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Introdução
Ainda hoje, ao olharmos para os grandes épicos de Hollywood surgidos nas décadas de 1950 e 1960, temos a sensação de estar a olhar para algo exageradamente grande. Seja no dinheiro gasto, meios envolvidos, histórias narradas, pretensiosidade assumida, opulência de ideias, ou duração dos filmes, tudo nos dá uma sensação de exagero, que acaba por exercer um certo fascínio no espectador actual.
Era a época de “Quo Vadis?”, “A Túnica”, “Os Dez Mandamentos”, “Ben-Hur”, “Spartacus”, “Rei dos Reis” e “Cleópatra”. O tempo da Bíblia, do Império Romano, das pirâmides, das lutas em quadrigas, e de estada e sandália, que cunhou o termo “Sword & sandal”.
Pretensiosos, exagerados, ridiculamente pomposos, e hoje completamente datados, estes filmes ficaram na história do cinema, e continuam hoje a ser fonte de fascínio, e de ideias para novos assaltos às bilheteiras.
Os primórdios do cinema espectáculo
Talvez o local onde se possa encontrar os primeiros exemplos deste cinema espectáculo de cenários exóticos e aventuras fantasiosas de heróis maiores que a vida, seja a Itália do início do século XX. Pátria do classicismo, com um ensino, ainda hoje, muito baseado na cultura, não espanta que, logo na infância do cinema, se olhasse para histórias que bebessem nas fontes clássicas.
O ponto de partida é a curta-metragem “Nerone” (1909) de Luigi Maggi e Arrigo Frusta, que assenta as premissas do filme histórico baseado no mundo greco-romano. Seguem-se outras obras curtas como “La caduta di Troia” (1911) de Giovanni Pastrone, e logo a seguir as longas-metragens de maior fôlego, como “Quo vadis?” (1912) do pintor Enrico Guazzoni, e “Gli ultimi giorni di Pompei” (1913) de Mario Caserini e Eleuterio Rodolfi, famoso pelos seus efeitos especiais. Mas o exemplo acabado desta fornada é “Cabiria” (1914) de Giovanni Pastrone, baseado numa história do poeta Gabriele D’Annunzio. O filme seria mesmo projectado na Casa Branca (ao que consta, o primeiro a merecer tal feito), onde entre a assistência estava David Wark Griffith, que logo de seguida responderia com o seu “Intolerância” (Intolerance, 1916).
Os dados estavam lançados, e Hollywood descobria um novo filão, o do filme histórico, de preferência com relações bíblicas, que se tornaria um grande espectáculo de paisagens exóticas, muitos figurantes, guarda-roupas inesquecíveis, e heróis fantásticos, em histórias com o mínimo de rigor científico, e apenas com o intuito de espantar o espectador que nunca vira (nem sonhara com) algo assim.
Destacou-se então Cecil B. DeMille, um dos pioneiros de Hollywood, que trazia já no curriculum a primeira longa-metragem realizada naquela parte do mundo, “O Exilado” (The Squaw Man, 1914). DeMille produtor e realizador, que podia gerir a seu modo os projectos que escolhia, espantou os Estados Unidos com, por exemplo, “Joana d’Arc” (Joan the Woman, 1916), “Os Dez Mandamentos” (The Ten Commandments, 1923), “O Rei dos Reis” (The King of Kings, 1927), “O Sinal da Cruz” (The Sign of the Cross, 1932) e “Cleópatra” (Cleopatra, 1934). Ficava estabelecido o selo “DeMille”, que alastrou a outras produções, como o caso notável de “Ben-Hur” (Ben-Hur: A Tale of the Christ 1925) de Fred Niblo. Este selo era sinónimo de produção de luxo, envolvendo meios inconcebíveis, e filmes gigantescos. O público maravilhava-se ao ver o cinema dar vida a histórias que nunca julgara ser possível sequer imaginar.
O declínio do studio system
No final dos anos 1940 novos ventos sopravam em Hollywood. A primeira machadada no chamado “Studio System”, que durava desde os anos 20, e durante o qual os principais estúdios controlavam em absoluto todos os aspectos do cinema, desde a produção (contrato de actores e técnicos, propriedade dos estúdios e equipamentos), distribuição e exibição (detendo verdadeiras cadeias de salas de cinema por todo o país) aconteceu no chamado Caso United States v. Paramount Pictures. Em 1948, que resultou na aplicação das leis anti-trust legislando contra os monopólios do cinema.
A segunda surgiu pouco depois com o advento do femómeno televisivo, que começou a fazer as pessoas ficar em casa. Os principais estúdios (20th Century-Fox, Metro-Goldwyn-Mayer, Paramount Pictures, RKO Radio Pictures, Warner Bros, United Artists, Universal Pictures e Columbia Pictures) sentiram que algo tinha que mudar, se queriam voltar a ter as pessoas nas salas de cinema.
Como forma de lutar contra a nova realidade, uma das apostas foram as grandes produções com écrã alargado (como o Cinemascope, Panavision, VistaVision, Tecnirama, Techniscope, etc.), cores fortes (como a Technicolor, DeLuxe Color, Metrocolor), som stéreo e tentativas de 3D. A ideia era dar aos espectadores algo que não podiam ter na caixinha televisiva em suas casas. Os grandes épicos históricos tornaram-se moda, e o exemplo de Cecil N. DeMille nos anos 20 e 30 passou a ser o modelo a seguir.
Seria novamente DeMille um dos arautos da nova vaga de filmes épicos, com “Sansão e Dalila” (Samson and Delilah, 1949) feito para a Paramount Pictures. O resultado foram alguns dos filmes mais espectaculares de sempre, por vezes acompanhados de grande retorno financeiro, e até aclamação crítica, como foi o caso de “Ben-Hur” (1959), com um recorde de 11 Oscars da Academia. Pelo meio ficavam obras importantes como o remake de “Quo Vadis?” 1951, realizado por Mervyn LeRoy para a MGM, “A Túnica” (The Robe, 1953) de Henry Koster para a Fox, “O Cálice de Prata” (The Silver Chalice, 1954) de Victor Saville para a Warner, e Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), novamente de Cecil B. DeMille.
Sentia-se que a bolha podia rebentar, pois o encarecimento dos filmes, sem uma garantia de retorno de público às salas de cinema tornava cada produção um risco, e empenhava cada vez mais os grandes estúdios. Surgiriam ainda “Salomão e a Raínha de Sabá” (Solomon and Sheba, 1959) de King Vidor, ” Spartacus” (1960) de Stanley Kubrick, e os remakes de “Rei dos Reis” (King of Kings, 1961) de Nicholas Ray e de “Cleópatra” (Cleopatra, 1963) de Joseph L. Mankiewicz e Rouben Mamoulian, o qual, um fracasso de bilheteira, seria a machadada final na Fox.
Hollywood no Tibre
Como forma de fazer face ao escalar dos orçamentos deste tipo de filme, Hollywood descobriu a Itália. Os estúdios da Cinecittà, fruto do fascismo de Mussolini, eram dos mais avançados do mundo, e estavam subabroveitados num país em reconstrução. Havia uma geração de técnicos e actores italianos em busca de trabalho, e este chegou dos Estados Unidos, quando as majors perceberam que lhes ficaram muito mais económico produzir ali os seus grandes filmes, enviando realizadores e principais actores, e usando os, técnicos e muitos actores secundários locais, filmando tanto em estúdios como cenários reais na Itália (e depois também na Espanha).
Esta fase teve início no sucesso estrondoso de “Quo Vadis?” e passou por filmes de outros géneros, como o famoso filme de estreia de Audrey Hepburn, o oscarizado “Férias em Roma” (Roman Holiday, 1953) de William Wyler.
O fracasso de “Cleópatra” afundaria a Fox, e o de “A Queda do Império Romano (The Fall Of The Roman Empire, 1964) de Anthony Mann, faria quase o mesmo à Paramount. As majors de Hollywood aceitavam a derrota, e sentiam que era tempo de arrepiar caminho se queriam sobreviver. Nalguns casos tal só foi feito à custa da venda das companhias a impérios financeiros do Leste, que as dividiam e tornavam a vender até passarem a alas sem voz própria de grupos multimédia.
De então para cá, a RKO Pictures desapareceu; a Paramount Pictures faz hoje parte do grupo Viacom; a Warner Bros. é parte do grupo Time-Warner; a Universal Pictures faz parte do grupo Comcast; e a Columbia Pictures pertence ao universo da Sony. Quanto a MGM, perdeu o estatuto de major, englobando a United Artists. Das antigas majors, apenas a Fox mantém algum controlo próprio, como parte do Fox Entertainment Group.
A herança do peplum
A presença norte-americana e Itália deixaria frutos. O exemplo dos filmes de Hollywood, e a experiência recebida no contacto com os técnicos norte-americanos (de que os realizadores italianos eram muitas vezes assistentes, dirigindo sequências desses filmes), bem como a habituação do público a uma linguagem cinematográfica diferente levou à exploração desses temas e imaginários no que seria o cinema de género. Os casos mais nítidos são o western spaghetti (que a partir de 1965 emulou o mais americano dos géneros, agora com actores europeus em cenários também europeus), e o peplum, o filme histórico italiano, com base no Sword and sandal de Hollywood, que se tornou popular entre 1958 e 1965.
Com raízes na corrente de filmes históricos da década de 1910, o género evoluiu para histórias fantásticas de heróis musculados, como semi-deuses da mitologia que lutavam contra todos os males da humanidade. O exemplo típico foi a série Maciste, um personagem secundário do célebre “Cabiria” de 1914, que ganhou estatuto próprio com uma sequência de mais de vinte filmes até 1927.
Com o exemplo, cenários e conhecimentos deixados pelos norte-americanos, as produtoras italianas voltaram a explorar o filão. Não apenas alguns filmes foram contratados por empresas americanas, com foi o caso da RKO com “Spartaco, o Gladiador de Trácia” (Spartaco, 1953) de Riccardo Freda; e da Warner com “Helena de Tróia” (Helen of Troy, 1956) de Robert Wise (assistido por Sergio Leone). Por outro lado surgiam algumas co-produções entre produtoras menores de Hollywood e produtoras italianas. Foi o caso de “Átila” (Attila, 1954), realizado por Pietro Francisci, como veículo para Anthony Quinn; “Ulisses” (Ulisse, 1954) de Mario Camerini (assistido por Mario Bava), para Kirk Douglas; “Teodora, Imperatriz de Bizâncio” (Teodora, imperatrice di Bisanzio, 1954) de Riccardo Freda; e “Alexandre, o Grande” (Alexander the Great, 1956) de Robert Rossen.
O sucesso destes filmes junto do público italiano, levou à especialização de um subgénero do filme histórico, lembrando a série Maciste e os mais recente “Sansão e Dalila” e “Ulisses”. Tratava-se do filme de aventuras envolvendo um herói de força sobre-humana, num mundo dominado por criaturas mitológicas. Surgiam as séries Sansão, Maciste, Hércules e Ursus, juntamente com outros filmes de heróis isolados, num total de largas dezenas de filmes fantásticos, de qualidade duvidosa, que fizeram as delícias do público durante uma década.
O Sword & sandal nos dias de hoje
Depois da década de 1960 o género Sword and sandal caiu completamente em desgraça em Hollywood. Ao advento da New Hollywood, que apostava em histórias contemporâneas e em heróis agri-doces, seguiu-se a grande aventura dos anos 80, iniciada com as sagas de George Lucas e Steven Spielberg (Guerra das Estrelas e Indiana Jones, respectivamente), ou de acção moderna, como a série James Bond, Missão Impossível, Bourne, etc., ou mais recentemente ainda com o regresso das histórias de super-heróis.
Como filhos menores do peplum italiano desenvolvia-se a chamada Sword & sorcery, com heróis musculados como Conan (Arnold Schwarnegger), e tantos outros filmes menores, que voltariam à ribalta em recentes sagas como “O Senhor dos Anéis” (The Lord of the Rings) de Peter Jackson, “Narnia” (baseada nas histórias de C.S. Lewis), entre tantas outras incursões da fantasia no grande ecrã, herdeiras daqueles géneros, e fruto dos enormes avanços entretanto feitos no campo dos efeitos especiais.
Mas foi o grande triunfo de “O Gladiador” (Gladiator, 2000) de Ridley Scott, a fazer renascer o gosto pela aventura de espadas e sandálias. De então para cá as séries iniciadas com “300” (2006) de Zack Snyder, e “Confronto de Titãs” (Clash of the Titans, 2010) de Louis Leterrier, trouxeram de volta a aventura no mundo greco-romano. E mais recentemente vimos o regresso dos dramas bíblicos, com “Noé” (Noah, 2014) de Darren Aronofsky, e “Exodus: Deuses e Reis” (Exodus, 2014) de Oliver Stone, que parecem querer recuperar um género, que ainda assim está muito longe dos seus dias de glória.
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