; Produção: Nordisk Tonefilm, Inter-American Productions; País: Suécia; Ano: 1958; Duração: 81 minutos; Estreia: 31 de Março de 1958 (EUA), 11 de Fevereiro de 1965 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Ingmar Bergman; Argumento: Ulla Isaksson, Ingmar Bergman [não creditado]; Fotografia: Max Wilén [preto e branco]; Montagem: Carl-Olov Skeppstedt; Design de Produção: Bibi Lindström; Caracterização: Nils Nittel; Direcção de Produção: Gösta Hammarbäck.

Elenco:

Eva Dahlbeck (Stina Andersson), Ingrid Thulin (Cecilia Ellius), Bibi Andersson (Hjördis Petterson), Barbro Hiort af Ornäs (Nurse Brita), Erland Josephson (Anders Ellius), Max von Sydow (Harry Andersson), Gunnar Sjöberg (Dr. Nordlander),Ann-Marie Gyllenspetz (Conselheira Gran), Inga Landgré (Greta Ellius)

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