
Não é habitual n’A Janela escreverem-se obituários – penso que seja até a primeira vez – , mas hoje tal justifica-se, dada a importância daquele que nos deixou.
Com 28 (!!!) passagens pel’A Janela Encantada (e certamente muitas outras no futuro), Ennio Morricone não era apenas um compositor de banda sonoras. Mais que dar música a filmes, Morricone dava-lhes voz e personalidade. A sua música, além de inesquecível e parte da cultura musical de qualquer cinéfilo e não só, transformava os filmes, moldava cenas e sequências, e dava-lhes uma textura única, com os sons animais e ambientais e vocalizações inovadoras que juntava à sua marca orquestral.
Atrevo-me a dizer que, por cada 10 filmes em que, ao dizemos o nome, nos vem à memória uma paisagem musical, 8 serão de Morricone, tal a capacidade do maestro italiano criar imagens sonoras que se tornam tão marcantes como as cenas que ilustram.
Da sua obra ficam cerca de 450 bandas sonoras, e colaborações famosas com alguns realizadores, tanto em Itália como fora, e de que ficam alguns exemplos: a música do western spaghetti de Leone, Corbucci ou Sollima (entre muitos outros, num género que ajudou a sedimentar), o início da carreira de Dario Argento (trilogia dos animais), muito Pasolini (“Decameron”, “1001 Noites”, “Salò”, etc), Bertolucci (“Antes da Revolução”, “1900”), Pontecorvo (“A Batalha de Argel”) e Bellochio (“I pugni in tasca”) até às obras maiores de Giuseppe Tornatore (“Cinema Paraíso”, “A Lenda de 1900”, “Malena”). Já nos Estados Unidos, podemos ouvi-lo ainda com Leone “Era Uma Vez na America”, em “Dias do Paraíso” de Malick, “A Missão” (Roland Joffé), “Os Intocáveis” e “Missão a Marte” (ambos de Brian De Palma), “Veio Do Outro Mundo” de Carpenter, “Frantic” de Polanski, “Bugsy” de Barry Levinson, “Ata-me!” de Almodovar, “Lobo” de Mike Nichols, até ao recente “Os Oito Odiados” de Tarantino. E tantos outros…
Não há palavras para descrever o que este príncipe do som fez pelo cinema. Fica uma lista de publicações da Janela que devem ser lidas com música de Morricone em fundo.
• Antes da Revolução, 1964, de Bernardo Bertolucci
• Por um Punhado de Dólares, 1964, de Sergio Leone
• De Punhos Cerrados, 1965, de Marco Bellochio
• Amanti d’oltretomba, 1965, de Mario Caiano
• Por Mais Alguns Dólares, 1965, de Sergio Leone
• O Bom, o Mau e o Vilão, 1966, de Sergio Leone
• O Grande Pistoleiro, 1966, de Sergio Sollima
• Cara a Cara, 1967, de Sergio Sollima
• O Grande Silêncio, 1968, de Sergio Corbucci
• Corre Homem Corre, 1968, de Sergio Sollima
• Pistoleiro Profissional, 1968, de Sergio Corbucci
• Aconteceu no Oeste, 1968, de Sergio Leone
• Espia sem Nome, 1969, de Alberto Lattuada
• Companheiros, 1970, de Sergio Corbucci
• O Pássaro com Plumas de Cristal, 1970, de Dario Argento
• O Gato das Sete Vidas, 1971, de Dario Argento
• Quatro Moscas de Veludo, 1971, de Dario Argento
• Aguenta-te Canalha!, 1971, de Sergio Leone
• Decameron, 1971, de Pier Paolo Pasolini
• Os Contos de Canterbury, 1972, de Pier Paolo Pasolini
• As Mil e Uma Noites, 1974, de Pier Paolo Pasolini
• Que Viva a Revolução, 1974, de Paolo e Vittorio Taviani
• Salò ou Os 120 Dias de Sodoma, 1975, de Pier Paolo Pasolini
• O Mistério da Casa Assombrada, 1975, de Dario Argento
• 1900, 1976, de Bernardo Bertolucci
• O Exorcista II: O Herege, 1977, de John Boorman
• Laços de Sangue, 1979, de Terence Young
• Veio do Outro Mundo, 1982, de John Carpenter