Longas-metragens da comédia muda

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Introdução

Keystone CopsDesde que me lembro de ver filmes na televisão que a imagem do burlesco tão característico das primeiras comédias de Hollywood é para mim uma referência incontornável. Quem não se deixou já fascinar com aquele humor visceral, inocente, caótico, surreal, acelerado, de heróis trapalhões, mas também figuras ímpares, como Chaplin, Keaton ou Lloyd?

Se o humor começou em curtas-metragens mudas de uma ou duas bobinas, homenageia-se aqui o salto seguinte, para longas-metragens, com maiores pretensões artísticas, que ajudariam a imortalizar aqueles que foram os primeiros génios da comédia filmada.

São essas longas-metragens da comédia muda, parte fundamental da génese do cinema mundial, do período formativo dos grandes estúdios, e do nascimento de Hollywood, que se tentará ilustrar, tanto nas linhas seguintes, como nas restantes páginas deste ciclo.

Nota: Dada a dificuldade em encontrar todos os filmes necessários, o ciclo centrar-se-se-á nas longas-metragens possíveis de encontrar de alguns dos comediantes principais dos anos 1910 e 1920.

 

Mack Sennett

Mack SennettNascido no Canadá sob o nome Michael Sinnott, filho de pais irlandeses, Sennett tornou-se artista de palco ainda adolescente. Iniciou-se no cinema na Biograph em 1908, em Nova Iorque, na equipa de D.W. Griffith, e onde passou de figurante a protagonista, passando depois a escrever e realizar alguns filmes.

Depois de chegar a director e encenador naquela companhia, o grande salto na sua carreira deu-se em 1912, quando, levando consigo dois dos seus principais actores (Mabel Normand e Ford Sterling), Sennett rumou à Califórnia para fundar a Keystone Studios, produtora que ficaria para a história como sinónimo do burlesco da década de 1910.

A Keystone tornou-se um sucesso incomparável no cinema cómico vindo de Hollywood, com o seu humor caótico, de ritmo acelerado e situações quase surreais, de perseguições de automóvel, protagonistas desastrados, guerras de tartes e tantas outros expedientes que se tornaram icónicos na comédia burlesca ou slapstick.

Para a história ficaram os Keystone Cops (troupe de composição variável por onde passaram muitos comediantes famosos dos anos seguintes), Mabel Normand (a primeira grande estrela de Sennett), Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle, Charles Chaplin, Harold Lloyd, Ford Sterling, Chester Conklin, Louise Fazenda, Edgar Kennedy, Mack Swain e muitos outros. Outras inovações de Sennett foram as Kid Comedies (onde os papéis pricipais partenciam a crianças) e as Bathing Beauties (mulheres em bikinis provocantes), por onde passaram futuras estrelas como Gloria Swanson e Carole Lombard.

Em 1915, Mack Sennett uniu-se a D.W. Griffith e Thomas Ince para fundar a distribuidora Triangle Film Corporation, mas o passo traria problemas, levando a que, em 1917, Sennett abandonasse a Keystone. Fundou então a Mack Sennett Comedies Corporation, que seria distribuída, primeiro pela First National e depois pela Pathé Exchange. Os anos seguintes foram anos em que tentou recuperar a glória dos primeiros tempos, com uma nova colecção de actores que incluía Billy Bevan, Charlie Murray, Harry Langdon e Ben Turpin, além da sua anterior companheira Mabel Normand, que depois de trabalhar com Samuel Goldwyn voltaria a trabalhar para Sennett.

Sob o peso das “majors”, Sennett procurou parceria com a Paramount Pictures, onde esteve na transição para o sonoro, continuando a fazer alguns filmes de sucesso, ajudando a lançar as carreiras de actores como W. C. Fields e Bing Crosby. Receberia mesmo uma nomeação para os Oscars em 1932, mas o seu brilho apagar-se-ia ao longo dos anos 30, principalmente quando o crash da bolsa de 1929 o deixou falido.

 

Hal Roach (1892-1992)

Hal RoachHarold Eugene Roach, Sr. Nasceu no estado de Nova Iorque, mas o seu espírito de aventura levou-o a viajar desde cedo. Passou pela corrida ao ouro no Alasca, tendo chegado à Califórnia em 1912, onde começou a trabalhar como figurante em filmes, principalmente westerns onde era pago 1 dólar por dia.

Uma herança trouxe-lhe, em 1914, os meios necessários para iniciar a sua própria produtora, os Hal Roach Studios, que se tornaram uma marca de prestígio na curtas-metragens de comédia, e para a qual contratou desde logo o seu amigo Harold Lloyd como estrela principal.

Foi com Harold Lloyd, para quem definiu o personagem “Lonesome Luke” (inspirado em Chaplin) a partir de 1915, e em 1917 o popular personagem “Glasses”, que Roach conseguiu o seu maior sucesso, o que o fez entrar nos anos 1920, como o maior rival de Mack Sennett no campo da comédia burlesca. Pelos Hal Roach Studios passavam então Our Gang Kids (uma troupe de crianças-actores), Charley Chase (principal estreka de Roach depois da saída de Lloyd em 1924) e Harry Langdon, bem como realizadores como Leo McCarey e Fred Newmeyer.

Em 1927, ao juntar Stan Laurel e Oliver Hardy, Hal Roach criou a mais popular dupla do humor burlesco americano, “Laurel & Hardy” (Bucha e Estica). Na mesma data Roach deixou a Pathé Exchange, que até então o distribuira, passando a trabalhar para a Metro-Goldwyn-Mayer. Em 1929 Roach passou a produzir curtas-metragens sonoras, e em 1931, com o lançamento da longa-metragem de Laurel & Hardy, “Pardon Us”, Roach começou a dedicar-se a este formato.

No entanto o seu brilho estava agora dependente da dupla que criou, e após o falhanço de um empreendimento com Vittorio Mussolini em 1937, Hal Roach deixou a comédia, e embarcou numa série de projectos de menor sucesso. Depois da guerra, Hal Roach dedicou-se esencialmente a televisão, tendo produzido inúmeras séries de sucesso nos anos 1950 e 1960, tendo continuado a actividade de distribuidor durante mais algumas décadas.

 

Mabel Normand (1892-1930)

Mabel NormandMabel Ethelreid Normand foi uma das primeiras estrelas do cinema americano, e um dos rostos mais conhecidos dos Keystone Studios e da Mack Sennett Comedies, para as quais interpretaria, escreveria e/ou realizaria dezenas de filmes entre curtas e longas-metragens.

Anterior modelo e campeã de natação, Mabel Normand começou a carreira no cinema em Nova Iorque, pela mão de D. W. Griffith, em 1911. Este trabalhava então na Biograph Company ao lado de Mack Sennett, com quem Normand iniciou uma relação romântica. Quando Sennett se estabeleceu como produtor na Califórnia, a actriz acompanhou-o, lançando-se na comédia burlesca, quando ele fundou a Keystone Studios.

Cedo Normand se tornou o nome maior dos Keystone Studios, tendo ajudado a lançar a carreira de futuras estrelas como Charles Chaplin (de quem foi mentora em 1914) e Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle. Seria com Chaplin que Normand faria aquela que foi a primeira longa-metragem de comédia “Tillie’s Punctured Romance” (1914), com realização do próprio Sennett.

Finda a relação com Mack Sennett em 1918, Normand assinou contrato com Samuel Goldwyn, para o qual protagonizou cerca de duas dezenas de filmes, mas sem o brilho das suas produções anteriores, até voltar a reunir-se com Mack Sennett em 1920.

A sua carreira declinou em virtude de prolongadas crises de tuberculose e um escândalo criminal envolvendo o seu motorista. Normand assinaria ainda com Hal Roach em 1926, tendo participado alguns filmes deste produtor. Morreu com apenas 37 anos vítima de doença prolongada. Participou em 230 filmes, realizando 16 deles, mas no total sobrevivem apenas menos de metade.

 

Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle (1887-1933)

Roscoe 'Fatty' ArbuckleRoscoe Conkling Arbuckle nasceu no Kansas, tendo começado a carreira no cinema em 1910, na Selig Polyscope Company, de Chicago. Mas foi em 1912, quando se mudou para a Keystone, que Arbuckle se tornou um dos muitos actores a atingir projecção nas comédias de Mack Sennett, onde se iniciou nos Keystone Cops para se vir a tornar num dos mais famosos actores de Hollywood. Na Keystone Studios Arbuckle trabalhou com Mabel Normand (com quem teve uma parceria duradoura na tela) e Charles Chaplin. O seu impressionante porte físico contrastava com a leveza dos seus movimentos com enorme efeito cómico.

Depois de deixar Mack Sennett, Roscoe Arbuckle fundaria a sua própria companhia, a Comique, e foi nela que, encontrando Buster Keaton, iniciaria uma célebre parceria com este actor, lançando a sua carreira. Esta dupla duraria entre 1917 e 1920, com Arbuckle a assinar depois pela Paramount (então Famous Players-Lasky Corporation) onde interpretaria as suas primeiras longas-metragens entre 1920 e 1921.

Entre 1921 e 1922 Arbuckle viu a sua vida privada ser objecto de escrutínio público, quando uma acusação de violação o levou à barra do tribunal. Embora inocentado, a sua carreira não seria mais a mesma e os seus filmes foram banidos. Tal levou-o a passar à realização sob o pseudónimo de William Goodrich.

Quando, em 1933, assinava contrato com a Warner Bros. para voltar a representar, Roscoe Arbuckle morreu no sono, de ataque cardíaco. Tinha apenas 46 anos.

 

Charles Chaplin (1889-1977)

Charles ChaplinNascido na Inglaterra, no seio de uma família muito pobre, Charles Spencer Chaplin familiarizou-se com o mundo dos palcos desde a adolescência, cantando, dançando e representando em music-halls e teatro. Após integrar a companhia de teatro de Fred Karno, Chaplin começou a viajar, tendo chamado a atenção na Califórnia onde foi convidado a representar em cinema para a Keystone de Mack Sennett, em 1914.

No início como parceiro de Mabel Normand (que serviu como sua mentora e o dirigiu nalguns filmes), cedo Chaplin começou a escrever os seus argumentos, e a realizar curtas-metragens. Definida ficava ainda na Keystone o seu personagem “the tramp” (vagabundo, ou em Portugal conhecido como “Charlot”), misto de desajustamento, consciência social, irreverência e rebeldia, de toque humano e imaginativo.

A imaginação com que tratava os temas distiguia-o de todos os outros comediantes do seu tempo, fazendo dele um enorme sucesso comercial que o tornou cobiçado por todas as produtoras. Assim, depois de 36 filmes para Mack Sennett (incluíndo a longa-metragem “Tillie’s Punctured Romance”), Chaplin saiu para a Essanay de Chicago, procurando maior controlo sobre o seu material, no que resultaram 14 curtas-metragens todas em 1915. Seguiram-se 12 curtas-metragens na Mutual, entre 1916 e 1917, que o tornaram o mais bem pago artista do mundo, num momento quem que Chaplin mostrava mais cuidado com a elaboração dos seus filmes.

Após 1917, Chaplin começou a produzir os seus próprios filmes na sua Charles Chaplin Productions, primeiro distribuídos pela First National, e depois pela companhia que o próprio fundou em 1819 com Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D. W. Griffith, a United Artists. Datam deste período as suas primeiras longas-metragens e os seus primeiros dramas, numa contínuo percurso para elevar o valor estético dos seus filmes.

Num misto de ternura e ridículo, de humor e drama, os filmes de Chaplin apaixonavam diferentes gerações, tendo mesmo resistido ao advento do sonoro, que ele apenas abraçou em 1940. Vários dos seus filmes são frequentemente citados entre os melhores de sempre, e a sua personagem é uma das mais icónicas e amadas de todo o cinema.

A partir do filme “O Grande Ditador” (The Great Dictator, 1940), Chaplin passou a ser visto como simpatizante comunista, estando debaixo de investigação do FBI. Tal levou à retirada da sua cidadania americana, e consequente saída dos Estados Unidos. Chaplin foi então viver para a Suíça, tendo realizado os seus últimos filmes na Europa.

Em 1972, Chaplin foi agraciado com um Oscar de carreira, voltando pela primeira vez aos Estados Unidos em 30 anos, para o receber, bem como um aplauso de 12 minutos ininterruptos da plateia, que serviu como pedido de desculpas do país a quem tanto deu.

 

Harold Lloyd (1893-1971)

Harold LloydNatural do Nebraska, Harold Clayton Lloyd, Sr. trabalhou desde criança no mundo do espectáculo, principalmente em teatros de vaudeville. Ao mudar-se para a Califórnia, Lloyd começou por surgir em pequenos papéis no cinema. Foi então que fez amizade com Hal Roach, e quando este criou o seu próprio estúdio, Lloyd veio trabalhar com ele.

As primeiras produções da Hal Roach não resultaram e Lloyd teve que trabalhar uns tempos na Keystone Studios enquanto Roach aceitava trabalhos de realização. De novo com Hal Roach desde 1915, Harold Lloyd começou a definir o seu personagem, e estilo de humor. Depois de 68 filmes com o personagem “Lonesome Luke” (inspirado em Chaplin), Roach e Lloyd criaram o mais famoso “The Boy” ou “Glasses” o rapaz de óculos, inocente, limpo e educado, sem maquilhagem, um rapaz natural que contrastava com os habituais desajeitados protagonistas cómicos caricaturais.

Com cerca de mais 100 filmes para Hal Roach, Harold Lloyd criou uma imagem inconfundível, de enorme popularidade, com um humor que passava sobretudo por incríveis proezas físicas (que levaram até à perda de dois dedos da mão direita).

Com um enorme número de curtas-metragens de sucesso, Roach e Lloyd decidiram expandir o personagem para longas-metragens, e em 1921 surgiu a primeira, “Grandma’s Boy”. Após cinco longas-metragens com Hal Roach, em 1924 a colaboração entre os dois terminou, e Lloyd passaou a produzir os seus filmes na sua Harold Lloyd Corporation.

Com a chegada do cinema sonoro, Lloyd abraçou a nova técnica logo na sua juventude, com o filme “Welcome Danger”. O filme foi um sucesso, mas a partir de então a produção de Lloyd começou a rarear, terminando em 1938, para um regresso único em 1946 com “The Sin of Harold Diddlebock” de Preston Sturges.

Com uma carreira mais prolífica que Chaplin ou Keaton (ao lado de quem é geralmente colocado como um dos três maiores génios da comédia muda), Lloyd, acabou por ser, dos três, o actor com maiores receitas de bilheteira.

 

Mary Pickford (1892-1979)

Mary PickfordBaptizada com o nome Gladys Marie Smith, Mary Pickford nasceu em Toronto, no Canadá. Tanto Mary como a mãe e os irmãos começaram a representar no teatro, o que as levou em digressões pelos Estados Unidos, após a morte do seu pai. Foi então que Mary adoptou o seu nome artístico, com o qual se apresentou na Broadway com 14 anos, chamando a atenção de D. W. Griffith, à altura na Biograph Company de Nova Iorque.

Após trabalhar em diversos filmes em Nova Iorque (muitas vezes em pequenos papéis), Pickford seguiu Griffith quando este levou a Biograph para a Califórnia. Aí, adquiriu logo uma enorme popularidade, o que a levou a ser disputada por vários estúdios. Pickford viria a preferir reunir-se com Griffith em 1912, começando a desenvolver o seu estilo de filmes de comédias românticas e de tom dramático.

Em 1916 Pickford entrou para a Famous Players-Lasky (futura Paramount) de Adolph Zukor, onde faria alguns dos seus filmes mais famosos. A sua popularidade não parou de crescer tornando-se a primeira superestrela do cinema, (apenas Charles Chaplin a ultrapassaria na era do cinema mudo). Dela se dizia ser a mulher mais famosa do mundo, e a unanimidade em seu torno fez com que viesse a ser apelidada de “America’s Sweetheart” (A Namorada da América).

Em 1918 Mary Pickford trocava a Paramount pela First National, e no ano seguinte fundava a United Artists com o amigo Charles Chaplin, o anterior mentor D. W. Griffith e Douglas Fairbanks (o seu marido e popular actor de filmes de aventuras).

Com a chegada do cinema sonoro, a carreira de Mary Pickford ganhou um pesado revés. Igualmente negativa foi a decisão de cortar os seus famosos caracóis para apresentar um ar moderno, demasiado presa à imagem de eterna adolescente, que ela agora queria deixar. Ao fim de 52 longas-metragens, Pickford deixou os ecrãs em 1933, mantendo-se como produtora de sucesso durante mais uma década.

 

Buster Keaton (1895-1966)

Buster KeatonJoseph Frank Keaton nasceu no seio de uma família de artistas de vaudeville, dizendo-se que o seu pai chegou a actuar ao lado de Harry Houdini. Com os pais integrava o grupo The Three Keatons, desde tenra idade, em números que requeriam destreza física, onde a criança era atirada e envolvida em quedas aparatosas (o que lhe valeu a alcunha “Buster”).

Em 1917, já adulto, e depois de ter parado a carreira artística para estudar, Buster Keaton conheceu Roscoe “Fatty” Arbuckle em Nova Iorque, quando este estava sob contrato com a Comique de Joseph M. Schenck. Keaton e Arbuckle tornaram-se grandes amigos e este guiou Keaton pelo mundo da produção de cinema, não só co-protagonizando uma série de curtas-metragens baseadas no contraste físico entre ambos (o gordo e bonacheirão Arbuckle e o magro e sisudo Keaton), mas tendo-o como argumentista, segundo realizador e co-produtor dos seus filmes.

Com a saída de Roscoe “Fatty” Arbuckle em 1920, Burter Keaton protagonizou a sua primeira longa-metragem (The Saphead) e Joseph M. Schenck deu-lhe a oportunidade de criar a sua própria produtora, a Buster Keaton Comedies. Através dela Keaton desenvolveu o seu personagem, tornando-o famoso pela sua expressão sempre séria e pelo humor físico que requeria uma destreza absolutamente invulgar. Ao mesmo tempo Keaton mostrava um sentido cinemático invulgar na comédia do seu tempo, usando a câmara para compor imagens que tinham tanto de cómico, como de absurdo e surreal.

Foi também na sua companhia que Buster Keaton produziu uma série de longas-metragens, algumas realizadas por si, de elevados valores de produção, envolvendo elaborados cenários e props, e com um sentido épico, que fazem delas filmes conceituadíssimos. São por isso consideradas entre as melhores de sempre da comédia. Tal coloca-o a par de Chaplin como um dos mais amados actores-realizadores do período mudo do cinema americano.

Em 1928, na transição para o sonoro, Buster Keaton entrou para a MGM, decisão que lamentaria, pelas limitações trazidas à sua liberdade criativa, habituado que estava a ter total controlo sob a tutela de Joseph M. Schenck. Keaton era obrigado a trabalhar com argumentos que não queria, e foi colocado a fazer filmes como suporte de estrelas como Jimmy Durante. A colisão com a produtora foi total, e Keaton foi despedido a meio do contrato, em 1933.

Por essa altura os problemas pessoais tornaram-se demasiado pesados, e a morte da sua mulher, um segundo casamento falhado e problemas com o álcool fizeram a que abandonasse o cinema e fosse mesmo internado num hospital.

Quando Buster Keaton voltou a Hollywood já muito tinha mudado. A sua reputação garantiu-lhe um contrato com a Educational Pictures, após o qual Keaton regressou à MGM como escritor para filmes de outros comediantes, onde se destacam os Irmãos Marx. O seu trabalho de actor tornou-se então mais esporádico, surgindo por vezes em pequenos cameos, e em filmes dramáticos. Foi já nos anos 50 que voltou a representar em filmes importantes, em papéis secundários. Um dos seus mais relevantes papéis foi aquele em que contracenou com Charles Chaplin em “Luzes da Ribalta” (Limelight, 1952). Este novo fôlego trouxe-lhe inúmeros papéis em séries televisivas.

Ficando para a história como “O homem que nunca riu”, foi para muitos o maior génio do cinema mudo.

 

Max Linder (1883-1925)

Max LinderGabriel-Maximilien Leuvielle nasceu em França, onde se tornou um célebre actor, realizador, argumentista e produtor de cinema. Começando na adolescência, no teatro sério, o futuro Max Linder cedo começou a mostrar interesse pelo cinema, tornando-se, no início do século XX, actor da poderosa Pathè, uma das mais importantes produtoras de cinema do seu tempo. Aí começou em papéis secundários em comédias, chegando a protagonizar filmes do lendário mestre do cinema fantástico, Georges Méliès.

Em 1907 com a curta-metragem “The Skater’s Debut”, surgia “Max”, o personagem cómico de roupas finas e cartola dado a situações de burlesco. Este tornou-se rapidamente identificável, constituindo-se num enorme sucesso. Max Linder tornava-se uma figura prestigiada, e passava a realizar e produzir os seus próprios filmes. Estes filmes chegaram perto da centena, com interrupções durante a Primeira Guerra Mundial, que viu Linder ser mobilizado para combate.

Em 1916, George K. Spoor, presidente da Essanay convidou Max Linder para iniciar uma carreira nos Estados Unidos, onde deveria tomar o lugar de Chaplin que acabava de deixar a produtora. Linder rumou aos Estados Unidos, mas os três filmes que aí fez foram um fracasso, deixando-o sem contrato. De regresso à Europa, Linder trabalhou apenas esporadicamente, devido a problemas de saúde, e primeiros vestígios de uma depressão que não mais o deixaria.

Em 1921 Linder voltou aos Estados Unidos decidido a triunfar. Criou a Max Linder Productions, e realizou algumas longas-metragens como as conceituadas “Sete Anos de Pouca Sorte” (Seven Years Bad Luck, 1921) e “Os Três Mosquiteiros” (The Three Must-Get-Theres, 1922). Mas estas nunca tiveram o sucesso que o actor conseguira em França nos anos anteriores.

Após um último filme em 1925, Linder regressou à Europa, para sentir a saúde piorar. No mesmo ano Max Linder suicidou-se em Paris, conjuntamente com a sua esposa Heléne “Jean” Peters. Embora a sua obra permaneça em grande parte desconhecida, Linder tinha o elogio dos seus pares, nomeadamente de Charles Chaplin, que se dizia um seu discípulo.

 

Larry Semon (1889-1928)

Larry SemonLawrence Semon nasceu em West Point, no Mississipi, filho de um ilusionista de feira. Larry começou muito novo no mundo do espectáculo, tornando-se também desenhador no New York Sun, tendo chegado à atenção da Vitagraph que assinou contrato com ele em 1915 como argumentista e realizador. Inicialmente Semon trabalhava na equipa do actor Hughie Mack, mas cedo passou a protagonizar os seus filmes. Tornou-se conhecido pela sua cara empoada de branco, e jeito inocente.

A popularidade das suas primeiras películas levou a Vitagraph a dar-lhe carta branca para as produzir, e Larry Semon tornou-se conhecido tanto pelo seu papel de idiota, como pela elaboração de gags dispendiosos, incluindo explosões, e props que iam desde aviões a cair a casas a ruir.

Apesar do seu sucesso na altura, que o faziam um rival directo de Charles Chaplin ou Harold Lloyd, hoje Larry Semon é pouco conhecido, sendo essencialmente lembrado por ter trabalhado tanto com Oliver Hardy como com Stan Laurel (antes da fase “Bucha e Estica”), e pela sua longa-metragem “The Wizard of Oz” de 1925, que terá influenciado a versão de Victor Fleming de 1939.

Nos anos 1920 dedicou-se sobretudo a realizar longas-metragens para a sua Larry Semon Productions. Após o fracasso financeiro da sua companhia, Semon voltou ao teatro vaudeville, até um esgotamento nervoso o levar a ser internado num sanatório na Califórnia, onde viria a morrer de tuberculose. Larry Semon tinha então 39 anos.

 

Ben Turpin (1869- 1940)

Ben TurpinNatural de New Orleans, Bernard Turpin trabalhou em teatro, vaudeville e feiras até chegar ao cinema. Tornou-se uma figura inconfundível pelo seu bigode farfalhudo e olhar estrábico, característica que ele considerava essencial para o seu trabalho, feito de situações em que o seu ar desajeitado era a fonte do humor.

Ben Turpin estreou-se no cinema em 1907, na Essanay de Chicago, tendo a reputação de ter sido o autor do primeiro uso de uma tarte na cara para efeitos cómicos, na curta-metragem “Mr. Flip”, de 1909. Em 1915, com a chegada de Chaplin a Chicago, Turpin passou trabalhar com ele, e o seu personagem e olhar excêntrico tornou-se conhecido do grande público. Mas o trabalho com o meticuloso Chaplin tê-lo-á frustrado, procurando humor mais simples e visceral na Vogue.

Em 1917 Ben Turpin foi contratado pela Keystone Studios de Mack Sennett, o nome mais sonante da comédia de então. O estilo de Turpin foi aproveitado na perfeição por Sennett, e o actor ganhou fama imediata, muito à custa de ridicularizar personagens e filmes famosos, como na sua longa-metragem “The Shriek of Araby” (1923), uma de várias para a Mack Sennett Comedies ao longo dos anos 1920.

1925, tentou regressar. Com o advento do sonoro a produção de Ben Turpin diminuiu, tendo no entanto surgindo em pequenos papéis ao lado de outras estrelas do humor, como Laurel & Hardy, e W. C. Fields.

 

Billy Bevan (1887-1957)

Bily BevanWilliam Bevan Harris nasceu na Austrália, onde se tornou actor de teatro. A sua carreira de palco levou-o em digressão à América, e ao interesse pelo cinema, onde começou pelas mãos de Sigmund Lubin, na Lubin Manufacturing Company, na Filadélfia.

Com o fim da Lubin, em 1916 Bevan foi contratado como actor secundário por Mack Sennett, e em 1922 tornava-se uma estrela de pleno direito, célebre pelo seu longo bigode que lhe cobria a boca. Embora não tivesse a fama de outros actores do seu tempo, manteve uma longa relação com Mack Sennett, aparecendo em muitos dos seus filmes.

Com a chegada do sonoro, o seu sotaque australiano passava por britânico ao público americano, e Billy Bevan passou a actor de personagens tipo, com pequenos papéis em inúmeros filmes de géneros variados, do drama ao terror.

 

Harry Langdon (1884-1944)

Harry LangdonHarry Philmore Langdon naceu no Iowa, e desde a adolescência especializou-se em números de vaudeville, teatros de feira, circos e casas de burlesco, onde actuou durante cerca de 20 anos.

Foi só em 1923 que Langdon entrou no cinema pela mão da Principal Pictures Corporation, de Sol Lesser. Daí até ser notado por Mack Sennett foi um passo, e em breve Langdon era uma estrela da Mack Sennett Comedies. Aí desenvolveu o seu típico personagem, feito de inocência, como que uma criança grande, de olhar surpreso, ingénuo, que facilmente caía em situações que o deixavam envergonhado. A sua fama fê-lo ser considerado um dos maiores génios do cinema mudo, cujo estilo o destacava do habitual burlesco de Sennett.

Na segunda metade dos anos 1920, Langdon criou a sua própria produtora, Harry Langdon Corporation, e dedicou-se a longas-metragens, ora realizando-as ele próprio, ora entregando-as a realizadores como Frank Capra. Alguns destes filmes rivalizaram, em popularidade com aqueles de Charles Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd. O seu sucesso foi no entanto diminuindo à medida que os filmes se tornavam mais pessoais, e mais afastados do seu humor inicial.

A chegada do cinema sonoro não ajudou a carreira de Langdon, que continuou a produzir curtas-metragens, mas votadas ao fracasso. Apesar disso, Langdon continuou a ter contratos para continuar a filmar, tendo inclusivamente sido substituto de Stan Laurel em “Zenobia” (1939), um filme com Oliver Hardy, quando Laurel estava em disputa contratual com Hal Roach. Para além disso restaram-lhe inúmeros papéis secundários em filmes que nada fizeram pela estrela que antes tivera.

 

Stan Laurel (1890-1965)

Stan LaurelArthur Stanley Jefferson nasceu em 1890 na Inglaterra. O seu gosto pela representação levou-o a tentar o teatro desde cedo, tendo integrado a famosa companhia de Fred Karno, onde chegou a ser substituto de Charles Chaplin. Foi, aliás, com Chaplin que Laurel viajou para os Estados Unidos, mas ao contrário daquele, demorariam ainda alguns anos até ser notado como actor.

Em Hollywood, Laurel participou em inúmeras curtas-metragens cómicas, geralmente em parceria com actores mais conhecidos, mas foi só em 1926 que a fama lhe bateu à porta, quando, depois de assinar contrato com Hal Roach, Laurel começou a trabalhar como seu realizador e argumentista, até se juntar na tela a Oliver Hardy, para a famosa dupla “Laurel & Hardy” (Bucha e Estica).

Ver “Laurel & Hardy”

A dupla continuaria junta até à morte de Oliver Hardy em 1957, e Stan Laurel nunca recuperou da morte do amigo, desistindo da carreira artística, e para além de um ou outro curto cameo, não voltou ao cinema nem aos palcos.

 

Oliver Hardy (1892-1957)

Oliver HardyBaptizado como Norvell Hardy, Oliver “Ollie” Hardy nasceu na Georgia, numa família que descendia de latifundiários que lutou pelo lado confederado na Guerra Civil Americana. Mas Hardy mostrou-se mais interessado pela carreira artística que por uma educação tradicional, e a mãe enviou-o para estudar canto e representação em Atlanta.

De volta à terra natal em 1910, Hardy (entretanto já com Oliver como primeiro nome) começou a interessar-se pelo cinema, gerindo uma sala, e a paixão pelo cinema levou-o à Flórida, onde foi contratado pela Lubin Manufacturing Company em 1913.

Na Lubin, muitas vezes creditado como “Babe” Hardy, teve sobretudo papéis de vilão, em cerca de 50 curtas-metragens. Hardy mudou-se então para outros estúdios em Nova Iorque e Chicago, até finalmente, em 1917, se mudar para Los Angeles, onde trabalhou em regime de freelancer para vários estúdios.

Em 1918 Hardy juntou-se à Vitagraph, onde contracenou com a estrela da companhia, Larry Semon, participando em várias longas-metragens realizadas e/ou produzidas por Semon, incluíndo a célebre “The Wizard of Oz” de 1925.

A partir de 1926, Hardy começou a trabalhar para a Hal Roach Studios, e após uma série de filmes em que muitas vezes era secundário, Hardy começou a trabalhar com o então realizador e argumentista de Hal Roach, Stan Laurel. Foi criada em 1926 a dupla “Laurel & Hardy” (Bucha e Estica) que faria filmes até 1951, e continuaria em palco até à morte de Hardy em 1957, por problemas cardíacos.

Ver “Laurel & Hardy”

 

Laurel & Hardy

Como “Laurel & Hardy” (Bucha e Estica), a dupla de actores Stan Laurel e Oliver Hardy atingiu o estrelato, num enorme número de filmes, primeiro mudos, depois sonoros. Fazendo uso das suas diferenças físicas e de personalidade (Laurel o magro, tímido e temeroso; Laurel, o gordo, exuberante e fanfarrão), a dupla fazia humor com situações de confronto, quer entre si, quer com terceiros, onde o seu jeito trapalhão e soluções ridículas eram usadas para fins cómicos.

Laurel e Hardy foram um dos raros exemplos para quem a passagem para o sonoro não trouxe a menor alteração. As suas vozes correspondiam exactamente às personalidades das suas personagens, vindo a torná-los ainda mais populares. Nasciam as frases-tipo que toda a gente sabia repetir, e a dupla lançou-se nas longas-metragens, a partir de “Pardon Us” (1931).

Em 1939 Laurel entrou em conflito contratual com Hal Roach, o que quase destruiu a dupla, quando Roach o tentou substituir por Harry Langdon. Laurel e Hardy voltaram a trabalhar juntos para Roach, mas em 1941, passavam para a 20th Century Fox e MGM, onde continuariam por mais oito longas-metragens até 1945.

Para além da carreira no cinema, a dupla protagonizou séries de televisão (inspirando mesmo uma de animação), e embarcou pelo mundo num espectáculo de palco de enorme sucesso. Após um último filme, “Atoll K” (1951) e novas digressões internacionais, a parceria terminou com a morte de Oliver Hardy, por problemas cardíacos, em 1957.

 

W. C. Fields (1880-1946)

W. C. FieldsWilliam Claude Dukenfield nasceu na Pennsylvania, numa família pobre de que fugiu aos 11 anos, para se juntar a circos onde desenvolveu a sua habilidade de malabarista. Por volta de 1900, já como W. C. Fields, viajava pelo país como “The Eccentric Juggler”, onde o seu misto de malabarismo e humor o levou à Broadway em 1906, e o fez assinar com o famoso empresário Flo Ziegfeld.

Em 1915 W. C. Fields participou em duas curtas-metragens em Nova Iorque, mas a sua carreira nos palcos manteve-o afastado do cinema até meio dos anos 1920. Foi então na Califórnia, a partir de 1924, que Fields protagonizou uma série de filmes para a MGM e Paramount, alguns realizados por D. W. Griffith, como “Sally of the Sawdust” (1925) baseado no seu musical da Broadway, “Poppy” de 1923. O seu personagem caricaturizado, cuja inspiração parece provir de Dickens (cartola, fraque, bengala), mostrava a sua insolência, arrogância e gosto por álcool com resultados cómicos, tornando-se um sucesso por todo o país.

W. C. Fields participou ainda nos anos 1930 nalgumas curtas metragens mudas de Mack Sennett, mas foi o cinema sonoro que mais o projectou, nomeadamente em longas-metragens da Paramount. Aí às suas características de misantropo antipático, juntava a acutilância das suas frases (frequentemente escritas ou improvisadas pelo próprio) e imaginativos trocadilhos linguísticos que fariam escola.

A sua popularidade tornou-o uma figura icónica, com programas de rádio e televisão, e uma carreira de cinema que se prolongou pelos anos 40, apesar dos seus conhecidos problemas com o álcool, que Fields sabia incorporar nas suas piadas. O álcool seria a causa da sua morte (por cirrose) em 1946, no dia de Natal, dia que dizia detestar.

 

Bibliografia consultada

  • NOWELL-SMITH, Geoffrey – The Oxford History of World Cinema. Oxford: Oxford University Press, 1997.
  • KEIL, Charlie [ed.], SINGER, Ben [ed.] – American Cinema of the 1910’s. New Brunswick, N.J.: Rutgers University Press, 2009.

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