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Introdução
O cinema de aventura é talvez aquele que mais cedo atrai fãs às salas, ou a qualquer outro meio onde se vejam actualmente os filmes. Foi o meu caso no tempo em que cinema e televisão não se inibiam de mostrar filmes de piratas. Eram as aventuras românticas dos heróis de capa e espada, onde se destacava Errol Flynn, para mim o paradigma do pirata perfeito, bondoso, de escrúpulos impecáveis e um galanteio a toda a prova.
Pretende-se com este ciclo recordar esses tempos de um cinema mais ingénuo, menos preocupado com realismos históricos, mas onde a aventura e alegria pareciam mais puras, e talvez ainda hoje inigualáveis.
Nota: O ciclo será dedicado somente ao cinema norte-americano até ao final dos anos 1950. Mais tarde poderá ser expandido para incluir obras de outros períodos e cinematografias.
Os verdadeiros piratas das Caraíbas
Embora o termo pirataria se aplique geralmente a actos criminosos ocorridos no mar, foram os acontecimentos desta natureza que, a partir do século XVII, se tornaram comuns nas Caraíbas que deram a base histórica para a romantização que posteriormente se atribuiria na literatura e cinema aos heróis a que chamamos piratas.
O decurso da conquista e colonização das ilhas do Mar das Caraíbas, foram deixando nalgumas ilhas antigos marinheiros e aventureiros, que viviam em terras sem dono a partir do século XVI. Estes colonos ficaram conhecidos pelo nome francês Boucanier (aqueles que comem carne fumada), traduzido para inglês como Buccaneers, e para português como Bucaneiros. Os bucaneiros criavam animais e mantinham pontos de trocas comerciais com os navios das potências colonizadoras. Mas foi quando estas viram neles um incómodo, e lhes tentaram tirar a terra e matar os animais, que não lhes restou outro recurso senão apoderarem-se de navios, e dedicarem-se ao roubo no mar.
O inconstante equilíbrio de forças entre as potências marítimas fazia com que, de tempos a tempos, um rei tentasse chamar a si estes piratas, protegendo-os, desde que roubassem apenas navios inimigos, e cedessem à coroa uma parte dos seus saques. Eram os chamados Corsários, ou piratas oficiais. Tal aconteceu, por exemplo com o Rei Francisco I de França (1515-1547), para combater a hegemonia ibérica, e mais tarde no reinado de Isabel I de Inglaterra (1558-1603) para fazer face ao Império Espanhol.
A Espanha era, durante o século XVII senhora do Atlântico, com colónias no Novo Mundo que incluíam a chamada Spanish Main, com estabelecimentos em Vera Cruz, na Nova Espanha (actual México), Alto Perú (actual Bolívia), Cartagena (actual Colômbia), Porto Bello e Cidade do Panamá (Panamá), e ainda em Havana e Santiago de Cuba (Cuba), e Santo Domingo na ilha de Hispaniola (actualmente Haiti e República Dominicana). Os carregamentos de ouro, prata e outras riquezas eram constantes, e atraíam cada vez mais os piratas marítimos, a ponto de em 1560 serem formadas frotas de guerra que protegiam os comboios marítimos que se dirigiam a Sevilha.
Na Europa, lutavam-se longas guerras entre Espanha e os seus inimigos, como a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que opunha Católicos e Protestantes, e lançava novas disputas nos equilíbrios coloniais, com a perda do monopólio espanhol. Os ingleses estabeleciam colónias em Saint Kitts and Nevis e na ilha Providence. Mais tarde seria em Barbados que fariam sua sede, para ser substituída por Port Royal na actual Jamaica. Os franceses dividiam St. Kittis, a que chamavam Saint Christophe, e ocupavam o noroeste de Hispaniola (futuro Haiti), expandindo depois para Guadalupe e Martinica. Já a ilha de Tortuga foi ocupada por minorias religiosas francesas, e cedo se tornaria uma pátria para piratas de várias nações. Mais modestos, os holandeses estabeleciam-se na ilha de Curaçao.
Terminada a Guerra dos Trinta Anos, a Espanha estava em declínio, e as outras potências sem força para a substituírem. Era a oportunidade de ouro para o florescimento da pirataria, com diversos reinos a favorecerem os corsários que os ajudassem. Os próprios governadores locais, sentindo o apoio da metrópole demasiado longínquo, socorriam-se de mercenários, recrutados entre os bucaneiros e corsários.
No início do século XVIII a situação invertia-se. França e Inglaterra tinham recuperado posições, e dispunham já de tropas e navios em número suficiente para despender nos seus impérios coloniais. Desaparecia a necessidade da contratação de mercenários e uso de corsários, que assim passavam a inimigos de todas as coroas e a era da pirataria entrava em declínio.
Não seria ainda o seu desaparecimento, com ressurgimentos sempre que alguma potência marítima se consumia em problemas internos, mas não mais com a força que tivera durante o século XVII, e que originara os grandes mitos e nomes que ainda hoje se recordam.
Alguns piratas famosos
Henry Morgan (1635 – 1688)
Sir Henry Morgan (c. 1635 – 1688) foi um official britânico de ascendência inglesa, figura importante da disputa de poder entre a Inglaterra e a Espanha, no final do século XVII. Já um experiente militar, veterano de guerras na Europa, Morgan começou a fazer nome quando foi colocado nas Caraíbas, onde teve os seus primeiros postos de comando, a partir das bases inglesas na Jamaica. As suas tácticas brutais, e o constante uso de mercenários bucaneiros, colocaram-no numa zona cinzenta entre oficial inglês e simples pirata. O seu acto mais célebre foi o ataque a Porto Bello (actual Panamá). Conduzindo os seus homens por terra, surpreendeu os defensores de uma cidade que se considerava inexpugnável, o que resultou num saque riquíssimo. Sendo tanto um trunfo para a Inglaterra como um problema diplomático, Henry Morgan somou novas vitórias nos ataques a posições espanholas, criando-se o mito de ter enormes tesouros escondidos. Ainda assim conseguiu títulos e terrenos da coroa inglesa, tendo morrido de causas naturais, rico e respeitado.
Bartholomew Roberts (1682 –1722)
Em 1719 Bart Roberts servia num navio de escravos, na Costa Ocidental Africana, quando o navio foi tomado por piratas que deram à tripulação a hipótese de se lhes juntarem. Cedo Roberts ganhou a confiança do seu capitão (eram ambos galeses), e quando este foi morto pelos portugueses em Príncipe, Roberts foi eleito novo capitão. Começando por vingar a morte do seu capitão em Príncipe, Roberts viajou depois para a costa do Brasil, e desde então a sua fama de captura de navios cresceu nos dois lados do Atlântico, norte e sul. Em 1722 Roberts morreu em batalha, depois de ter granjeado a fama de ter sido o pirata que mais navios capturou.
Calico John Rackham (1682 –1720)
Em 1718 Calico Jack era um pirata sediado em New Providence, quando uma disputa com o seu capitão, Charles Vane, o levou a comandar o navio. A partir daí foi ganhando notoriedade pela quantidade de pequenos navios apreendidos nas Caraíbas. Em 1719 aceitou um perdão do Governador de Nassau, com base na ideia de que tinha sido Vane e não ele o culpado dos crimes. Só que, ainda em Nassau, o seu romance com Anne Bonny causou a prisão desta, por adultério. Rackham salvou-a e fugindo, ambos voltaram à pirataria. Com a cabeça a prémio, Calico Jack foi capturado em 1720, julgado e executado em Port Royal. Tem o crédito de ter criado a famosa bandeira Jolly Roger (crânio sobre duas espadas cruzadas, num fundo negro).
Anne Bonny (c. 1700 – c. 1782)
Irlandesa, filha de um fazendeiro da América do Norte, destituída pelo seu pai quando casou, em 1714, com John Bonny, um pirata de New Providence. Aproveitando um perdão, John Bonny tornou-se informador do Governador de Nassau, e aí estava quando Anne iniciou um romance com o célebre Calico Jack, em 1719. A bordo do Revenge, Anne e Jack tornaram-se inseparáveis, e tiveram mesmo um filho. Quando Jack e o Revenge foram aprisionados em 1720, Anne escapou ao enforcamento, alegando estar grávida. Viveria até 1782, não se sabendo como deixou o cárcere.
Mary Read (c. 1690-1721)
Mary Read nasceu na Inglaterra, educada por mãe solteira que a vestia de rapaz para obter subsídios do estado. Já adulta, continuando o disfarce, lutou no exército inglês nas Guerras de Sucessão Espanhola, tendo-se apaixonado e casado com um soldado flamengo. A morte prematura deste levou-a a embarcar para as Caraíbas. Forçada a juntar-se aos piratas que lhe tomaram o navio, Mary viria mais tarde a conhecer Anne Bonny de quem se tornou amiga, juntando-se à tripulação de Calico Jack. Com Jack e Anne, Mary Read foi aprisionada em 1720, tendo morrido na prisão de febre, ou talvez a dar à luz.
Barbanegra (Edward Teach ou Thatch) (c. 1680 – 1718)
Nascido na Inglaterra, Edward Teach viajou para as Caraíbas onde se viria a tornar pirata em New Providence, sob o Capitão Benjamin Hornigold a partir de 1716. Hornigold deu-lhe o comando de um navio, e quando se retitou, Edward Teach tornou-se comandante da frota de Hornigold, a partir do seu próprio navio, baptizado Queen Anne’s Revenge. Temido tanto pelos seus actos como pela sua fama, Teach cultivava a imagem de medo, com a sua terrível barba que ele tornava fumegante nas batalhas, como uma aparição do inferno. Depois das Caraíbas, Teach iludiu os seus inimigos rumando a norte, e causando o pânico na costa leste da América do Norte. Foi morto em batalha em 1718 nas costas da Virgínia.
Jean Lafitte (c. 1780 – c. 1823)
Um dos últimos grandes piratas, Jean Lafitte era um homem de origem francesa, estabelecido em Nova Orleães, onde dirigia um armazém que distribuía o fruto do contrabando do seu irmão Pierre. Novas leis de embargo levaram os irmãos a mudarem-se para a baía de Barataria, passando do contrabando à pirataria. Com o ataque americano a Barataria, muitos dos homens de Lafitte foram capturados e Jean negociou a sua libertação com o General Andrew Jackson, a troco de lutar pelo lado norte-americano na guerra contra Inglaterra. Depois da vitória americana, Lafitte mudar-se-ia para o Texas e participaria na guerra pela independência do México. A sua actividade ambígua levava-o a traçar alianças e deitá-las a perder com novos actos de pirataria, tendo ajudado e sendo perseguido por diversos governos (às vezes os mesmos que ajudava). Morreu em 1823, sem que se saiba ainda em que circunstâncias.
Os piratas e a literatura
Talvez as primeiras referências à pirataria na literatura provenham do século XVIII, nalgumas obras do inglês Daniel Defoe, como o celebérrimo «Robinson Crusoe». Da mesma época é o compêndio «A General History of the Robberies and Murders of the most notorious Pyrates», talvez do mesmo Dafoe, onde se reunem histórias e biografias de piratas famosos, com particular detalhe na descrição do folclore associado ao mundo dos piratas das Caraíbas. Já no século XIX, em pleno romantismo, foi ainda da Inglaterra que chegaram exemplos de histórias de piratas, nas obras de Sir Walter Scott e de Robert Louis Stevenson. Este último com o seu «Treasure Island» marcou todos os escritores que se seguiram, estabelecendo o cânone de mitos, regras e usos para sempre associados aos piratas.
Mas seria a partir da Itália que o género se tornaria popular. Assente nas obras de Emilio Salgari e Rafael Sabatini, surgiam heróis reconhecíveis por todo o lado, como Sandokan, o Corsário Negro, e o Capitão Blood, cujas séries de aventuras foram impressas por todo o mundo, passando posteriormente ao cinema e televisão.
Daniel Defoe (Inglaterra, c. 1660 – 1731)
• Robinson Crusoe (1719)
• The Life, Adventures and Piracies of the Famous Captain Singleton (1720)
Capitão Charles Johnson (talvez pseudónimo de Defoe)
• A General History of the Robberies and Murders of the most notorious Pyrates (1724)
Sir Walter Scott (Escócia, 1771 – 1832)
• The Pirate (1821)
Robert Louis Stevenson (Escócia, 1850 – 1894)
• A Ilha do Tesouro (1883)
Sir Arthur Conan Doyle (Escócia, 1859 – 1930)
• The Dealings of Captain Sharkey (1925)
Emilio Salgari (Itália, 1862 – 1911)
• Piratas da Malásia (11 livros, 1895 – 1913)
• O Corsário Negro (5 livros, 1898 – 1908)
• Piratas das Bermudas (3 livros, 1909 – 1915)
Rafael Sabatini (Itália/Inglaterra, 1875 – 1950)
• The Sea Hawk (1915)
• Captain Blood (1922)
• Captain Blood Returns (1931)
• The Fortunes of Captain Blood (1936)
Tim Powers (EUA, 1952 – )
• On Stranger Tides (1988)
Michael Crichton (EUA, 1942 – 2008)
• Pirate Latitudes (2009)
Tanith Lee (Inglaterra, 1947 – )
• Piratica: Being a Daring Tale of Singular Girl’s Adventures Upon the High Seas (2004)
• Piratica II: Return to Parrot Island (2006)
• Piratica III: The Family Sea (2007)
Os piratas e o cinema
Os piratas estão presentes no cinema logo desde 1916, com “Daphne and the Pirate” de William Christy Cabanne, e as primeiras adaptações de obras de Robert Louis Stevenson e Emilio Salgari. Mas a popularidade chega com o mais célebre actor de aventuras dos anos 1920, Douglas Fairbanks, e o seu “O Pirata Negro” (The Black Pirate, 1926) de Albert Parker. Estava dado o mote para as histórias de acção, heroísmo e aventura, que voltariam com a chegada do cinema sonoro.
O primeiro grande filão surgiu a meio dos anos 30, com Errol Flynn a tornar-se o símbolo do herói aventureiro, em filmes como “O Capitão Blood” (Captain Blood, 1935) e “O Gavião dos Mares” (The Sea Hawk 1940) ambos de Michael Curtiz. A partir de então todos os estúdios lutavam pelos melhores actores de aventuras, e surgiam nomes como Fredric March, Tyrone Power, Louis Hayward, Burt Lancaster e Yul Brinner a distputar o trono de Flynn. Outros, como Basil Rathbone, Robert Newton e Charles Laughton imortalizavam-se como temíveis vilões.
A era dourada de Hollywood definhava ao longo dos anos 1950, e em breve a grande aventura desaparecia dos ecrãs. Esta continuava noutros países, com o Reino e sobretudo a Itália (terra de Salgari e Sabatini) a produzirem dezenas de filmes de aventuras, menos conhecidos do público internacional.
Após Hollywood ter criado os blockbusters e regressado a grande aventura, após as sagas Star Wars e Indiana Jones, também o género de piratas foi aflorado nos anos 1980. Mas seria já no século XXI que ele voltaria a tornar-se popular, mercê da série Piratas das Caraíbas, criada por Gore Verbisnki, e protagonizada por um novo tipo de pirata, o cómico, desajeitado e relativamente louco capitão Jack Sparrow, protagonizado por Johnny Depp. Com quatro filmes já estreados, e mais alguns a caminho, a popularidade dos filmes de piratas parece segura, inspirando o aparecimento de novos heróis e histórias de aventuras no alto mar.
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