Spaghetti com S de Sergio

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Imagem de "Aconteceu no Oeste" (C'era una volta il West, 1968) de Sergio Leone

Introdução

A forte presença da indústria de cinema norte-americana em Roma, nos anos 50 e 60, para usar as instalações, cenários e técnicos da Itália do pós-guerra em super-produções que assim ficavam muito mais económicas (no que ficou chamado «Hollywood on the Tiber») criou uma enorme dinâmica que resultou no aumento da produção dos estúdios italianos da Cinecittà, o reforço no recrutamento e formação de técnicos e actores, e uma clara influência de Hollywood sobre o cinema italiano. Foi sobretudo um tempo de especialização do cinema italiano em géneros comerciais inspirados pelo cinema de Hollywood, que ia da comédia ao terror, do policial ao histórico, da aventura de guerra ao policial. Neste cenário, como seria quase obrigatório, a meio dos anos 60 também o western ganhou identidade própria no cinema italiano.

Cunhado com o nome depreciativo de «western spaghetti», o western de origem italiana aproveitava as paisagens europeias (geralmente na planície andaluza de Almería, em Espanha), os técnicos que se formaram nas produções americanas, e uma sinergia de esforços e colaborações que envolvia produtoras italianas, espanholas, francesas e alemãs, num conjunto de actores desses países, a que se acrescentava simbolicamente algum nome secundário vindo dos Estados Unidos.

A receita, com cowboys sujos, maior violência e temas menos politicamente correctos que os do western clássico, agradou, e os filmes (muitas vezes com fichas técnicas onde técnicos e actores adoptavam pseudónimos anglófonos para dar a ilusão de uma produção americana) começaram a ter tal procura, que em breve os próprios Estados Unidos os iriam importar.

O baixo orçamento da maioria das produções, a repetição dos temas até à sua exaustão, numa exigência de resultados que levava a um enorme número de filmes nem sempre muito cuidados, foram factores que contribuiram para a desconfiança da crítica. Ainda assim alguns títulos, realizadores e actores tornaram-se emblemáticos, e as suas obras admiradas até hoje. É o caso dos filmes realizados pelos três Sergios: Leone, Corbucci e Sollima (a que se podeia acrecentar Enzo G. Castellari, Damiano Damiani, Sergio Garrone, Giulio Petroni, Duccio Tessari, Lucio Fulci, Enzo Barboni Antonio Margheriti, entre outros). Neles deram-nos a conhecer novas estrelas como Clint Eastwood, Franco Nero, Gian Maria Volontè, Lee Van Cleef, Klaus Kinski, Tomas Milian, Jean-Louis Trintignant e Mario Brega. Não menos importante seria a música de Ennio Morricone, e os cenários de Carlo Simi, no criar de uma mística onde evoluiriam ícones como o «homem sem nome» de Clint Eastwood, ou os anti-heróis Django, Ringo, Sabata, Sartana e Trinitá, entre outros, num filão que começou a esvair-se à entrada dos anos 80.

Franco Nero como Django em "Django" (1966) de Sergio Corbucci

 

Sergio Leone

Sergio LeoneNascido em 1929, em Roma, Sergio Leone herdou dos pais o gosto pelo cinema, já que o pai chegou a realizar alguns filmes mudos, e a mãe a actuar nalguns deles. Cedo esse interesse se tornou profissão e Leone foi trabalhar na Cinecittà, onde teve oportunidade de participar em grandes produções de estúdios de Hollywood, como foi o caso dos filmes “Quo Vadis” (1951), de Mervyn LeRoy, Anthony Mann, e “Ben-Hur” (1959), de William Wyler, nos quais foi assistente de realização. A experiência levou-o a ser argumentista de vários «peplum» italianos, tendo inclusivamente participado na realização de “The Last Days of Pompeii” (Gli Ultimi Giorni di Pompei, 1959), ajudando a substituir o realizador Mario Bonnard, que entretanto adoecera. Tal levou-o à sua primeira experiência de realizador em “The Colossus of Rhodes” (Il Colosso di Rodi, 1961), mostrando que, mesmo em produções de menor dimensão, conseguia fazer um filme que lembrasse as grandes produções de Hollywood.

Seguiram-se os westerns, e Leone brilhou na trilogia dos dólares, protagonizada pelo então desconhecido Clint Eastwood, que lhe valeu o reconhecimento das produtoras norte-americanas que distribuiram os filmes nos EUA. Foi já com dinheiro americano que Leone preparou a trilogia seguinte, começada com “Aconteceu no Oeste” (C’Era una Volta il West, 1968) e terminada, já nos Estados Unidos em “Era Uma Vez na América” (Once Upon a Time in America, 1984), dois filmes consagradíssimos quer pelo, público quer pela crítica.

Nesta altura, Leone já perdera o interesse pela realização, dedicando-se à produção. Começando ainda no western, os seus primeiros filmes eram essencialmente comédias, com a estrela em ascensão Terence Hill, como são os casos de “O Meu Nome é Ninguém” (Il mio nome è Nessuno, 1973), de Tonino Valerii, e “Chamavam-lhe Génio” (Un genio, due compari, un pollo, 1975). Daí Leone passou para produções mais ligeiras, quase sempre no domínio da comédia, onde ajudou a promover o trabalho de jovens realizadores e actores cómicos.

Sergio Leone morreu com apenas 60 anos, em 30 de Abril de 1989, vítima de problemas cardíacos. Menos de um ano antes tinha sido presidente do juri das quadragésima quinta edição do Festival Internacional de Veneza.

 

Sergio Corbucci

Sergio CorbucciNascido em Roma, em 1926, foi como jornalista que Sergio Corbucci teve a sua primeira ligação ao mundo do cinema. Seria uma paixão nunca mais deixada, com Corbucci a trabalhar primeiro como assistente, realizando o seu primeiro filme em 1951, o melodrama “Salvate mia figlia”, naquilo que em Itália era o popular género «strappalacrime» (literalmente «arranca lágrimas»), no qual realizaria vários filmes. Desde cedo Corbucci começou a contribuir na escrita dos argumentos.

Revelando uma enorme diversidade, Corbucci trabalharia em dramas, musicais e comédias, nestas, por exemplo, dirigindo o conhecido Totó em sete filmes. Aventurava-se ainda no «peplum», como no filme “O Filho de Spartacus” (Il figlio di Spartacus, 1962) com a então estrela Steve Reeves, e no gótico, realizando o clássico “Danza Macabra” (1964) e, claro, no western spaghetti.

Foi neste género que Corbucci mais se destacou, com filmes que primavam pela acção, e onde se permitia ultrapassar os limites convencionais da violência, criando uma série de histórias amargas, vilões sádicos e uma lista de anti-heróis icónicos como Django, Silêncio ou Ringo. Corbucci dirigiu um total de treze westerns que vão desde “Massacro al Grande Canyon” (1964) a “Dispara Primeiro… Pergunta Depois” (Il bianco il giallo il nero, 1975), e que passam pelos clássicos “Django” (1966), “Pistoleiro Profissional” (Il mercenario, 1968) e “Companheiros” (Vamos a matar, compañeros, 1970), todos protagonizados por Franco Nero e “O Grande Silêncio” (Il grande silenzio, 1968), com Jean-Louis Trintignant e Klaus Kinski. Além destes, Corbucci veria nos seus westerns actores como Burt Reynolds, Johnny Hallyday, Tomas Milian e Jack Palance.

Nos anos 70 e 80, Sergio Corbucci dedicou-se principalmente à comédia, com grande sucesso no mercado interno, por exemplo com a dupla Terence Hill e Bud Spencer, ou com Nino Manfredi, Renato Pozzetto, Enrico Montesano e outros famosos comediantes italianos do seu tempo. Poucos destes filmes tiveram distribuição alargada no estrangeiro, e Corbucci manteve sempre a reputação de realizador comercial. Ainda assim, foi ganhando algum estatuto de culto, sendo uma referência por vezes citada, como aconteceu recentemente com Quentin Tarantino, um assumido fã de Corbucci, que o homenageou no seu filme “Django Libertado” (Django Unchained, 2012).

Com mais de seis dezenas de filmes realizados, Sergio Corbucci morreu, de problemas cardíacos, em 1990.

 

Sergio Sollima

Sergio SollimaSergio Sollima, o menos internacionalmente conhecido dos três Sergios do western spaghetti, nasceu em Roma, em 1921, tendo desde cedo decidido que queria estar ligado às artes interpretativas. Depois de concluir o curso do Centro Experimental de Cinematografia de Roma, Sollima tornou-se crítico de cinema, ao mesmo tempo que se começava a interessar pela escrita e pelo teatro. Foi no teatro que conheceu Domenico Paolella, de quem se tornou assistente, e com quem trabalhou também no cinema, escrevendo-lhe o argumento de “I Teddy boys della canzone” (1960), depois de já ter trabalhado como assistente de realização de Sergio Corbucci em “Terra straniera” (1954).

A sua estreia como realizador deu-se no filme de vários autores “L’amore difficile” (1962), realizando entre 1965 e 1966 dois filmes da série de aventuras “Agente 3S3”, e logo na sua quarta longa-metragem individual, Sollima assinaria o clássico do western spaghetti “O Grande Pistoleiro” (La resa dei conti, 1966). Nele, define o seu estilo próprio, com histórias complexas, com muitos volte-faces, onde os seus protagonistas são expostos a realidades políticas e sociais que os vão transformar como pessoas. É o exemplo do seu anti-herói Cuchillo, interpretado por Tomas Milian, que voltaria a vestir o papel em “Corre Homem, Corre” (Corre uomo corri, 1968), que se tornou um símbolo nalguns sectores da esquerda italiana.

A par desses dois filmes, Sollima realizaria ainda “Cara a Cara” (Faccia a faccia, 1967), num total de apenas três westerns, nos quais trabalhou com o já citado Milian, mas também com Gian Maria Volontè, Lee Van Cleef e Donald O’Brien. Seguiram-se alguns thrillers criminais no início dos anos 70, mas foi a série televisiva de aventuras “Sandokan” (1976), progagonizada por Kabir Bedi, a partir da obra literária de Emilio Salgari, que lhe valeu o seu maior sucesso. Como resultado Sollima realizou, com maior orçamento, também de Salgari, a sua versão para cinema de “O Corsário Negro” (Il corsario nero, 1976) e o telefilme “Sandokan – O Tigre de Monpracem” (La tigre è ancora viva: Sandokan alla riscossa!, 1977), todos interpretados por Bedi. A partir de então a sua carreira de realizador restringiu-se quase somente à televisão, com alguns telefilmes e séries menos conhecidas. A última seria “Il figlio di Sandokan” (1998), ainda com Kabir Bedi.

Sergio Sollima morreria em 2015, com 94 anos, sendo pai do conhecido realizador actual de televisão e cinema Stefano Sollima.

Tomas Milian em "O Grande Pistoleiro" (La resa dei conti, 1966) de Sergio Sollima

 

Bibliografia aconselhada

  • BONDANELLA, Peter – A History of Italian Cinema. London: Bloomsbury Academic, 2009.
  • CELLI, Carlo; COTTINO-JONES, Marga – A New Guide to Italian Cinema. New York, NY: Palgrave McMillan, 2007.
  • FRAYLING, Christopher – Spaghetti westerns: cowboys and Europeans from Karl May to Sergio Leone (Revised paperback edition). London, New York: I.B. Tauris & Co Ltd., 2011.
  • FRAYLING, Christopher – Sergio Leone: Something to Do with Death. Minneapolis, MN: Univiversity Of Minnesota Press, 2012.
  • GRANT, Kevin – Any Gun Can Play: The Essential Guide to Euro-Westerns. Godalming, Surrey: FAB Press Ltd., 2011
  • HUGHES, Howard – Spaghetti Westerns. Harpenden, Hertfordshire: Oldcastle Books, 2010.
  • WEISSER, Thomas – Spaghetti Westerns: the Good, the Bad and the Violent — 558 Eurowesterns and Their Personnel, 1961–1977. Jefferson, NC: McFarland, 1992.

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