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Introdução
Recordo o dia em que vi pela primeira vez o filme “O Gabinete do Dr. Caligari” de Robert Wiene. Foi para mim uma revelação, uma surpresa pelo modo como soluções estéticas tão radicais podem ser tão eficazes numa narrativa, no expressar de sentimentos e na criação de ambientes. O mesmo eu viria a sentir poucos dias depois, quando vi “Metrópolis” de Fritz Lang. Fascinado com esse tipo de linguagem, percebi que era aquilo a que os críticos chamavam o cinema expressionista alemão. Se não levei muito tempo até ver, o tantas vezes citado, “Nosferatu” de F. W. Murnau, não foi tão fácil encontrar mais exemplos deste tipo de cinema, tendo eu que esperar alguns anos até eles serem mais facilmente disponibilizados. Por ter recentemente redescoberto o meu interesse pelo género, propus-me rever aqueles filmes e ver pela primeira vez muitos outros, que constituem este ciclo dedicado a uma forma bem peculiar de narrar, provinda da Alemanha do período entre as duas guerras.
Nota: Por uma questão de uniformidade, optei por considerar apenas filmes mudos, produzidos na República de Weimar, entre as guerras. Por tal exclui, por exemplo, filmes sonoros como “Matou” (M, 1931) ou “O Testamento de Dr. Mabuse” (Das Testament des Dr. Mabuse, 1933) de Fritz Lang, ou filmes feitos em Hollywood como “O Legado Tenebroso” (The Cat and the Canany, 1927) de Paul Leni, e “Aurora” (Sunrise, 1927) de Murnau, ou filmes do género realizados na Dinamarca e Áustria (por Carl Theodor Dreyer, Georg Wilhelm Pabst, entre outros).
O cinema expressionista alemão
O chamado cinema expressionista alemão foi uma corrente importante na Alemanha do período entre as guerras, a República de Weimar (1918-1933). Sendo o cinema alemão desse período bastante diversificado, contando com filmes de época, comédias, os chamados filmes prussianos, etc, ele é hoje principalmente considerado por essa corrente a que se chamou expressionista.
Segundo alguns críticos poderá ter havido, da parte de alguns cineastas alemães, uma assumida intenção para dar ao cinema de Weimar um valor artístico mais elevado. A intenção seria em simultâneo agradar a uma audência cultural e socialmente mais sofisticada, mas fazendo obras que pudessem ser exportadas. Pretendia-se assim recuperar o prestígio cultural e o terreno perdido pela Alemanha após o início da Primeira Guerra Mundial.
Não sendo um género em si mesmo, mas sim uma corrente estética, o expressionismo alemão, no cinema, esteve ao serviço de thrillers românticos, histórias policiais, fantasias, filmes históricos, etc. Buscou inspiração em autores consagrados da literatura, como Hans Einz Ewers, E. T. A. Hoffmann, Johann Wolfgang von Goethe, Fedor Dostoyevsky, Edgar Allan Poe, entre outros.
Visualmente a inspiração vinha do expressionismo na pintura e teatro. Sendo o expressionismo uma corrente que procura criar efeito emocional a partir da distorção da realidade, centrando-se mais na expressão de sentimentos que no detalhe e realismo físico, o cinema expressionista alemão veio a caracterizar-se por essa distorção visual, patente em cenários estilizados com perspectivas irreais (por vezes pintados como quadros), um uso exagerado da luz e sombra de modo a definir os ambientes sem recorrer a cenários elaborados, e personagens estereotipados, apresentando uma interpretação exagerada.
As histórias são, como dito atrás, geralmente fantasiosas (desde lendas, alegorias mágico-religiosas, até à ficção científica), plenas de um romantismo trágico tipicamente alemão, dando-nos heróis muitas das vezes a braços com paixões e vontades difíceis de nomear, atormentados por estranhos fantasmas e medos. A atmosfera torna-se por isso irreal, mesmo onírica em muitos casos, o que tanto nos é sugerido tanto pelo tema como pela própria cenografia. Os personagens interessam-nos mais pela sua psicologia, que pelos factos concretos do seu quotidiano.
Mais difícil é definir o significado político e social, que alguns autores tentam conferir a este período do cinema alemão. Aparentemente trata-se do expressar de uma consciência colectiva. Sendo um momento particularmente difícil da história alemã, marcado pela crise económica do pós-guerra, assiste-se a uma necessidade de recuperar o orgulho nacional, e um posterior crescimento da ideologia fascista, que culminaria no regime Nazi de Adolf Hitler. Ainda assim, é difícil ver no conjunto destas obras um discurso homogéneo, sendo preferível entendê-las com um questionar alegórico da essência humana face aos desafios de um mundo em mudança.
Falar do cinema expressionista alemão é falar essencialmente de Erich Pommer, o produtor que em 1915 fundou a Decla-Film-Gesellschaft-Holz & Co., que se viria a fundir com a German Bioscop AG, formando a Decla Bioscop AG. Foi da aposta da Decla-Bioscop no alto valor artístico das suas obras, e no recrutamento de jovens realizadores como F. W. Murnau e Fritz Lang, que a escola expressionista ganhou forma. Tanto assim foi que, quando em 1921 a Decla-Bioscop foi comprada pela maior companhia alemã da altura, a Universum Film Aktiengesellschaft (Ufa), Erich Pommer não só continuaria a ter autonomia para prosseguir o seu trabalho na Decla-Bioscop, como foi ainda nomeado para dirigir o instituto estatal que supervisionava o cinema alemão. Da sua visão e vontade reuniram-se realizadores, técnicos e actores que marcariam o cinema expressionista de Weimar.
Considerando-se por vezes “O Estudante de Praga” de Stellan Rye e Paul Wegener (Der Student von Prag, 1913), como o percursor do cinema expressionista, foi com “O Gabinete do Dr. Caligari” de Robert Wiene (Das Kabinett des Doktor Caligari, 1920) que a corrente ganhou popularidade não só na Alemanha, como na Europa e Estados Unidos. As técnicas de filmagem e de uso da luz, desenvolvidas pelos cineastas alemães, atrairam a atenção de outros cineastas como Alfred Hitchcock (na Inglaterra), Luis Buñuel (França, Espanha), Douglas Fairbanks e Orson Welles (EUA), para citar apenas alguns nomes.
Por essa razão, alguns dos seus mais proeminentes realizadores como F. W. Murnau, Fritz Lang, e Paul Leni continuariam as suas carreiras em Hollywood, o mesmo acontecendo com fotógrafos como Karl Freund, actores como Conrad Veidt, e outros técnicos, que trariam ao cinema americano algo da estética alemã.
Embora este ciclo se refira apenas ao cinema mudo da República de Weimar, entre 1918-1933, o expressionismo alemão influenciou o cinema que se seguiu, e continuam a ver-se exemplos em filmes modernos, seja em cenas isoladas (por exemplo a sombra na cortina de “Psico” (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock, ou na estética de filmes completos. São exemplos a obra de Orson Welles; a homenagem de Woody Allen “Sombras e Nevoeiro” (Shadows and Fog, 1991); o remake de Werner Herzog, “Nosferatu, o Fantasma da Noite ” (Nosferatu: Phantom der Nacht, 1979); as distopias de ficção científica “Blade Runner: Perigo Iminente” de Ridley Scott (Blade Runner, 1982), fortemente influenciado por “Metrópolis”, e ” Cidade Misteriosa ” de Alex Proyas (Dark City, 1998); a obra em geral de Tim Burton, nomeadamente “Eduardo Mãos de Tesoura” (Edward Scissorhands, 1990), com um personagem que lembra o sonâmbulo Cesare, de “O Gabinete do Dr. Caligari”, e “Batman Regressa” (Batman Returns, 1992), onde Gotham City é desenhada para lembrar “Metropolis”.
Mas para além de a sua influência poder ser reconhecida em filmes ou cineastas individuais, o cinema expressionista alemão é sobretudo o grande influenciador do cinema de terror e do chamado Film Noir popularizado nos anos 40 em Hollywood, no qual brilharam realizadores como Fritz Lang, Billy Wilder, Robert Siodmak, Otto Preminger, Edgar G. Ulmer, entre outros, provindos da escola alemã.
Bibliografia consultada
- GREENCINE – German Expressionism. [em linha] David Hudson, actual. 2005-2006 [consult. 2012]. Disponível na Internet
- MADEIRA, Maria João (Ed.) – Murnau – As Folhas da Cinemateca. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 2011.
- MURNAU. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1989.
- VINCENDEAU, Ginette (Ed.) – Encyclopedia of European Cinema. Londres: BFI Publishing, 1995.
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Horror…!Horror…!Horror!!! – (Joseph Conrad/o Coração das Trevas)
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