Realismo poético francês

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Jean Gabin e Simone Simon em "A Fera Humana" (La Bête humaine, 1938), de Jean Renoir

Introdução

Quando se fala em Realismo Poético, parecemos estar, desde logo, a entrar num paradoxo, já que, habitualmente entendemos “realismo” e “poesia” como dois campos bastante distintos.

No entanto, foi isso que se convencionou chamar a algum cinema francês, do início do cinema sonoro, e que antecedeu a Segunda Guerra Mundial – portanto na década de 1930. Este título é, aparentemente, fácil de explicar. Trata-se de um cinema que é herdeiro do realismo literário do final do século XIX, com preocupações sociais, e temas assentes no quotidiano, histórias tristes de personagens de baixa condição, marginalizados, ou vivendo em situações de pobreza e desilusão. A isto, por influência das correntes de vanguarda que pululavam nas artes em França no início do século XX (incluindo o cinema mudo), une-se uma componente artística muito peculiar, numa espécie de proto-noir. É, de certo modo, o casamento entre essa preocupação social de índole realista, com as linguagens poéticas (isto é, técnicas avant-garde) trazidas do impressionismo e surrealismo do cinema de Germaine Dulac ou Jean Epstein, que permitem o uso da alegoria e metáfora para ilustrar histórias duras e realidades negras. Obviamente, esta é uma definição simplista, já que a natureza do realismo poético da década de 1930 tem muito mais de elusivo que aquilo que estas linhas pretendem descrever.

Origens

Com o advento da Primeira Guerra Mundial, as maiores produtoras de cinema francesas – que estavam entre as maiores da indústria mundial – como a Pathé Frères e a Gaumont viram-se a braços com problemas económicos, tendo que reduzir despesas e apostar, principalmente, na distribuição de filmes norte-americanos. Esta procura de tornar a condições de produção mais económicas foi aproveitada pelas produtoras menores que sentiram ter um papel a dizer no cinema da década de 1920. Este factor foi ainda intensificado quando a Grande Depressão atingiu a Europa na década de 1930, e houve em França uma política deliberada de evitar o cinema estrangeiro, apostando na produção nacional.

A liberdade sentida em relação à anterior mão pesada das grandes produtoras, dava aos cineastas franceses dos anos 20 e 30 uma liberdade acrescida, como são exemplos o cinema experimentalista de influência surrealista e o emergente Realismo Poético.

Estilo

Foi nos anos 30, que alguns realizadores optaram por contar histórias de índole social, marcadas pelo pessimismo, desilusão e nostalgia, onde os heróis (nalguns casos anti-heróis) eram pessoas de classe baixa, ilustrando as dificuldades económicas e realidades do povo proletário. Eram histórias de amargura e tristeza, em personagens em que as pessoas facilmente se podiam reconhecer, longe do escapismo do cinema épico e fantasista, mas alicerçado na tradição da literatura realista francesa do final do século XIX (Stendhal, Flaubert, Zola) – e não apenas francesa, como aconteceu com obras de Dostoievsky e Gorky -, e que podiam ser vistas como um comentário da situação social da França dos anos 30.

Ainda assim, o cinema do realismo poético era filmado em estúdio, onde se procuravam as condições óptimas de cenografia e iluminação, longe do cinema de condições mais cruas e “realistas” como viria a ser o do Neo-realismo italiano. E mesmo filmados com baixos orçamentos, e por produtoras menores, estes filmes constituíram uma parcela importante do cinema francês do seu tempo.

Os autores

Não dissociando a tendência dos nomes que lhe deram expressão – sendo o Realismo Poético Francês mais uma tendência que um género ou corrente, propriamente ditos -, fala-se sobretudo de Jean Vigo, Julien Duvivier, Jean Renoir, Marcel Carné e Pierre Chenal como alguns dos principais realizadores, em colaboração com argumentistas como Charles Spaak e Jacques Prévert. Entre os actores, Jean Gabin tornou-se o mais representativo dos anti-heróis típicos da corrente, acompanhado por nomes como Michel Simon, Simone Signoret e Michèle Morgan. Nele destacaram-se também designers como Alexandre Trauner e Lazare Meerson, e compositores como Georges Auric, Arthur Honegger, Joseph Kosma e Maurice Jaubert.

Entre as principais obras estão filmes como “O Atalante” (L’Atalante, 1934), de Jean Vigo; “Punição” (Crime et châtiment, 1935), de Pierre Chenal, e segundo a obra de Fiodor Dostoievski; “Pepe le Moko” (Pépé le Moko, 1936), de Julien Duvivier, “Cais das Brumas” (1938: Le Quai des brumes) e “Foi Uma Mulher Que O Perdeu” (Le Jour se lève, 1939), ambos de Marcel Carné, e principalmente a obra de Jean Renoir, como: “O Mundo do Vício” (Les Bas-fonds, 1936), adaptando Máximo Gorky, “A Grande Ilusão” (La grande illusion, 1937), “A Fera Humana” (La Bête humaine, 1938), segundo Émile Zola, e “A Regra do Jogo” (La Règle du jeu, 1939).

Declínio

O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, trouxe o fim do Realismo Poético, como, afinal, constituiu um declínio abrupto para o cinema francês, num país, primeiro, fortemente dedicado ao esforço de guerra, e onde os próprios cineastas, e indústria tinham a guerra como prioridade -, e depois, sob dominação nazi, com a Alemanha a para a produção francesa, e muitos cineastas – como, por exemplo Jean Renoir – a abandonarem o país. O fim da proibição alemã pouco depois do início da ocupação, encontrou já ums indústria depauperada, e dedicada a outros temas, onde os temas socialmente mais incómodos não recebiam os favores dos novos senhores.

Influência

O Realismo Poético Francês é frequentemente citado por realizadores e críticos, como influência (veja-se Orson Welles, por exemplo). O caso mais directo é o Neo-realismo italiano, pela forma corajosa como abordava histórias de perdedores e denunciava as condições sociais mais baixas, embora o realismo poético tenha uma cinematografia mais polida que a célebre abordagem crua italiana. Outro exemplo é a geração dos Cahiers do Cinema, que o elevou nas suas críticas, ou no seu braço prático, a Nouvelle Vague, cujos autores (eles proprios inicialmente críticos e cinéfilos) viam nesta tendência um exemplo de liberdade artística e fuga às convenções da indústria, para a criação de um verdadeiro cinema de autor.

Jean Gabin em "A Grande Ilusão" (La grande illusion, 1937), de Jean Renoir

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