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Tag Archives: Ciclos

“O meu ciclo”, por Edgar Ascensão

06 Quarta-feira Fev 2019

Posted by jc in O meu Ciclo

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Ciclos, Cinema

"Debaixo da Pele" (Under the Skin, 2013), Jonathan Glazer

Filmes da Mente

por Edgar Ascensão
autor do blogue Brain-Mixer
e da iniciativa Posters Caseiros

Começamos um filme, as imagens vão fluindo, uma narrativa surge e constrói-se uma história sequencial. Ainda assim, por vezes confuso? Entrou no domínio dos mind fuck movies.

Abre-se uma porta, abre-se uma mente. A caminhada pode ser uma escalada, longa e sinuosa, mas se tiver pernas para tal, acabará a viagem com os neurónios regalados. Há espaço para todos, mesmo como puzzles ingratamente complexos.

Inconclusivos (os melhores), deixam vida ao filme para além dos créditos finais. Fala-se nele depois, discutem-se opiniões, divaga-se em teorias. Teorias pessoais, ou reunindo vários pontos de vista que “agora que entendi aquele detalhe, já faz mais sentido”. Poder-se-ia dizer isso de “Under the Skin”… Andamos ali a descodificar imagens, a entender mensagens «subliminares», mulheres alienígenas ou humanos alienados. Afinal é tudo farinha do mesmo saco, sabemos que pouco nos diferencia das bizarrias incompreendidas. Ou mesmo de outro filme do mesmo ano, “Enemy”, adaptado de Saramago, com dois seres idênticos, duas vontades diferentes. É um confronto emocional que dá asas aos nossos medos mais profundos.

Denis Lavant em "Holy Motors" (2012), de Leos Carax

Não minto quando digo que gosto de ver estes filmes complicados. Absurdos, há quem os chame. Mas são essencialmente desafiadores. Poderão não ser obra-prima para todo o gosto, mas serão pelo menos incómodos e dão que falar para quem lá tem tempo para os ver. Se os descobrirem primeiro, lá está. Porque eles gostam de se esconder com rabo de fora.

O filme “Holy Motors” tem tudo isso. O desconhecimento dele existir, a desconfiança quando é achado. Mas lá vem a explicação de que é uma excêntrica metáfora à indústria do cinema, compacto de uma vida de actor. Traduz a imortalidade atingida graças à 7ª arte e o apontar o dedo à morte do cinema tradicional (diga-se película, clássica câmara de filmar). A Santidade desses motores (fílmicos) conjugam-se no título, querendo imortalizar e dignificar esse estatuto. E um autêntico nó chamado “Réalité”. Um nó cego. Uma matriosca infinita, na qual a última figura de certa forma contém a primeira. Dupieux já nos ia dando enxaquecas desde “Rubber” (ainda o meu favorito do autor) e com “Wrong” confirmava que a estranheza satírica era para manter como sua imagem de marca. A auto-crítica está sempre subjacente, não se importando com os danos colaterais de chamar o próprio espectador de estúpido ou gozar na nossa própria cara. As metáforas estão lá todas. Só precisamos de engolir, entender e rirmo-nos de nós próprios. É a sua essência.

Pés na terra? Vá, sirvam-se de histórias banais que são modificadas a seu bel prazer pelo seu realizador. Boy meets girl? Porque não? Desde que o ponto de interrogação seja o filme em questão. Há que lhe dar um flip-down original e romper com óbvios lugares-comuns. Venham de lá os quebra-cabeças.

Shane Carruth e Amy Seimetz em "Upstream Color" (2013), de Shane Carruth

“Upstream Color” vem pela mão de Shane Carruth, realizador catedrático em argumentos labirínticos. Com apenas dois filmes no bolso, mandou tudo para a escola do «Saber». Saber criar relações com o tempo e a forma. Tempo esse também cultivado e transformado com o seu primeiro filme, hoje de culto(íssimo), que é “Primer”. O seu segundo tem também «Saber» unir dois estranhos e fazê-los amar através de acasos do destino e manipulações desse mesmo destino, interferindo no verbo Amar.

Será que amar é assim tão maleável? Para Michel Gondry é indestrutível. Eles, com uma proximidade que os une, também simbiótica e fatalista. Se em “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, as paixões degradantes seriam objecto olvidável, em “L’écume des Jours” são sólidos que nem o eterno, onde a degradação toma conta do seu destino, apesar de um amor profundo entre o casal. Por entre maluquices visuais e uma verdadeira tragédia grega, a criatividade da mente cria um novelo de ideias à novela da vida.

Ver quando os encontramos. Rever quando os amamos. E claro, porque nos deram aquele nó na cabeça. Os filmes que marcam para sempre e são sublinhados bem forte quando ganham força num revisionamento

Imagem de "O Último Capítulo" (The Fountain, 2006), de Darren Aronofsky

“The Fountain”, três viagens para um inclassificável ovni do cinema, percorrendo séculos históricos para terminar num último capítulo, último destino e fim de vida. Aronofsky queria imortalizar o amor de um homem e uma mulher, cruzando-os nas entrelinhas do Tempo. Labirinto do tempo, da realidade, da mente, é também “Paprika”. Anime de quem fez “Perfect Blue”, sabe partir a cabeça, esse Satoshi Kon. Queriam aglutiná-lo a “Inception”, esse (eficaz) blockbuster de Nolan, mas “Paprika” é mais. Mais louco, mais experimental, mais sonhador. E é também menos, menos quatro anos que “Inception”, dando-lhe o relevo cinematográfico e importância como obra pioneira neste estudo dos sonhos repartidos na realidade.

Sonhamos com eles, os filmes. Sonhamos e desejamos encontrar outros tão bons e inesquecíveis quanto os citados. A nossa mente cria raízes nessas obras. A nossa mente cria outros sonhos, que nos fazem escrever sobre eles, para um dia outras mentes concordarem com a nossa.

Filmes recomendados:
• “O Homem Duplicado” (Enemy, 2013), de Denis Villeneuve
• “Debaixo da Pele” (Under the Skin, 2013), Jonathan Glazer
• “Holy Motors” (2012), de Leos Carax
• “Réalité” (2014), de Quentin Dupieux
• “Upstream Color” (2013), de Shane Carruth
• “A Espuma dos Dias” (L’écume des jours, 2013), de Michel Gondry
• “O Último Capítulo” (The Fountain, 2006), de Darren Aronofsky
• “Paprika” (Papurika, 2006), de Satoshi Kon

Imagem de "Paprika" (Papurika, 2006), de Satoshi Kon

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“O meu ciclo”, por Cátia Alexandre

31 Quarta-feira Jan 2018

Posted by jc in O meu Ciclo

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Ciclos, Cinema, Denis Villeneuve

Denis Villeneuve durante as filmagens de "O Primeiro Encontro" (Arrival, 2016)

Denis Villeneuve

por Cátia Alexandre

autora do blogue May The Cinema Be With You
colaboradora da revista Take Cinema Magazine

Quando pensamos em Denis Villeneuve admitimos sem qualquer dúvida estar perante um dos realizadores contemporâneos mais interessantes a trabalhar nos dias de hoje em Hollywood, cuja filmografia prima não só pela qualidade visual e técnica, como por uma vertente inteligente e intelectual que é inerente em todas as suas obras, onde o estilo se mistura com a substância, com valores equivalentes entre os ambos.

Nasceu em 1967, no Canada, onde inicialmente começou a estudar ciências, algo que abandonou mais tarde para se dedicar à paixão pelo cinema. Tendo ganho em 1990-1991, o prémio La Course Europe-Asie, para jovens realizadores, foi apenas em 2010 que saltou para as luzes da ribalta, depois de ter sido nomeado para um Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Jack Gyllenhaal e, "O Homem Duplicado" (Enemy, 2013), de Denis Villeneuve

Tenho sempre tendência a exagerar nos adjectivos quando gosto mesmo muito do trabalho de um realizador, e o receio de me tornar exagerada ou pretensiosa aparece sempre que falo de Villeneuve e dos seus filmes, realizador que rapidamente me fascinou desde o primeiro trabalho que dele vi. Acredito que ele é tudo aquilo que a minha geração pretende viver numa sala de cinema, alimentando o entusiasmo de aguardar pela estreia do seu próximo filme. Toda a sua obra vive da maneira como as ideias são representadas, pela beleza dos planos, das cores e dos sets, e na forma vulnerável e honesta como se apresentam os personagens das suas histórias. É na delicadeza das imagens e dos gestos, é nas palavras que por mais complexas que sejam, que estão os sentimentos que de alguma forma nos tocam.

Emily Blunt em "Sicário - Infiltrado" (Sicario, 2015), de Denis Villeneuve

A temática dos seus filmes gira em torno de personagens a viver algum momento de tragédia ou situação traumática, explorando inquietudes, descortinando vulnerabilidades, complexidades e os lugares mais obscuros da mente humana. Villeneuve tem a capacidade de ir envolvendo a audiência, entregando aos poucos as peças do puzzle.

Muito poderão achar exagerado colocar Denis Villeneuve no mesmo patamar de Kubrick ou Scorsese, mas a verdade é que ele consegue deixar me a cada obra sua mais apaixonada pelo seu trabalho e pela genialidade com que consegue transmitir sentimentos e emoções através da lente de uma câmara.

Filmes recomendados:
• “Incendies – A Mulher que Canta” (Incendies, 2010)
• “Raptadas” (Prisoners, 2013)
• “O Homem Duplicado” (Enemy, 2014)
• “Sicário – Infiltrado” (Sicario, 2015)
• “O Primeiro Encontro” (Arrival, 2016)
• “Blade Runner 2049” (2017)

Ryan Gosling em Blade Runner 2049 (2017), de Denis Villeneuve

“O meu ciclo”, por Miguel Ferreira

10 Quarta-feira Jan 2018

Posted by jc in O meu Ciclo

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Ciclos, Cinema, Fantasia, Ficção Científica

Imagem de "Viagem ao Outro Lado do Sol" (Journey to the Far Side of the Sun, 1969), de Robert Parrish

Mundos Paralelos

por Miguel Ferreira

autor do blogue Créditos Finais
co-autor do podcast Nas Nalgas do Mandarim

A minha mãe ia contar uma história. Eu ia nessa história, com ela. A uma escola nova, terra vizinha. Esperando, como se espera sempre em espaço novo, o maior grau de estranheza, estranheza fresca, por abrir. Mas ali, naquela manhã, o esquisito sabia a família: o edifício era igual ao que temos em casa, aquela escola era igual à minha, só que em azul. Trocaram o amarelo e encheram esta cabeça de um universo paralelo. Primeira vez que fiz tal viagem, tal embarque a um conceito com regras muito bem definidas: “Parallels”, um filme de 2015 diz cedo na voz de uma das suas personagens – não viajaste no tempo, o dia e a hora são exatamente os mesmos, só que estás noutra versão do planeta Terra. Imaginemos que agora, num outro mundo, um outro “eu” está a gatafunhar esta crónica, só que em vez de uma BiC azul usa uma BiC preta. Pequeninas, minúsculas, ligeiras diferenças até às brutais como este amontoado de palavras não existir ou eu nunca ter nascido. Ou ter nascido mas gostar muito do “Shakespeare in Love”, ou melhor não ter mesmo nascido. O filme, esse, é também um piloto de televisão, o que faz todo o sentido uma vez que foi – e ainda é – o pequeno ecrã a oferecer o espaço das possibilidades. Dezenas de episódios cobrem com muito mais facilidade as viagens que podemos fazer, as variações que queremos montar. Mundos infinitos que, numa premissa como “Parallels”, precisam de todas as hipóteses, até dar, até ser possível. “Sliders” foi dos exemplos mais claros e cristalinos deste conceito e mais recentemente “Fringe”, que elevava a fasquia para uma guerra entre mundos, com protagonistas e seus duplos a marcarem a memória recente. Como “Stranger Things” e o seu Mundo Invertido ou “Flash”, que é pau para toda a obra e para além dos paralelos tem os mundos criados por viagens no tempo. Fazer diferente, a causa efeito, fantasmas ontem, monstros hoje. Mas comecemos a bater à porta, não das projeções futuristas e inter-dimensionais de “Black Mirror” e “Dimension 404”, mas sim do guarda-roupa. Sim e passemos para o cinema, senão daqui a bocado começa a tocar a orquestra e eu tenho de me calar.

Imagem de "A Bússola Dourada" (The Golden Compass, 2007), de Chris Weitz

Outros Mundos

Início dos inícios. Um portal mais maroto, um armário, um buraco, túnel, o que der e vier, o que der para passar. Eu sei, a esta altura já estão todos com a arma carregada e a salivar pelo Super Mario Bros., com a sua dimensão onde os dinossauros nunca se extinguiram. Uma espécie de centro comercial esquisito, taciturno e peganhento com malta alagartada. E pessoal, eu também amo o Super Mário, Samantha Mathis é poster de parede, Dennis Hopper é o maior e há um momento em que eles cruzam os desentupidores. Mas, no que toca a outros mundos não posso deixar de colocar a minha alma ao ombro: “The Golden Compass”, que para além de ser a fantasia mais bonita da década anterior é também a mais esquecida, o que faz dela ainda mais bonita. Sem motor para sequela, e dizimada por outros mastodontes do género, esta estrela cadente caiu em parte incerta, mas fica a magia da velha infância. De algo tão rico que só vivendo, só indo ao mundo onde as almas se separam do corpo e existam na forma de animais.

Então e se…

A eterna questão que temos de levar todos os dias às cavalitas. Se por acaso eu tivesse ido ver “A Beautiful Mind” em vez do “Mulholland Dr.”, estaria aqui hoje? Teria cabelo preto? Continuaria com o blogue? Sim, sim e sim, mau exemplo, mas vocês perceberam a ideia. Sei que estão todos encegueirados e já com a canção dos Aqua na ponta da língua. Mas não, não, não, não vou escolher o “Sliding Doors”. Eu gosto, tem graça, a dicotomia do instante e depois a poesia de um final convergente. Ou de trabalharmos para tal. Como o “The Family Man”. Ou no oposto, virar para outro adeus: “Donnie Darko” e “The Butterfly Effect”. Todos exemplos desse grão que se desloca um bocadinho mais para a direita. Todos bem, mas hoje é “Mr. Nobody” a chegar ao cartaz, porque é a súmula perfeita de todas estas escolhas, porque as tem em simultâneo. Um choque de hipóteses, vidas, filhos, não filhos, mortes vida, tudo a acontecer perante os olhos como a tal questão, agora materializada. Ou seja, é possivelmente a obra que melhor ilustra – e se ela é bonita – esta canga. Porque não há um voltar atrás, mudar e regressar para algo vizinho: os caminhos paralelos existem apenas numa única estrada e é essa que temos de trilhar.

Brit Marling em "Outra Terra" (Another Earth, 2011), de Mike Cahill

Mas agora a sério

Esqueçamos outros mundos e hipóteses, até porque metade do estádio já está vazio, viemos aqui para dançar com os nossos duplos. Para amansar os puristas e dizer que sim: filmes de universos paralelos têm de ter os chamados doppelgangers, que, consultando uma Wikipédia mais marota, descubro serem “monstros ou seres fantásticos que têm o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa”. Isto segundo uma lenda germânica. No “How I Met Your Mother” falavam disto. Ai série mais uma vez, bate na boca. E nada melhor para ilustrar o tema do que um filme – não malta não é o “One” do Jet Li – com o mesmo nome: “Doppelgänger” ou “Journey To The Far Side Of The Sun”. Nele dois astronautas viajam até um planeta igual ao nosso mas que está escondido pelo Sol. Está do outro lado do Sol. Lá descobrem uma Terra igual mas inversa, onde tudo é quase idêntico com pequenas diferenças. É ficção científica que respira, ainda com tempo dentro do seu tempo, dona de uma ideia certeira e seca. O espelho, o outro lado do espelho. E sem sair de lá, outra delícia, bem mais recente e com a minha atriz favorita. Não é, mas a sentença ganha logo corpo, como um bom vinho. Gosto muito pronto. Brit Marling e o seu “Another Earth”. Com um conceito muito idêntico ao de 69, aparece também outra Terra, ali, à mão de semear, mais bonita que a Lua. Simples, sóbrio, trabalha a ideia do arrependimento e de segundas chances, tendo o resto como pretexto. Não são assim os melhores devaneios do género. São de facto. Há essa necessidade de encolher e restringir, como um íman, como o espaço pessoal, finito na pele e nas ideias. E que melhor exemplo de escassez de recursos mas fartura de encanto que “Coherence”? Se há filme que inspira, governa, comanda o tema e o ciclo é este aqui. Em 90 minutos voltamos acreditar no impossível, no muito com nada, porque feitas as contas estamos a ver uma obra de meia dúzia de tostões e estamos de facto lá, em outras realidades. É essa inteligência e audácia – no conto de um grupo de amigos à mesa numa noite pautada pela passagem de um cometa – que hoje continua por bater. E o mais irónico de tudo, é que no mesmo ano saiu +1, que é, como é dissemos atrás: um doppelganger, dos pés à cabeça. Varia nos mecanismos – não é de todo tão inteligente e minimalista – carregando um pouco mais na violência, na repetição – à la “Triangle” – dando um passo em frente no modo como se encerra. Ainda assim, é mais um a adicionar ao carrinho que agora vai rumo à caixa. Agora vou rumo à caixa, na esperança de uma fila curta mas também com aquela expectativa latente de no outro lado do vidro estar a passear, com outro jornal e outro casaco, um gajo exatamente igual a mim.

Filmes escolhidos:
• “Viagem ao Outro Lado do Sol” (Journey to the Far Side of the Sun, 1969) – Robert Parrish
• “A Bússola Dourada” (The Golden Compass, 2007) – Chris Weitz
• “Sr. Ninguém” (Mr. Nobody, 2009) – Jaco Van Dormael
• “Outra Terra” (Another Earth, 2011) – Mike Cahill
• “Coherence” (2013) – James Ward Byrkit
• “+1” (2013) – Dennis Iliadis

Imagem de "+1" (2013), de Dennis Iliadis

“O meu ciclo”, por Rui Pinto

14 Terça-feira Nov 2017

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Ciclos, Cinema, Música

Amy Winehouse em "Amy" (2015), de Asif Kapadia

Cinema e Música

por Rui Pinto

O cinema e a música sempre andaram juntos desde o início. Ainda antes do aparecimento dos filmes “sonoros” havia acompanhamento musical ao vivo para dar ênfase ao desenrolar do enredo. Não é de estranhar que o primeiro filme sonoro tivesse como tema a música (“O Cantor de Jazz”).

A interligação entre ambos é tão íntima e desenvolveu-se de tal forma que, hoje em dia, é quase impensável não ver a música como parte integrante do filme, muitas das vezes escapando à percepção do próprio espectador, mas servindo, tal como no início, para acompanhar o enredo e dando o tom das emoções do filme (quem não se lembra da música a acompanhar a cena do chuveiro do “Psico”, do tema do “Jaws” ou mesmo dos “Encontros imediatos do 3º grau”, “Star Wars” ou “Indiana Jones”).

Por vezes, contudo, a música salta para o plano principal do filme, sendo mesmo o protagonista principal ou, pelo menos, o elemento à volta de qual tudo gira. Esquecendo as escolhas óbvias dos musicais da época dourada de Hollywood, elaborei uma lista completamente aleatória (ou seja dos filmes que em primeiro lugar me vieram à memória, com a certeza de que me escaparam muitas escolhas óbvias) em que a música se chega à frente do palco.

Após a selecção dos títulos, uma forma de arrumação dos mesmos pareceu-me natural. Desta forma, em primeiro lugar, decidi agrupar os filmes (ou documentários) sobre músicos, dos quais constam:

• “À Procura de Sugar Man” (Searching for Sugar Man, 2012) – Malik Bendjelloul
• “A Dois Passos do Estrelato” (Twenty Feet from Stardom, 2013) – Morgan Neville
• “Amy” (2015) – Asif Kapadia
• “Elis” (2016) – Hugo Prata
• “Janis: Little Girl Blue” (2015) – Amy Berg
• “Cobain: Montage of Heck” (2015) – Brett Morgen

Don Cheadle em "Miles Ahead" (2015), de Don Cheadle

Em paralelo com os documentários, seleccionei alguns filmes ficcionados sobre músicos, em que, baseando-se nas vidas reais dos músicos ou nalguns factos, os papéis são interpretados por actores. Neste caso temos:

• “Amadeus” (1984) – Milos Forman
• “Bird – Fim do Sonho” (Bird, 1988) – Clint Eastwood
• “The Doors: O Mito de Uma Geração” (The Doors, 1991) – Oliver Stone
• “Farinelli” (1994) – Gérard Corbiau
• “CBGB” (2013) – Randall Miller
• “Get on Up” (2014) – Tate Taylor
• “Marguerite” (2015) – Xavier Giannoli
• “Miles Ahead” (2015) – Don Cheadle
• “Florence, Uma Diva Fora de Tom” (Florence Foster Jenkins, 2016) – Stephen Frears
• “Nina” (2016) – Cynthia Mort

Algures entre o documentário e o documentário ficcionado, é possível encontrar alguns exemplos de filmes que partem de alguns elementos reconhecidamente verídicos ou reais, para partir para uma história ficcionada, tais como:

• “Velvet Goldmine” (1998) – Todd Haynes
• “Música e Letra” (Music and Lyrics, 2007) – Marc Lawrence

O elenco de "Os Commitments" (The Commitments, 1991), de Alan Parker

Talvez os exemplos mais interessantes sejam as obras de ficção que se baseiam no mundo da música ou à volta dela. Alguns exemplos:

• “All That Jazz: O Espectáculo Vai Começar” (All That Jazz, 1979) – Bob Fosse
• “Os Dias da Rádio” (Radio Days, 1987) – Woody Allen
• “Os Fabulosos Irmãos Baker” (The Fabulous Baker Boys, 1989) – Steve Kloves
• “Os Commitments” (The Commitments, 1991) – Alan Parker
• “Os Virtuosos” (Brassed Off, 1996) – Mark Herman
• “Quase Famosos” (Almost Famous, 2000) – Cameron Crowe
• “O Concerto” (Le concert, 2009) – Radu Mihaileanu
• “A Família Bélier” (La famille Bélier, 2014) – Eric Lartigau
• “O Coro” (Boychoir, 2014) – François Girard
• “Whiplash – Nos Limites” (Whiplash, 2014) – Damien Chazelle
• “Música a Música” (Song to Song, 2017) – Terrence Malick
• “O Piano” (The Piano, 1993) – Jane Campion

Por último, uma menção a DVD musicais de grupos que, pela sua qualidade narrativa, são mais do que um simples DVD de música ou conjunto de vídeos promocionais das músicas ou grupos. São alguns exemplos de cristalização de um momento no tempo, o sentir de um músico ou grupo num determinado ponto, que ajudam a compreender melhor a realidade deles.

• “Shine a Light” (2008) – Martin Scorsese
• “Shut Up and Play the Hits – O Fim dos LCD Soundsystem” (Shut Up and Play the Hits, 2012) – Will Lovelace e Dylan Southern
• “20.000 Dias na Terra” (20,000 Days on Earth, 2014) – Iain Forsyth e Jane Pollard
• “Pulp: Um Filme Sobre a Vida, a Morte e Supermercados” (Pulp: A Film About Life, Death and Supermarkets, 2014) – Florian Habicht
• “One More Time with Feeling” (2016) – Andrew Dominik

Nick Cave em "One More Time with Feeling" (2016), de Andrew Dominik

“O meu ciclo”, por Pedro Soares

07 Terça-feira Nov 2017

Posted by jc in O meu Ciclo

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Ciclos, Cinema, Mocumentário, Spoof

"This Is Spinal Tap" (1984), de Rob Reiner

Mocumentários

por Pedro Soares
autor do blogue Royale with Cheese
colaborador da revista Take Cinema Magazine

A realidade e a ficção começaram a misturar-se no cinema desde muito cedo, especialmente desde que as imagens de arquivo passaram a ser facilmente partilháveis na década de 50. Os limites entre a verdade e a não-verdade nem sempre são fáceis de identificar e se há géneros cinematográficos que tentam ao máximo captar a realidade como ela é (olá cinema vérité!), outros invertem o bico ao prego e utilizam os códigos da ficção para passarem por verdadeiros.

Foi assim que surgiu o mocumentário, espécie de documentário sobre factos fictícios montado como reais. E, basicamente, tudo começou em 1984 com “This is Spinal Tap”, clássico absoluto de Rob Reiner, sobre uma fictícia banda e hard-rock e os seus problemas por entre as drogas, o sexo e o rock’n’roll. Apesar de ser fictício, o filme é tão verdadeiro que os Spinal Tap acabaram mesmo por dar concertos e ter uma existência real fora do ecrã, num exemplo de como a força do cinema é imparável. E o impacto de “This is Spinal Tap” foi de tal forma na cultura popular que, no IMDB, é o único filme que é possível votar 11 numa escala de 0 a 10, numa private joke do filme.

Apesar de ter cunhado o termo, “This is Spinal Tap” não é o primeiro mocumentário da história do cinema. Antes já haviam os filmes dos Beatles e, claro, “The Rutles: All You Need is Cash”. Assinado pelo Monhy Python Eric Idle, Os Rutles conta a história de uma banda claramente inspirada no percurso dos Beatles, mas que tem o extra de contar com algumas cabeças falantes célebres a dar o seu próprio testemunho. É o caso do próprio Mick Jagger, a confessar que começara os seus Rolling Stones depois de ouvir os Rutles.

"The Rutles: All You Need is Cash" (1978), de Eric Idle e Gary Weis

Mestres como Luis Buñuel e Orson Welles (este último na sua famosa transmissão radiofónica da Guerra dos Mundos, que muitos tomaram por real) já tinham experimentado esta mistura entre a ficção e a realidade anos antes de “This is Spinal Tap” e de “Os Rutles”. E o próprio Woody Allen, logo no seu segundo trabalho – “O Inimigo Público” (Take the Money and Run, 1969) – também flirtava com o género, que voltaria a repetir mais vezes. Mas é com “Zelig”, em 1983, que tem os melhores resultados: um mocumentário sobre um homem que, qual Forrest Gump, atravessa os tempos e vários momentos históricos não só sem envelhecer, como ainda adquirindo as características dominantes de quem o rodeia.

Tal como “O Inimigo Público”, também “Manual de Instruções para Crimes Banais” é um mocumentário sobre polícias e ladrões. O filme belga realizado por Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde segue um serial killer na sua rotina diária, entrando rapidamente pelos terrenos do humor negro.

"Manual de Instruções para Crimes Banais" (Man Bites Dog, 1992), de Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde

O mocumentário havia de influenciar directamente os filmes de found footage, género inaugurado com grande choque e efeito mediático por “Holocausto Canibal” (Canibal Holocaust, 1980), seguido por “O Projecto Blair Witch” (The Blair With Project, 1999) décadas depois, e que acabaria por desaguar numa série de filmes do género já no século XXI. Uma das principais diferenças entre o mocumentário e o filme de found footage é que o primeiro é, normalmente, uma dramatização divertida, satírica ou irónica da realidade, enquanto que o segundo aborda o real do ponto de vista do terror e do susto.

Um exemplo de falso documentário dramático é “Kenny”, que Clayton Jacobson realizou em 2006. O filme segue a vida de um funcionário de limpeza de casas de banho portáteis, daquelas de plástico que encontramos nos festivais de verão e nas feiras lá da terra. É uma viagem ao que acontece depois que as luzes da festa se apagam, num mocumentário desencantado sobre a solidão, a esperança e a perserverança.

Aproveitando outro dos grandes fenómenos dos anos 2000, os vampiros, surge o último filme deste ciclo. “O que Fazemos nas Sombras”, realizado por Taika Waititi – o tipo da última adaptação do Thor -, é um mocumentário que segue três vampiros que dividem um apartamento. É um filme de um humor inteligente, que satiriza ainda o género, ao incluir as vária abordagens que a cultura popular tem feito ao vampiro ao longo do tempo.

"O Que Fazemos nas Sombras" (What We Do in the Shadows, 2014), de Jemaine Clement e Taika Waititi

Filmes escolhidos:
• “This Is Spinal Tap” (1984) – Rob Reiner
• “The Rutles: All You Need is Cash” (1978) – Eric Idle e Gary Weis
• “Zelig” (1983) – Woody Allen
• “Manual de Instruções para Crimes Banais” (Man Bites Dog, 1992) – Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde
• “Kenny” (2006) – Clayton Jacobson
• “O Que Fazemos nas Sombras” (What We Do in the Shadows, 2014) – Jemaine Clement e Taika Waititi

“O meu ciclo”, por Samuel Andrade

02 Quinta-feira Nov 2017

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Ciclos, Cinema

Lon Chaney em "London after Midnight" (1927), de Tod Browning

Perdidos e Achados

por Samuel Andrade
blogger de cinema
autor de O Síndroma do Vinagre e do antigo blogue Keyser Sozes’s Place

Imaginemos que um dia, alguém e algures desenterra um conjunto de obras cinematográficas (acreditem, tal já sucedeu e, por vezes, nos locais mais inusitados) que as circunstâncias e os azares do tempo se encarregaram de as fazer desaparecer do nosso olhar contemporâneo.

Para além da espantosa significância histórico-cinéfila de um achado dessa índole (e após um muito provável e heróico trabalho de restauro), o primeiro passo lógico seria compor a exibição pública destes filmes, para o definitivo reencontro entre espectadores e imagens há muito “arredadas” do grande ecrã.

É com essa esperança em mente que segue abaixo, por ordem cronológica de ano de produção, o meu ciclo de Cinema consagrado a dez “filmes reencontrados”. Ou, por outras palavras, estes são os títulos por que mais anseio ouvir notícias acerca da sua descoberta.

“O Rapto de Uma Actriz (1907, Lino Ferreira): um dos primeiros filmes de ficção produzidos em Portugal, a sua sinopse transmite a ideia de uma curiosa simbiose entre cinema e teatro de revista.

Imagem de "The Vampire" (1913), de Robert G. Vignola

“The Vampire” (1913, Robert G. Vignola): o primeiro filme a apresentar uma protagonista imbuída das características que definem a femme fatale do Cinema.

“Her Friend the Bandit” (1914, Charlie Chaplin): o único filme perdido com Chaplin no principal papel.

“A Girl of Yesterday” (1915, Allan Dwan): comédia romântica, interpretada e escrita por Mary Pickford, e assinada por um cineasta cujo valor seria resgatado nos anos 60 e 70.

Imagem de "A Girl of Yesterday (1915), de Allan Dwan

“The Serpent” (1916, Raoul Walsh): Theda Bara no papel de uma mulher vingativa e, mais tarde, vítima de traição, em plena Primeira Guerra Mundial.

“The Story of the Concierge Mukuzo Imokawa” (1917, Ōten Shimokawa): um dos primeiros filmes de animação produzidos no Japão.

“Hats Off” (1927, Hal Yates): considerado o “Santo Graal dos filmes de Laurel e Hardy”, é o único filme do duo Bucha e Estica listado como perdido.

“London after Midnight” (1927, Tod Browning): conto de terror com o inimitável Lon Chaney na pele de um hipnotista, e do qual apenas sobrevivem imagens promocionais.

“Convention City” (1933, Archie Mayo): com Joan Blondell, Dick Powell e Adolphe Menjou no elenco; a exibição comercial desta comédia pre-Code foi suspensa devido ao seu escandaloso conteúdo, e reza a lenda que, por isso, a Warner Bros. ordenou a destruição de todas as cópias (incluindo trailers) do filme.

“Miramar, Praia das Rosas” (1938, Manoel de Oliveira): curta documental, filmada na comunidade de Miramar, em Vila Nova de Gaia, e com narração de Fernando Pessa.

P.S.: Recorda-se a todos que os filmes supracitados estão perdidos; please, do check your attic!

Imagem de "Convention City" (1933), de Archie Mayo

Filmes escolhidos:
• “O Rapto de Uma Actriz” (1907) – Lino Ferreira
• “The Vampire” (1913) – Robert G. Vignola
• “Her Friend the Bandit” (1914) – Charlie Chaplin,
• “A Girl of Yesterday” (1915) – Allan Dwan
• “The Serpent” (1916) – Raoul Walsh
• “The Story of the Concierge Mukuzo Imokawa” (Imokawa Mukuzō Genkanban no Maki, 1917) – Ōten Shimokawa
• “Hats Off” (1927) – Hal Yates
• “London after Midnight (1927) – Tod Browning
• “Convention City” (1933) – Archie Mayo
• “Miramar, Praia das Rosas” (1938) – Manoel de Oliveira

“O meu ciclo”, por Emanuel Neto

31 Terça-feira Out 2017

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Acção, Ciclos, Cinema, Sylvester Stallone

Sylvester Stallone

Sylvester Stallone

por Emanuel Neto
co-autor do blogue Por um punhado de euros

Michael Sylvester Cardenzio Stallone era um jovem nascido em Nova Iorque que deixou a escola muito cedo. Um dia foi a uma sala de cinema ver um filme protagonizado por Steve Reeves. Quando saiu, a sua cabeça martelava esta ideia: “a partir de agora vais deixar de ser um vadio e vais ser um grande homem como o Steve Reeves”. Mudou-se para Los Angeles e tentou a sua sorte no cinema. Alcançou o sucesso ainda nos anos 70 mas os anos 80 foram os seus anos de glória.

“Fuga Para a Vitória” é especial. Um filme que tem Pelé a marcar golos de bicicleta e tem Sylvester Stallone a jogar a guarda-redes e a defender um penálti nos últimos instantes do jogo tem de ser especial.

Os anos foram passando, o sucesso e a fama aumentavam e o auge foi alcançado em 1985. A segunda aventura do veterano de guerra John Rambo foi um enorme sucesso de bilheteira a nível mundial. Para não variar, a partir daqui passou a ser moda falar mal de Stallone (principalmente uma tropa fandanga chamada “críticos de cinema”, essa seita!). Ainda nesse ano estreou “Rocky IV”, o filme da saga que obteve a maior receita e o filme de boxe mais rentável de sempre (um recorde que ainda hoje não foi batido!). Depois de ter partido as trombas a Mr. T (“I pity the fool”) três anos antes, Balboa enfrenta o gigante soviético Dolph Lundgren em Moscovo (na casa do inimigo). Contra tudo e contra todos vence o combate e ainda ganha um belo troféu: a alta e elegante dinamarquesa Brigitte Nielsen.

Imagem promocional de "Rocky IV" (1985), de Sylvester Stallone

Em 1986, Stallone e George P. Cosmatos lideram o projeto “Cobra”, um policial violento cheio de ação. O filme era para ter uma duração de 120 minutos mas houve barulho e a versão final ficou em 85 minutos!! Foi mais um sucesso de bilheteira, a dupla Stallone / Nielsen preenchia capas e páginas das revistas de mexericos, mas a “tropa fandanga” acima mencionada continuou a cascar no homem.

Dois anos depois as coisas começam a mudar. “Rambo III” agradou aos fãs mas desagradou à Administração Reagan porque, segundo diziam, é de mau tom enxovalhar daquela maneira os nossos amigos soviéticos (à data Reagan e Gorbatchev já andavam muito amiguinhos).

Os anos 90 confirmaram a decadência na carreira de Stallone. Entre altos e baixos destaco “O Especialista”, com Sly e Sharon Stone às turras com os mafiosos James Woods, Eric Roberts e Rod Steiger.

Sylvester Stallone e Sharon Stone no poster de "O Especialista" (The Specialist, 1994), de Luis Llosa

“Copland – Zona Exclusiva” revelou uma faceta totalmente diferente de Stallone: o papel de xerife molengão, pançudo e (aparentemente) inútil foi uma agradável surpresa e uma lufada de ar fresco.

Dir-se-ia que partir daqui o homem praticamente desapareceu da ribalta. Para gáudio dos fãs renasceu com o projeto “Expendables”. Da trilogia, “Os Mercenários 2” é o melhor filme porque juntar as velhas carcaças de Stallone, Schwarzenegger, Willis, Van Damme, Lundgren e Norris num só filme é algo digno de se ver. Só é pena não ter sido feito há 25 anos atrás!

Imagem promocional de "Os Mercenários 2" (The Expendables 2, 2012), de Simon West

Filmes recomendados:
• “Fuga para a Vitória” (Escape to Victory, 1981) – John Huston
• “Rambo II – A Vingança do Herói” (Rambo: First Blood Part II, 1985) – George P. Cosmatos
• “Rocky IV” (1985) – Sylvester Stallone
• “Cobra – O Braço Forte da Lei” (Cobra – O Braço Forte da Lei, 1986) – George P. Cosmatos
• “Rambo III” (1988) – Peter MacDonald
• “O Especialista” (The Specialist, 1994) – Luis Llosa
• “Copland – Zona Exclusiva” (Cop Land, 1997) – James Mangold
• “Os Mercenários 2” (The Expendables 2, 2012) – Simon West

“O meu ciclo” por João Paulo Costa

26 Quinta-feira Out 2017

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Ciclos, Cinema, Jean-Pierre Melville

Jean-Pierre Melville

Jean-Pierre Melville

por João Paulo Costa
editor de vídeo
colaborador da revista Take Cinema Magazine

Nascido em Paris em 1917, a mesma cidade onde viria a falecer em 1973, Jean-Pierre Melville é um dos heróis por vezes pouco recordados do cinema francês, cujos filmes marcaram simultaneamente alguns dos seus conterrâneos um pouco mais novos como Godard, Truffaut ou Chabrol, como alguns dos mais reconhecidos cineastas internacionais da actualidade (refira-se, por exemplo, que Melville foi um dos nomes a quem Tarantino dedicou o guião original de “Cães Danados”). Apesar de ter assinado alguns dramas excelentes como “Les enfants terribles” (1950), “Amor Proibido” (Léon Morin, prêtre, 1961) ou “O Exército das Sombras” (L’armée des ombres, 1969), Melville ficou acima de tudo conhecido como autor de filmes de crime, abordando de forma tão elegante quanto emocionante, tanto o lado dos criminosos como dos polícias, e é nesses que este ciclo se irá centrar.

“Bob, o Jogador” (1956) foi a sua primeira incursão dentro do género, e à quarta longa-metragem construiu aquele que muitos vêem como um dos precursores de filmes como “O Acossado” (À bout de souffle, 1960) – de Godard, onde o próprio Melville tem um pequeno papel -, ou “Disparem Sobre o Pianista” (Tirez sur le pianiste, 1960), de Truffaut, não só porque se inspira no cinema noir clássico americano e segue personagens que vivem à margem da lei, como o faz com um estilo solto, muitas vezes de câmara à mão, e um sentido de humor muito peculiar. Nele seguimos Bob que, tal como o título indica, é um jogador em crise financeira, que planeia um assalto a um casino local. Com uma duração curta e um ritmo em constante andamento, rodado a preto e branco sem grandes adornos, o filme é um excelente balão de ensaio para o que Melville viria a construir mais tarde, no qual podemos ver já algumas das suas imagens de marca, seja na forma como se preparam complexos assaltos, seja na forma como estes são investigados, seja na forma como a sorte e os pequenos detalhes podem deitar tudo a perder. Curiosamente tem algumas semelhanças com outro título lançado no mesmo ano nos Estados Unidos, “Um Roubo no Hipódromo” (The Killing, 1956), de um tal de Stanley Kubrick.

Seguiu-se “Dois Homens em Manhattan” (1959), filme que acompanha um jornalista e um fotógrafo enquanto estes procuram o rasto de um delegado francês das Nações Unidas desaparecido em Manhattan. Curiosamente, Melville oferece a si próprio o papel principal, algo que fez pela única vez na sua própria filmografia, embora tenha aceite trabalhar como actor para outros realizadores. Mesmo não sendo um dos seus títulos mais conceituados, vê-se bastante bem, e os seus 80 minutos passam a correr. O mesmo se pode dizer de “Um Homem de Confiança” (1963), em que Jean-Paul Belmondo dá corpo a um ex-pugilista contratado como segurança privado de um banqueiro corrupto, em fuga após uma série de problemas financeiros. Este título marcou também a sua primeira rodagem a cores.

Jean-Paul Belmondo em "O Denunciante" (Le doulos, 1963), de Jean-Pierre Melville

No entanto, é outro trabalho de 1963, também com Jean-Paul Belmondo, que mais se destaca hoje em dia. Em “O Denunciante”, estamos situados num universo quase totalmente habitado por criminosos que, entre assaltos falhados, traições e denúncias, vivem a vida no limite, quase sempre olhando por cima do próprio ombro. Neste filme estão já expostos os códigos entre criminosos que tão importante parte viriam a tomar nos seus trabalhos posteriores.

“O Segundo Fôlego” (1966), é para muitos o seu primeiro verdadeiramente grande filme dentro do género. Com uma duração mais longa de 2 horas e 30 minutos, vemos aqui Melville a depurar o seu universo muito específico, no qual o famoso actor franco-italiano Lino Ventura assume o protagonismo, como um reputado criminoso em fuga da prisão, que precisa de um último golpe para escapar para Itália em segurança. No entanto, tem à perna um incansável e astuto inspector da polícia a investigar o caso. Chegados a este ponto, podemos já dizer que a assinatura de Melville se encontra no ponto máximo de perfeição. Aquela que começou como uma abordagem relativamente frenética tornou-se nesta fase bastante mais ponderada, com Melville a perder o seu tempo na construção de cenas, estabelecendo pacientemente o espaço e o universo por onde as personagens se movem.

No ano imediatamente a seguir, Melville prosseguia a sua carreira com aquele que é hoje talvez considerado o seu filme mais cool. “O Ofício de Matar” (1967), mais conhecido internacionalmente como “Le Samouraï”, segue um assassino profissional (Alain Delon) que vive sozinho no seu pequeno apartamento parisiense com a companhia de um pássaro engaiolado. Certo dia, é visto por testemunhas a matar o dono de um bar, e o até então perfeccionista e minucioso criminoso precisa agora de um alibi perfeito para escapar à prisão. Sendo um excelente filme por mérito próprio, o mais fascinante de “O Ofício de Matar” é a quantidade de excelentes outros títulos que inspirou ao longo dos tempos, como “O Profissional” (The Driver, 1978), de Walter Hill, “The Killer” (1989), de John Woo, “Passado Sangrento” (Sydney, 1996), de Paul Thomas Anderson, “Ghost Dog – O Método do Samurai” (Ghost Dog: The Way of the Samurai, 1999), de Jim Jarmusch, “O Americano” (The American, 2010), de Anton Corbijn ou “Drive – Risco Duplo” (Drive, 2011), de Nicolas Winding Refn, para mencionar apenas alguns, tendo criado uma espécie de sub-género do assassino profissional solitário, de poucas falas, e muita acção.

Alain Delon em "O Ofício de Matar" (Le Samouraï, 1967), Jean-Pierre Melville

Depois de ter assinado em 1969 “O Exército das Sombras”, obra-prima sobre a resistência francesa à invasão Nazi, Melville regressou ao género criminal para aquele que será talvez o pináculo do estilo que vinha desenvolvendo há décadas: “O Círculo Vermelho” (1970) é um filme minuciosamente escrito e realizado sobre um grupo de criminosos que se reúnem para um assalto, e sobre o inspector da polícia que lhes segue as pisadas. Digamos já de forma clara: sem “O Círculo Vermelho”, Michael Mann dificilmente nos teria oferecido a sua obra-prima “Heat – Cidade Sob Pressão” (Heat, 1995), tantas são as semelhanças entre os dois filmes, especialmente na maneira como perdem o seu tempo apenas a observar as suas personagens e as relações entre elas. Mas o melhor mesmo em “O Círculo Vermelho” é a longa sequência do assalto onde nenhuma palavra é proferida durante vários minutos, na qual o realizador mostra que domina na perfeição as suas ferramentas e constrói uma fabulosa experiência estritamente visual.

“Cai a Noite Sobre a Cidade” (Un Flic, 1972) marcou o ponto final na carreira de um realizador que nos deixou demasiado cedo, com apenas 55 anos. Ainda assim, é uma maravilhosa despedida com uma nova história sobre um clássico jogo de gato e do rato entre a polícia e os ladrões. Desta vez Alain Delon encontra-se do lado bom da justiça, e investiga um assalto que correu mal. Começando o filme com nova sequência onde as imagens se sobrepõem totalmente às palavras, Melville comprovava definitivamente o seu domínio da linguagem cinematográfica que criou.

Alain Delon e Catherine Deneuve em "Cai a Noite Sobre a Cidade" (Un flic, 1972), de Jean-Pierre Melville

Filmes recomendados:
• “Bob, o Jogador” (Bob Le Flambeur, 1956)
• “Dois Homens em Manhattan” (Deux hommes dans Manhattan, 1959)
• “O Denunciante” (Le doulos, 1963)
• “Um Homem de Confiança” (L’aîné des Ferchaux, 1963)
• “O Segundo Fôlego” (Le deuxième souffle, 1966)
• “O Ofício de Matar” (Le samouraï, 1967)
• “O Círculo Vermelho” (Le cercle rouge, 1970)
• “Cai a Noite Sobre a Cidade” (Un flic, 1972)

“O meu ciclo”, por António Araújo

25 Quarta-feira Out 2017

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Ciclos, Cinema, John Carpenter, Terror

John Carpenter

John Carpenter

por António Araújo
autor do podcast Segundo Take
colaborador da revista Take Cinema Magazine

Depois de terminar “Estrela Negra”, uma comédia negra de ficção-científica que satirizava filmes como “2001 – Odisseia no Espaço” ou “O Cosmonauta Perdido”, John Carpenter foi abordado por um grupo de investidores que lhe ofereceram um orçamento que, apesar de limitado, vinha com carta branca para o projecto que o realizador bem entendesse. Quem conhece Carpenter sabe que este é um fã confesso de westerns, muito particularmente de Howard Hawks. Desta forma, Carpenter decidiu, em homenagem a Hawks, realizar o seu argumento inicialmente intitulado “The Anderson Alamo” que, impossibilitado de ser um verdadeiro western de época dado o orçamento reduzido, era na realidade uma adaptação moderna de “Rio Bravo”. Com o título alterado já em fase de pós-produção em 1976 para “Assault On Precint 13” (em português, “Assalto à 13ª Esquadra”) abriu as portas do seu realizador para o filme de 1978 de terror independente “Halloween – O Regresso do Mal”. Quis o destino que “Halloween” fosse uma obra-prima e o percursor de todo o subgénero de slashers que povoaram os anos 80, encerrando o seu autor na categoria de realizador de filmes de terror. Carpenter bem pode lamentar-se do rumo que a sua carreira tomou, mas dado o seu corpo de trabalho, mesmo com os momentos menos felizes, podemos afirmar que este é um realizador de excepção que nunca teve o reconhecimento generalizado que merece, especialmente no seu país de origem. Nas palavras do próprio: «Em França sou um autor; na Alemanha, um cineasta; no Reino-Unido um realizador de filmes de género; nos EUA um vadio.»

Foi em tenra idade que descobri John Carpenter. A descoberta dos seus filmes reforçou a minha paixão pelo cinema fantástico e apresentou prematuramente a um miúdo impressionável um dos autores que se tornaria num dos favoritos da sua infância cinéfila. Como era possível que tantos filmes fascinantes e assustadores tivessem sido realizados pela mesma pessoa? E, afinal de contas, o que era isto de ser um realizador? Porque tinha John Carpenter direito a ter o seu nome por cima dos títulos nos genéricos dos filmes? É verdade, John Carpenter foi também a primeira instância em que me apercebi do conceito de autor. Toda a gente conhecia Steven Spielberg e George Lucas pelo enorme sucesso dos seus filmes icónicos. Mas aqui estava alguém que fazia filmes adultos de género do qual o seu nome era indissociável. Esta descoberta fez-me compreender que existe um processo artístico por trás dos filmes e a partir daqui a minha sede de conhecimento foi aumentando exponencialmente. A minha forma de olhar o cinema nunca mais seria a mesma.

Ignorando alguns filmes importantes da sua filmografia, falo aqui daqueles que me são mais pessoais, numa escolha que se divide entre os filmes descobertos na televisão, por certo em sessões fora-de-horas espreitando timidamente por cima dos cobertores bem puxados para tapar a cabeça numa falsa sensação de segurança, e os filmes vistos no cinema, incluindo algumas das suas experiências à margem do terror.

A paixão cinéfila, quando apareceu, veio acompanhada de um impulso colecionista que cedo se traduziu em recortar todos os cartazes de filmes que apanhava em jornais — a preto-e-branco, portanto — colando-os sistematicamente em cadernos para a posteridade. Um dos mais intrigantes era “O Nevoeiro” (The Fog, 1980), com uma mulher em pânico a tentar forçar o fecho de uma porta de onde saía uma mão assustadora. Quando finalmente vi o filme descobri o poder subtil da sugestão nesta história de fantasmas que materializa os piores pesadelos dos contos e fábulas contados em acampamentos à volta de uma fogueira. Utilizando o isolamento com mestria, elemento recorrente na sua obra, constrói com a ajuda da fotografia de Dean Cundey — que já havia fotografado “Halloween” — uma pequena pérola subvalorizada do gótico americano. Pelo caminho junta a heroína do seu filme anterior, Jamie Lee Curtis, com a sua mãe, Janet Leigh, homenageando no processo este ícone do cinema do terror imortalizado por “Psico”, de Alfred Hithcock.

Com “Veio do Outro Mundo” (The Thing, 1982) Carpenter subverte o template clássico do filme de cowboys encurralados ao transpor uma ameaça inicialmente externa para o seio do grupo onde qualquer um pode ser o inimigo mortífero disfarçado, conseguindo um feito raro: o equilíbrio perfeito entre a tensão, a desconfiança e o terror sugerido com o horror gráfico absolutamente grotesco. Os efeitos especiais práticos são de outra era, mas mantêm a vitalidade e, a cada minuto que passa, corremos o risco de assistir a transformações cada vez mais inesperadas e violentas. O argumento de Bill Lancaster é exímio na economia e eficiência da caracterização das personagens e da progressão da acção. Na fronteira da caricatura e do estereótipo, cada personagem é, no entanto, distinta e provida de personalidade própria. Conseguimos perceber quem é quem e, da mesma forma, a gestão espacial permite-nos saber onde estamos a cada momento, com o mistério de quem poderá estar, ou não, infectado a ser claramente e consistentemente gerido pelos autores. “Veio do Outro Mundo” foi um fracasso de bilheteira quando estreou, claramente violento demais para um público que tinha acabado de conhecer o simpático extraterrestre de Steven Spielberg, mas o tempo fez justiça a este filme superior e é, hoje em dia, invariavelmente apontado como uma das obras maiores do seu autor.

Uma das primeiras recordações que tenho de “Christine: O Carro Assassino” (Christine, 1983) é a de ver o seu trailer em cassetes VHS de aluguer. Em conjunto com o trailer para “Alien – O Oitavo Passageiro”, de Ridley Scott, era o mais próximo de um pesadelo que já tinha visto, prometendo uma história fantástica de um automóvel inexplicavelmente senciente e vingativo. Especialmente perturbante era a sensação de implacabilidade e perseverança das investidas do automóvel clássico Plymouth Fury de 1958, para não falar da sua aparente indestrutibilidade. A precisão da adaptação de Carpenter de um conto de Stephen King teve dois efeitos: o primeiro foi dar a conhecer os elementos típicos de uma narrativa deste autor de terror como a nostalgia pelos anos 50, a preferência por personagens principais tímidas e/ou vítimas de abusos ou o elemento sobrenatural, felizmente deixado por explicar: o segundo foi ter elevado a fasquia das adaptações cinematográficas de livros do Stephen King, deixando muitos títulos envergonhados por comparação.

“Starman – O Homem das Estrelas” estreou em Dezembro de 1984, chegando a Portugal em Junho do ano seguinte. Contrariando as expectativas que envolviam um novo filme de John Carpenter, é um filme de ficção-científica, mas também um road movie com elementos dramáticos e de romance. Vi-o no desaparecido cinema Miramar em Cascais na sua exibição original, alheio a qualquer tipo de expectativa dados os meus oito anos de idade na altura. Carpenter, autoproclamado pessimista, revela aqui um lado optimista e positivo. Uma das várias cenas mágicas do filme vê Jeff Bridges — num dos momentos definidores da sua carreira — ressuscitar um veado naquele que é o ponto de viragem para a sua relutante companheira de viagem Jenny, em tentativa de fuga até então — uma interpretação convincente de Karen Allen exprimindo subtilmente uma mistura de vulnerabilidade, coragem, inteligência e paixão. A disponibilidade e a abertura emocional que revelam daqui para a frente tornam o romance entre os dois verosímil e adulto, nunca resvalando para o sentimentalismo fácil ou gratuito. Apesar do relativo sucesso de Starman e do reconhecimento da qualidade da interpretação de Jeff Bridges, nomeado para o Óscar de Melhor Actor, Carpenter foi acusado de se ter vendido ao fazer uma obra romântica.

“As Aventuras de Jack Burton Nas Garras do Mandarim” é o título em português inexplicavelmente longo de “Big Trouble in Little China” (1985). Vi-o no cinema, presumo que algures entre 1986 e 1987, e fiquei fascinado — especialmente pela sugestão de um submundo de magia que se esconde nos subterrâneos por baixo dos nossos pés. Durante anos, vivi na ilusão que este filme de exceção era unanimemente acarinhado. Até ao dia em que, com grande surpresa, leio algures que tinha sido um flop de bilheteira e que não era considerado como um dos melhores momentos de John Carpenter. Mais um caso de incompreensão da obra do autor: Kurt Russel é hilariante na desconstrução do herói confiante e autocentrado que o próprio, em conjunto com o realizador, tinha celebrizado com o Snake Plissken de “Nova Iorque, 1997” (Escape From New York, 1981) ou R. J. MacReady de “Veio do Outro Mundo” (The Thing, 1982). Em retrospectiva, percebi também que este foi o primeiro filme de John Carpenter após a aclamação com o mais sério e dramático “Starman: O Homem das Estrelas” e o último deste, na altura, para um grande estúdio, desiludido com os resultados e com a experiência. Em retrospectiva, nada disto me parece dramático pois logo de seguida fomos brindados com os filmes de menor orçamento, mas não menos impacto, “O Príncipe das Trevas” (Prince of Darkness, 1987) e “Eles Vivem” (They Live, 1988).

“Eles Vivem” (They Live, 1988) foi o primeiro filme que vi sozinho no cinema, em 1989. Tinha doze anos, tempo para matar e dinheiro da mesada no bolso. Foi com uma enorme sensação de libertação e emancipação que entrei no saudoso cinema Oxford em Cascais para ver um filme adulto e supostamente inacessível para uma criança da minha idade. A falta de controlo no acesso aos cinemas no nosso país apenas serviu para empolar o meu gosto por uma cinefilia de transgressão que reconheci nesta obra satírica de Carpenter, resultado da sua reação ao Reaganismo e ao florescer de uma sociedade materialista e de consumo na década de 80. O inimigo já está no meio de nós e apenas o uso de uns óculos especiais nos permite ver a verdade: estamos rodeados por alienígenas que ocupam lugares de poder e governação e, desde a televisão até às revistas e reclamos publicitários, tudo serve para nos controlar e subjugar subliminarmente. O futuro da humanidade encontra-se, então, nas mãos de Nada, o ex-wrestler Roddy Piper. “Eles Vivem” é um verdadeiro filme de culto. Dificilmente aparece em listas dos melhores ou é mencionado em retrospectivas. Porém considero-o imprescindível para quem tenha algum interesse, mesmo que passageiro, na filmografia de John Carpenter.

Filmes escolhidos:
– vistos em casa:
• “O Nevoeiro” (The Fog, 1980)
• “Veio do Outro Mundo” (The Thing, 1982)
• “Christine: O Carro Assassino” (Christine, 1983)
– vistos no cinema:
• “Starman – O Homem das Estrelas” (Starman, 1984)
• “As Aventuras de Jack Burton Nas Garras do Mandarim” (Big Trouble in Little China, 1985)
• “Eles Vivem” (They Live, 1988)

“O meu ciclo”, por Hugo Gomes

04 Quinta-feira Jul 2013

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Billy Wilder, Ciclos, Cinema

O meu ciclo - Hugo Gomes

Billy wilder

por Hugo Gomes
autor do blog Cinematograficamente Falando

Quando referimos o cinema clássico de Hollywood, dificilmente deixaremos de lado o realizador e argumentista Billy Wilder, o qual o próprio autor Woody Allen aclama como “inspiração”.

Nascido na Polónia em 1906, na localidade de Galícia, Samuel Wilder tinha como original ambição ser advogado, mas após a sua mudança para Viena torna-se jornalista de uma tablóide alemã. Desde então entrou no ramo do cinema como guionista. Devido à ascensão de Hitler e do regime nazista, Wilder não teve outra opção do que emigrar para os EUA, um país do qual desconhecia a língua, mas que conseguiu “dominá-la” em pouco tempo.

Adquirindo o nome artístico de Billy Wilder, o autor consegue por fim integrar-se na indústria do cinema norte-americano com a ajuda do seu amigo e actor Peter Lorre, e em conjunto com Charles Brackett começou a escrever argumentos de diversos clássicos como Ninotchka (1939) com Greta Garbo no principal papel.

Só em 1942 é que começou a dirigir os seus primeiros filmes, enquanto o seu anterior parceiro da escrita, Brackett seguiu como produtor dessas mesmas obras, uma parceria que durou até 1950 com Sunset Boulevard a vencer o Óscar de Melhor Argumento Original. Depois disso o cineasta continuou na indústria cinematográfica, realizando, escrevendo e produzindo os seus próprios projectos.

"Double Indemnity" (1940)

Símbolo de ousadia de uma Hollywood ainda inocente e preservadora dos bons valores morais, Billy Wilder explorou os diversos géneros cinematográficos desde o film noir até ao drama, com evidente tendência para a comédia romântica o qual definiu variados parâmetros e lugares-comuns que ainda hoje são difíceis de contornar. Fascinado por personagens ambíguas e “estrelas caídas”, Wilder é também caracterizado pelo ligeiro tom de perversidade que concentra nas suas obras, culminando por vezes como foi o caso do curioso Kiss Me, Stupid, reacções iradas da Liga Católico-Romana da Decência. O último filme do autor foi Buddy Buddy (Amigos da Onça em português), um divertido trabalho com uma das suas duplas predilectas Jack Lemmon e Walter Mathau. Billy Wilder morreu em 2002, no dia 27 de Março, tinha 95 anos.

Neste ciclo iremos acompanhar as sete obras incontornáveis da carreira de Billy Wilder, a começar por Double Indemnity em 1944, um film noir que preserva todos os ingredientes possíveis e imaginários do subgénero, “plus” o talento e criatividade de Wilder e o seu parceiro Charles Brackett.

De seguida paramos em 1950 com o final dessa cooperação. Sunset Boulevard é a obra-prima mais badalada do autor, um ácido e nada ingénuo retrato de uma Hollywood cruel para com as suas memórias e património. Uma diva do cinema mudo (Gloria Swanson), isolada na sua luxuosa mansão que vive um amor obsessivo por um fracassado e oportunista argumentista (William Holden). O desfecho deste filme de contornos noir é icónico e fantasmagoricamente eternizado.

"The Seven Year Itch" (1955)

Depois segue-se The Seven Year Itch (1955), o primeiro trabalho com a actriz Marilyn Monroe, naquele que foi um dos papéis mais elogiados da sua carreira. Quem não se lembra da sequência do ventilador, que em combinação com o vestido branco de Monroe origina uma das (se não a) imagens de marca do realizador, contudo este foi um dos poucos filmes que não escreveu.

Passados quatro anos surge um dos maiores êxitos do seu trabalho, Some Like it Hot (1959), icónica comédia romântica, entre as melhores do género sem dúvida, que evidencia o regresso de Wilder e a Marilyn Monroe em outro desempenho divertido. A fita também contou com os desempenhos de Tony Curtis e Jack Lemmon.

Este último protagoniza The Apartment (1960), um filme altamente criativo sobre um homem que alugou um apartamento mas sob diversas circunstâncias não consegue usufruir dele.

Vencedor o Óscar de Melhor Filme. Em 1974, o bem-sucedido The Front Page, um dos melhores filmes da dupla maravilha Jack Lemmon e Walter Mathau e por fim o pessoal Fedora (1978), descrito pelo próprio Billy Wilder como uma sequela não oficial de Sunset Boulevard, a continuação do desprezo de Hollywood pelas suas antigas estrelas e as crónicas de uma actriz em pura decadência, conta com excelentes prestações de William Holden e Marthe Keller.

"The Front Page" (1974)

Filmes aconselhados:

  • “Pagos a Dobrar” (Double Indemnity, 1944)
  • “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)
  • “O Pecado Mora ao Lado” (The Seven Year Itch, 1955)
  • “Quanto Mais Quente Melhor” (Some Like It Hot!, 1959)
  • “O Apartamento” (The Apartment, 1960)
  • “Primeira Página” (The Front Page, 1974)
  • “O Segredo de Fedora” (Fedora, 1978)
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