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Introdução
Teria eu uns 12 ou 13 anos, quando me apercebi de que, para além dos actores, e do género a que um filme pertencia, havia algo mais que podia ajudar a defini-lo e marcar-lhe o rumo e o estilo. Era essa figura cujo nome aparecia sempre no final, o “Realizador”. Apercebi-me disso, não mo terem dito, mas porque comecei a apreciar os filmes de um tal Alfred Hitchcock. Eram diferentes, e para mim tinham um toque pessoal que transcendia a presença destes ou daqueles intérpretes.
Para mim, desde então, Alfred Hitchcock tornou-se sempre “o realizador”, um autor de pleno direito, que encarnou a ideia de que um filme pode nascer e concretizar-se a partir da mente de uma pessoa criativa, que dirige o seu rumo com rédeas curtas.
Por essa obra, de elevado valor, de enorme concisão e coerência, e de um estilo inconfundível, tornei-me fã, e presto-lhe aqui a minha homenagem, percorrendo 52 dos seus filmes para cinema.
Nota: De fora ficarão apenas algumas curtas-metragens, a versão alemã de um filme inglês, alguns segmentos para antalogias e filmes perdidos, ou que não lhe foram creditados.
Biografia
Nascido em 13 de Agosto de 1899 em Leytonstone (perto de Londres), Alfred Joseph Hitchcock, foi o segundo filho de William e Emma Jane Hitchcock, um casal inglês de classe média baixa. Da sua educação contava ter sido extremamente rigorosa e inflexível (tendo por exemplo sido enviado por cinco minutos para a prisão pelo pai, com apenas 5 anos, por castigo). De família católica, Alfred Hitchcok fez a sua educação escolar em colégios católicos.
Destas experiências ficou-lhe o medo da autoridade e da injustiça, bem como o papel da culpa como castradora, numa mentalidade por ela aprisionada, viriam a ser temas recorrentes na obra do realizador.
Com a morte do pai, quando Alfred tinha apenas 15 anos, deixou o colégio e dirigiu-se a Londres onde estudou desenho na Universidade de Londres, e começou a trabalhar na Companhia Telegráfica Henley, onde desenhava projectos e publicidade. Aí assistiu ao início da Primeira Guerra Mundial. A obesidade que antes o tinha privado de uma infância sociável, afastou-o da guerra, embora se tenha voluntariado e participado em exercícios teóricos.
Ainda na Henley, Hitchcock começou a escrver e publicar pequenos contos, nos quais se destacava já o gosto em manipular o leitor, baralhando-o com reviravoltas finais que alteravam toda a percepção da narrativa. Aos poucos aventurava-se também em dar contornos macabros às suas histórias, por vezes com conotações sexuais, algo que marcaria toda a sua carreira no cinema.
O seu interesse por fotografia levou-o a trabalhar para a recém-formada Islington Studios (sucursal da americana Famous Players-Lasky, percursora da Paramount Pictures). Começou em 1920 como desenhador de intertítulos. Daí passou para cenógrafo e director artístico, e depois argumentista, em filmes de Graham Cutts. O seu primeiro filme surgiria em 1925.
Foi no cinema que Alfred conheceu Alma Reville, que colaborava na sua escrita de argumentos e foi sua assistente de realização. Viriam a casar em 1926. Alma foi sempre uma presença na obra de Hitchchock, preferindo no entanto o anonimato, mas tornando-se o seu principal apoio na escrita e revisão de argumentos e projectos. Em 1928 o casal teria a sua única filha, Patrícia, a qual viria a participar mais tarde nalguns filmes do pai.
A família Hitchcok mudar-se-ia para os Estados Unidos da América, no final de 1939, e no ano seguinte, em virtude do seu suceso comercial, Alfred compraria o Cornwall Ranch em Scotts Valley (Santa Cruz Mountains), onde se instalaria até ao final da sua vida. A nacionalidade americana chegaria em 1955.
Após o sucesso no cinema seguiu-se a televisão, onde marcava presença na célebre série “Alfred Hitchcock Apresenta”, com a sua figura inconfundível, e humor negro desconcertante. Através da sua série, de aparições nos seus filmes, e das entrevistas em que revelava a sua faceta de frio gentleman de humor finíssimo, Hitchcock tornou-se um ícone durante décadas, que ultrapassava mesmo o seu papel de realizador.
Alfred Hitchcock faleceu na sua casa em Bel Air, em Abril de 1980, no mesmo ano em que foi agraciado com o grau de cavaleio pela rainha inglesa Elizabeth II. Sem nunca ter recebido o Oscar de Melhor Realizador (foi nomeado cinco vezes), Hitchcock veria a Academia homenageá-lo em 1968 com o honorário prémio Irving Thalberg Award.
O início no cinema
Em 1924 Hitchcock viajava para a Alemanha, para trabalhar no filme alemão “The Blackguard” (Die Prinzessin und der Geiger, 1925), realizado por Graham Cutts. Foi aí que teve contacto com o Expressionismo Alemão de F. W. Murnau e Fritz Lang, que o marcariam profundamente.
Ainda na Alemanha, foi nos estúdios da UFA que Hitchcock realizou, para a Gainsborough Pictures, a sua primeira longa-metragem “The Pleasure Garden” (1925). O filme foi um fiasco comercial. Entretanto perdiam-se para sempre o seu filme seguinte, “The Mountain Eagle” (1926), e os excertos da cancelada produção “Number 13” (1923).
Em 1927 estreava “O Hóspede” (The Lodger: A Story of the London Fog, 1927), o segundo filme de Hitchcock e o seu primeiro sucesso comercial. O seu estilo começava a definir-se, e começava também a sua longa colaboração com a esposa Alma Reville, envolvida em muitos dos seus filmes, embora nem sempre creditada.
O cinema sonoro
Em 1929, a meio da produção de “Chantagem” (Blackmail, 1929), a British International Pictures (BIP), para quem trabalhava, decidiu que o filme deveria ser sonoro. Sabe-se hoje a opinião de Hitchcock, que disse que quando o cinema se começava a aperfeiçoar, o advento do sonoro foi um tremendo passo atrás, já que as pessoas passaram a preferir ouvir os actores falar, esquecendo-se de que o cinema é um história contada por imagens. Essa preocupação ficou patente na sua obra, marcada por longas sequências sem palavras.
Ainda assim, Hitchcock entrava para a história como autor do primeiro “talkie” inglês, e o filme foi mesmo um enorme sucesso. Seguiram-se alguns outros filmes menores, e mesmo alguns trabalhos de direcção de segmentos de revistas filmadas para a BIP.
Foi nos anos 1930 que a fama de Alfred Hitchcock disparou, em particular com thrillers criminais e histórias de espionagem como por exemplo “O Homem que Sabia Demasiado” (The Man Who Knew Too Much, 1934), e “Os 39 Degraus” (The 39 Steps, 1935) e “A Desaparecida” (The Lady Vanishes, 1938), todos para a Gaumont-British Picture Corporation. Surge por esta altura o famoso conceito “MacGuffin”, isto é o objecto do interesse que move os personagens, e que nunca nos é revelado, não sendo a sua qualidade importante para o desenrolar da história.
Entretanto a fama de Hitchcock atravessava já o Atlântico, e o produtor David O. Selznick assinou em 1939 um contrato de sete anos com o realizador inglês, levando-o a trabalhar em Hollywood.
Hitchcock em Hollywood
Nos Estados Unidos vivia-se o studio system, onde o produtor era rei, e Hitchcock viria a lamentar as ingerências de Selznick nos seus filmes. No entanto Selznick fazia poucos filmes por ano, preferindo alugar os serviços de Hitchcock a outros estúdios. Ainda assim, a chegada de Hitchcock à América, e ao trabalho com Selznick, foi marcada pelo êxito imediato, na forma do seu primeiro filme, “Rebecca” (1940), em que contracenavam Laurence Olivier e Joan Fontaine. O filme seria premiado com o Oscar de Melhor Filme, no entanto Hitchcock perderia a estatueta de melhor realizador para John Ford com “As Vinhas da Ira” (The Grapes of Wrath, 1940). Seguir-se-iam trabalhos para a RKO, a Warner Bros e a Paramount.
Nos seus filmes, Hitchcock experimentava com diferentes géneros, nem sempre por sua escolha. Surge assim o filme de apoio ao esforço de guerra “Correspondente de Guerra” (Foreign Correspondent, 1940); a comédia romântica “O Sr. e a Sra. Smith” (Mr. & Mrs. Smith, 1941); o noir psicológico “Mentira” (Shadow of a Doubt, 1943), que Hitchcock mais tarde nomearia como o seu filme preferido de quantos realizou, o drama de tribunal “O Caso Paradine” (The Paradine Case, 1947).
Anos 50: O thriller e os actores fetiche
Seria o thriller de espionagem a voltar a premiar Hitchcock, com “Suspeita” (Suspicion, 1941), primeiro filme com um dos seus actores preferidos, Cary Grant, e que valeu o Oscar de Melhor actriz a Joan Fontaine. Seria esse mesmo género aquele que tornaria Hitchcock mais conhecido nos anos seguintes.
Tão distintos como as suas tramas sinuosas de desvios psicológicos e reviravoltas dramáticas começcavam a ser os seus actores. No início dos anos 1940 privilegiava Ingrid Bergman, no papel da inocente e bondosa loura, que consegue sempre uma inesperada reserva de força. No papel masculino o gentelman de tiques britânicos, como é o caso de Cary Grant. Juntos ou separados, protagonizaram êxitos como o já citado “Suspeita” (Suspicion, 1941), mas também “A Casa Encantada” (Spellbound, 1945), “Difamação” (Notorious, 1946) e “Sob o Signo do Capricórnio” (Under Capricorn, 1949).
A figura da loura fria e distante, com um secreto vulcão dentro de si, seria aliás uma das imagens mais perseguidas por Hitchcock, e tentada em actrizes tão díspares como Kim Novak, Doris Day, Marlene Dietrich, Tippi Hedren, Vera Miles, e claro, Grace Kelly, a heroína de Hitchcock nos filmes dos anos 1950: “Chamada para a Morte” (Dial M for Murder, 1954), “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954) e “Ladrão de Casaca” (To Catch a Thief, 1955).
Mas Hitchcock inovava também na técnica e nos desafios que se auto-propunha. Se já antes surpreendera ao filmar todo um filme num cenário limitado, “Um Barco e Nove Destinos” (Lifeboat, 1944), no seu primeiro filme a cores “A Corda” (Rope, 1948), filmava todo o filme em apenas dez takes, disfarçando os cortes como se todo o filme fosse uma única take. Seguiu-se a entrada no widescreen e uso de 3D com “Chamada para a Morte” (Dial M for Murder, 1954). Mais tarde criaria o chamado “Hitchcock Zoom,” ou “Vertigo Effect”, que ainda hoje alguns realizadores usam.
Os anos 50 são para Hitchcock os anos do seu maior successo. A par da já citada Grace Kelly voltava Cary Grant em: “Ladrão de Casaca” (To Catch a Thief, 1955) e “Intriga Internacional” (North by Northwest, 1959), enquanto no rol de papéis masculinos, se juntava a figura de James Stewart, como o bem intencionado homem que todos conhecemos, e que se deixa arrastar para uma história maior que ele, um pouco à imagem das regras do Film Noir. São os casos de: “A Corda” (Rope, 1948); “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954); “O Homem que Sabia Demais” (The Man Who Knew Too Much 1956), único remake de Hitchcock de um seu filme anterior; e “A Mulher que Viveu duas Vezes” (Vertigo, 1958). Em comum a ênfase em histórias de crime, mistério e espionagem.
Anos 60: O estrelato
Após a produção de “A Mulher que Viveu duas Vezes” (Vertigo, 1958), filme que em 2013 foi considerado o melhor da história do cinema, mas que na altura recebeu críticas negativas, Hitchcock, então também uma figura icónica na televisão, lançou-se no seu mais arriscado projecto, realizar um filme de terror, repleto de cenas sangrentas, e a preto e branco. Para tal teve de investir seu próprio dinheiro, e o resultado foi “Psico” (Psycho, 1960), que inauguraria uma nova era no cinema de horror. “Psico” tornar-se-ia mesmo o seu filme mais lucrativo, e aquele que mais facilmente os amantes de cinema reconhecem como de Hitchcock. O filme teve uma série de sequelas, sem a participação de Hitchcock, e é para muitos o primeiro exemplo do sub-género slasher, que se tornaria popular nos anos 80.
O pedido de mais emoções fortes levou Hitchcock a realizar “Os Pássaros” (The Birds, 1963) e “Marnie” (Marnie, 1964), ambos com Tippi Hedren. O segundo falhou as espectativas, deixando Hitchcock nas mãos da Universal que impôs os seus filmes seguintes. Destacavam-se por esta altura as bandas sonoras de Bernard Herrmann, cujas obras estão para sempre ligadas a Hitchcock, e são uma influência sobre tantos compositores que se seguiram.
A doença e a fase final da carreira
Por motivos de doença o ritmo de produção de Hitchcock começava a decair a meio dos anos 60. Estes são marcados por temas relacionados com a Guerra Fria (sabendo-se que Hitchcock preferia temas sem directa conexão com a política actual), e com actores impostos de fora. Surgem assim os filmes de espionagem “Cortina Rasgada” (Torn Curtain, 1966) e “Topázio” (Topaz, 1969).
Após o thriller negro filmado na Inglaterra “Perigo na Noite” (Frenzy, 1972), reminiscente de alguns dos seus filmes iniciais, Hitchcock realizaria o seu último filme, a comédia criminal “Intriga em Família” (Family Plot, 1976).
O último projecto de Hitchcock para o cinema não seria produzido, devido à perda de saúde e posterior morte do autor, mas seria mais tarde editado em livro: “The Short Night”.
Influência
Alfred Hitchcock, é ainda hoje um dos mais icónicos e facilmente reconhecíveis realizadores de cinema. A sua abordagem aos enredos, e o gosto pela descoberta de novas soluções cinematográficas, fizeram dele um inovador, e influência sobre todos os que se lhe seguiram.
Dele ficaram-nos a forma de manipular o espectador, o seu humor negro, os tons psicológicos e conotações sexuais por detrás dos seus personagens, e os finais de resolução inesperada. Ficaram também o gosto pelo choque, pela violência e macabro. Ficaram ainda novas técnicas como o modo como movia a câmara fazendo do espectador um voyeur, o uso dos planos para criar emoção, o seu controlo da montagem, o zoom, e tantos outros detalhes ainda hoje estudados pelos realizadores actuais.
Por estas razões, a geração francesa dos Cahiers du Cinema adoptou-o como um exemplo de verdadeiro autor no cinema americano. Sendo para muita alguns o melhor realizador de todos os tempos, é consensual que nada nos filmes de espionagem, crime ou terror seria o mesmo sem os ensinamentos daquele que ficou comnhecido como o Mestre do Suspense.
Bibliografia consultada
- DA COSTA, João B., LOPES, João, COSTA, José M. – Alfred Hitchcock: As Folhas da Cinemateca. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1994.
- TRUFFAUT, François – Hitchcock: Diálogo com Truffaut. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.
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