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Category Archives: Universos Paralelos

Universos Paralelos – 24 – O universo detectivesco de Philip Marlowe

09 Segunda-feira Dez 2019

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Cinema, Detectives, Film Noir, Philip Marlowe, Podcast, Policial, Raymond chandler, Segundo Take, Universos Paralelos

Universos Paralelos - 24 - O universo detectivesco de Philip Marlowe

Pode ouvir aqui o vigésimo quarto episódio de Universos Paralelos:
PODCAST

E ler a respectiva folha de sala aqui:
FOLHA DE SALA

 

Universos Paralelos é um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), produzido e apresentado mensalmente no website Segundo Take.

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Universos Paralelos – 24 – O universo detectivesco de Philip Marlowe

05 Quinta-feira Dez 2019

Posted by jc in Universos Paralelos

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Cinema, Detectives, Film Noir, Philip Marlowe, Podcast, Policial, Raymond chandler, Segundo Take, Universos Paralelos

Universos Paralelos

Na segunda-feira completamos dois anos, com o vigésimo quarto episódio de Universos Paralelos, da autoria do António Araújo (Segundo Take), do José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e do Tomás Agostinho (Imaginauta).

Nele, vamos investigar o universo detectivesco de Philip Marlowe, a mais célebre criação de Raymond Chandler:
podcast

 

O universo detectivesco de Philip Marlowe

Raymond Chandler

Em 1932, aos 44 anos, Raymond Chandler virou-se para a escrita depois de perder o emprego como executivo numa empresa petrolífera. Por esta altura, já tinha tido experiência para várias vidas. Nascido em Chicago em 1888, viveu com a mãe em Londres depois do pai abandonar a família. Naturalizado inglês para se tornar funcionário público, Chandler viria a virar as costas a essa actividade para experimentar sem sucesso uma carreira no jornalismo. O suicídio do amigo autor e poeta Richard Barham Middleton, que considerava ser mais talentoso do que o próprio, impressionou-o e desmoralizou-o de prosseguir uma carreira na escrita nesse momento. De regresso aos EUA, foram precisas várias actividades profissionais, as trincheiras da Primeira Grande Guerra em França e a Grande Depressão, ajudadas pelo alcoolismo, absentismo, volatilidade e avanços impróprios sobre colegas femininas, para se encontrar no desemprego e obrigar-se a escrever ficção pulp como meio de subsistência.

Depois de publicar textos na revista Black Mask e vários contos, o primeiro romance “The Big Sleep”, em 1939, viu nascer o detective Philip Marlowe, a sua criação definitiva. Juntamente com outros autores contemporâneos, como Dashiell Hammemett, James M. Cain ou Mickey Spillane, foi um dos nomes responsáveis pelo estilo hard-boiled. Numa reacção aos rígidos costumes, moralismo social e sexual, fundamentalismo religioso e exploração capitalista da era vitoriana — frequentemente alvo de ácidas farpas nos textos de Chandler —, e na sequência da violência do crime organizado e da corrupção do sistema legal americano durante a Proibição da segunda década do século XX, os romances hard-boiled criaram, com os seus detectives cínicos, anti-heróis que gastavam a sola dos sapatos nas ruas violentas e navegavam a linha ténue entre os criminosos e os agentes da lei. Não espanta, portanto, que este género tenha andado de mão dada com o film noir na sétima arte, servindo de base a inúmeras adaptações ao grande-ecrã.

Marlowe, não só substituiu os protagonistas dos contos anteriores de Chandler em edições futuras, como protagonizou as restantes histórias e romances escritos pelo autor, como os celebrados “Farewell, My Lovely” (1940) ou “The Long Goodbye” (1953). Dos oito romances publicados — o último, “Poodle Springs”, foi completado por Robert B. Parker trinta anos depois da morte de Chandler, em 1959 — apenas “Playback” (1958) não foi adaptado ao cinema, sendo que alguns foram-no mais do que uma vez. Assim, e apesar do retrato icónico de Philip Marlowe por Humphrey Bogart — “À Beira do Abismo” (The Big Sleep, Howard Hawks, 1946) —, muitos foram os actores que vestiram a gabardina e o chapéu do detective: George Sanders, Lloyd Nolan, Dick Powell, George Montgomery, Robert Montgomery, na década de quarenta, James Garner, em 1969, Robert Mitchum (o único actor que interpretou Marlowe por duas vezes) e o improvável Elliot Gould na década de setenta, e, por fim, James Caan, no final dos anos noventa.

Além de influenciar estilisticamente a literatura popular americana, Raymond Chandler também escreveu para cinema, adaptando obras de outros autores — “Pagos a Dobrar” (Double Indemnity, Billy Wilder, 1944), adaptando James M. Cain em colaboração com o realizador, ou “O Desconhecido do Norte-Expresso” (Strangers on a Train, Alfred Hitchcock, 1951), numa adaptação, com Czenzi Ormonde, de um romance de Patricia Highsmith — e escrevendo argumentos originais, como “A Dália Azul” (The Blue Dahlia, George Marshall, 1946). No entanto, interessa-nos aqui a sua criação central, Philip Marlowe, o seu papel na definição do estilo hard-boiled e os vários retratos do detective privado no cinema, tanto no contexto do film noir como em adaptações posteriores.

António Araújo, Agosto de 2019.

 

Fontes primárias

Romances

  • The Big Sleep (1939) Alfred A. Knopf, New York
  • Farewell, My Lovely (1940) Alfred A. Knopf, New York
  • The High Window (1942) Alfred A. Knopf, New York
  • The Lady in the Lake (1943) Alfred A. Knopf, New York
  • The Little Sister (1949) Hamish Hamilton, London
  • The Long Good-bye (1953) Hamish Hamilton, London
  • Playback (1958) Hamish Hamilton, London
  • Raymond Chandler deixou um romance inacabado, completado em 1989 por Robert B. Parker como Poodle Springs

Colecções de contos / novelas

  • Five Murderers (1944) Avon Books, New York
  • Five Sinister Characters (1945) Avon Books, New York
  • Red Wind (1946) World Publishing Co, Cleveland, OH
  • Spanish Blood (1946) World Publishing Co, Cleveland, OH
  • Finger Man, and Other Stories (1947) Avon Books, New York
  • The Simple Art of Murder (1950) Houghton Mifflin Harcourt, Boston
  • Trouble Is My Business (1950) Penguin Books, Harmondsworth
  • Pick-up on Noon Street (1952) Pocket Books, New York
  • Smart-Aleck Kill (1953) Hamish Hamilton, London
  • Pearls Are a Nuisance (1958) Hamish Hamilton, London
  • Killer in the Rain (1964) Hamish Hamilton, London
  • The Smell of Fear (1965) Hamish Hamilton, London

Cinema

  • Falcão Detective (The Falcon Takes Over, Irving Reis, 1942). Adaptação de “Farewell My Lovely” com o detetive Falcon substituindo Marlowe. George Sanders interpretou Falcon
  • Time to Kill (Herbert I. Leeds, 1942). Adaptação de “The High Window” com o detetive Michael Shayne no lugar de Marlowe. Lloyd Nolan é Shayne
  • Enigma (Murder, My Sweet, Edward Dmytryk, 1944). Adaptação de “Farewell My Lovely”. Dick Powell como Marlowe
  • À Beira do Abismo (The Big Sleep, Howard Hawks, 1946). Humphrey Bogart como Marlowe
  • A Dama do Lago (Lady in the Lake, Robert Montgomery, 1947). Robert Montgomery como Marlowe
  • A Moeda Maldita (The Brasher Doubloon, John Brahm, 1947. Adaptação em produção britânica de “The High Window”. George Montgomery interpreta Marlowe
  • Detective em Acção (Marlowe, Paul Bogart, 1969). Adaptação de “The Little Sister”. James Garner como Marlowe
  • O Imenso Adeus (The Long Goodbye, Robert Altman, 1973). Elliott Gould interpreta Marlowe
  • O Último dos Duros (Farewell, My Lovely, Dick Richards, 1975). Robert Mitchum interpreta Marlowe
  • O Sono Derradeiro (The Big Sleep, Michael Winner, 1978). Robert Mitchum interpreta Marlowe

Rádio e Televisão

  • Lux Radio Theatre, Murder My Sweet, adaptação do filme de 1944, CBS, 11 de junho de 1945 (Dick Powell como Marlowe)
  • The New Adventures Of Philip Marlowe, série de rádio da NBC, 17 de junho de 1947 a 9 de setembro de 1947. (Van Heflin como Marlowe)
  • Suspense, rádio CBS, 10 de janeiro de 1948 (participação na série com Robert Montgomery em The Adventures of Sam Spade (crossover), “The Kandy Tooth”)
  • Hollywood Star Time, Murder My Sweet, adaptação do filme de 1944, rádio CBS, 8 de junho de 1948 (Dick Powell como Marlowe)
  • The Adventures Of Philip Marlowe, série da rádio CBS, 26 de setembro de 1948 até 15 de setembro de 1951. (Gerald Mohr como Marlowe)
  • Climax!, The Long Goodbye, adaptação do livro, TV CBS, 7 de outubro de 1954 (Dick Powell como Marlowe)
  • Philip Marlowe, TV ABC, 6 de outubro de 1959 até 29 de março de 1960. (Philip Carey como Marlowe)
  • Philip Marlowe, Private Eye, Sére da London Weekend Television/HBO Television, 16 de abril de 1983 até 18 de maio de 1983, 27 de abril de 1986 até 3 de junho de 1986) (Powers Boothe como Marlowe)
  • The BBC Presents: Philip Marlowe, Série de rádio da BBC, 26 de setembro de 1977 até 23 de setembro de 1988. (Ed Bishop como Marlowe)
  • Fallen Angels, “Red Wind”, adaptação do conto, Showtime Television, 26 de novembro de 1995. (Danny Glover como Marlowe)
  • Crime no Nevada (Poodle Springs), adaptação do livro “Poodle Springs” (um fragmento completado por Robert B. Parker), filme da HBO Television, 25 de julho de 1998. (James Caan como Marlowe)

 

Fontes secundárias

Literatura

  • Triste, solitario y final (de Osvaldo Soriano, 1974. Marlowe aparece como uma personagem)
  • Raymond Chandler’s Philip Marlowe: a Centennial Celebration (colecção de contos de outros autores, ed. Byron Preiss, 1988, ISBN 1-59687-847-9, e 1999, ISBN 0-671-03890-7, com duas novas histórias)
  • Poodle Springs (de Robert B. Parker, 1990, finalização do livro de Chandler)
  • Perchance to Dream (de Robert B. Parker, 1991, escrito como uma sequência para The Big Sleep)
  • Orange Curtain (de John Shannon; Marlowe aparece aposentado como uma pessoa real modelada conforme as novelas de Chandler)
  • Dealer’s Choice (de Sara Paretsky; sátira dos detectives particulares usando Marlowe como protagonista)
  • The Singing Detective (de Dennis Potter; o protagonista muda o nome para Marlowe)

Universos Paralelos – 23 – Os meta-gritos de Wes Craven

19 Terça-feira Nov 2019

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Universos Paralelos - 23 - Os meta-gritos de Wes Craven

Pode ouvir aqui o vigésimo terceiro de Universos Paralelos:
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Universos Paralelos é um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), produzido e apresentado mensalmente no website Segundo Take.

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Universos Paralelos – 23 – Os meta-gritos de Wes Craven

14 Quinta-feira Nov 2019

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Universos Paralelos

Na segunda-feira teremos o vigésimo terceiro episódio de Universos Paralelos, da autoria do António Araújo (Segundo Take), do José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e do Tomás Agostinho (Imaginauta).

Desta vez vamos dissecar o subgénero slasher a partir de dentro com a série “Scream”, de Wes Craven:
podcast

 

Os meta-gritos de Wes Craven

Wes Craven

John Carpenter deu início de forma involuntária, com “O Regresso do Mal” (Halloween, 1978), ao crescimento do subgénero do terror que viria a ficar conhecido como slasher. As grandes produtoras de Hollywood foram imediatamente atrás dos cifrões do sucesso sem precedentes da brilhante produção de baixos custos e altíssimos rendimentos que viu nascer Michael Myers. “Sexta-Feira 13” (Friday the 13th, Sean S. Cunningham, 1980) foi o primeiro sucedâneo confeccionado para as grandes massas que deu origem a um infindável número de sequelas que viram nascer Jason Vorhees, um de três assassinos em série popularizados(!) nos anos oitenta, transformados em autênticos heróis e ícones da cultura popular. O terceiro vértice deste triângulo de figuras que marcaram o zeitgeist desta década, Freddy Krueger, foi, também ele, uma criação “acidental”: Wes Craven não tinha previsto o sucesso de “O Pesadelo em Elm Street” (A Nightmare in Elm Street, 1984), um filme muito pessoal, transformado em franchise pela New Line Cinema na peugada da popularidade crescente do género. É legítimo dizer-se que o realismo visceral da década de setenta deu lugar a fantasias de estética MTV em que o terror mainstream capitalizou com a exploração de (aparentemente) imortais assassinos psicopatas e pedófilos que assombravam os sonhos e as esperanças dos adolescentes incautos, deleitando-se com o vislumbre dos seus interiores e com o carmesim do sangue que jorrou abundantemente dos seus corpos mutilados.

Apesar de Michael, Jason e Freddy arrastarem as suas carcaças (mais ou menos) putrefactas pela década de noventa adentro, quando Wes Craven finalmente regressou a Elm Street, aproveitou a oportunidade para comentar sobre o estado da indústria cinematográfica, nomeadamente do género que nunca conseguiu sacudir com sucesso, e da sua relação com os mitos que criara. “O Novo Pesadelo de Freddy Krueger” (Wes Craven’s New Nightmare, 1994) foi um brilhante e incompreendido exercício de reflexão metafísica que levantou o espelho não só aos criadores dos filmes de terror (na sequência do sucesso do slasher), como aos fãs que idolatraram estes monstros assustadores, retirando-lhes ameaça e, mais importante que tudo, relevância narrativa. Esta, no entanto, não foi a última palavra de Craven sobre o assunto. Numa tempestade perfeita de intenções, juntou-se em 1996 ao argumentista Kevin Williamson e à recém-criada Dimension Films, uma subsidiária dos irmãos Weinstein para cinema de terror fora da alçada da prestigiada Miramax, para a criação de “Gritos” (Scream). Sob a aparência de um típico filme slasher dos anos oitenta, com elenco jovem alinhado para a carnificina, Williamson ofereceu finalmente um filme de terror auto-consciente, ou seja, um filme de terror num universo onde filmes de terror existem e onde os adolescentes comentavam a sua própria representação no grande-ecrã.

Ao reconhecer o legado da cultura popular em que o próprio se inseria, “Gritos” pôde ter o bolo e comê-lo ao mesmo tempo. Ou seja, pôde comentar sobre os lugares-comuns do género ao mesmo tempo que os usava eficazmente. Na sequência do sucesso inesperado, a mesma equipa voltou imediatamente no ano seguinte para uma sequela. Além de estender as suas reflexões espirituosas à mecânica das sequelas, “Gritos 2” (Scream 2) sublinha a sátira à indústria cinematográfica, às suas muletas narrativas e à forma como se relaciona com – e (des)responsabiliza dos – conteúdos temáticos que produzem para entretenimento. Este capítulo vem também marcar o início de uma nova tendência, fruto das tecnologias emergentes: a disponibilização e instantânea disseminação do guião na internet, obrigando a alterações narrativas em plena produção para despistar os fãs mais ansiosos. Entretanto, com Kevin Williamson ocupado com outros projectos, Ehren Kruger tomou as responsabilidades de escrita para o fecho da trilogia em 2000: “Gritos 3” (Scream 3). Com segurança redobrada e finais alternativos filmados para baralhar os mais curiosos, este é um fechar de ciclo – inaugurado, na verdade, com “O Novo Pesadelo de Freddy Krueger”. O subtexto torna-se agora texto e o alvo são os abusos de poder em Hollywood e a capacidade da máquina dos sonhos para corromper vítimas inocentes. Apesar de menos bem recebido, será este um título visionário?

Nos anos que se seguiram a “Gritos 3”, o sucedâneo “Destino Final” (Final Destination, James Wong, 2000) deu origem a incontáveis sequelas, “Hostel” (Eli Roth, 2005) e “Saw – Enigma Mortal” (Saw, James Wan, 2004) deram o pontapé de saída ao torture porn – e este último deu origem a incontáveis sequelas –, “Actividade Paranormal” (Paranormal Activity, Oren Peli, 2007) roubou a coroa do found footage a “O Projecto Blair Witch” (The Blair Witch Project, Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999) e deu origem a incontáveis sequelas. Além disso, nenhuma das três figuras de proa do slasher entretanto mortas e enterradas no virar do milénio pôde dormir o seu sono eterno descansado: todos eles foram reanimados para realidades mais violentas e anacrónicas em remakes pouco memoráveis: “Halloween” (Rob Zombie, 2007), “Sexta-Feira 13” (Friday the 13th, Marcus Nispel, 2009) e “Pesadelo em Elm Street” (A Nightmare on Elm Street, Samuel Bayer, 2010). Em resposta, Craven e Williamson voltaram a reunir-se para, estragando a redonda trilogia original, voltar a comentar com “Gritos 4” (Scream 4) sobre o seu próprio legado, a evolução do género de terror na década que o antecedeu – com intermináveis sequelas e remakes –, e a relação dos fãs com este tipo de filmes violentos. Tudo isto sem descurar a crescente importância dos telemóveis, da internet e da quimera pela popularidade instantânea online, entretanto temáticas centrais da ignorada série televisiva “Scream: The TV Series”, estreada em 2015 na MTV.

António Araújo, Junho 2019.

 

Fontes primárias

Cinema

  • O Novo Pesadelo de Freddy Krueger (Wes Craven’s New Nightmare, Wes Craven, 1994)
  • Gritos (Scream, Wes Craven, 1996)
  • Gritos 2 (Scream 2, Wes Craven, 1997)
  • Gritos 3 (Scream 3, Wes Craven, 2000)
  • Gritos 4 (Scream 4, Wes Craven, 2011)

Televisão

  • Scream: The TV Series (2015-2016, MTV; 2019- , VH1)

 

Fontes secundárias

Literatura

  • Bronsnan, J. (2000) Scream:Unofficial Guide Trilogy: The Unofficial Guide to the “Scream” Trilogy. London: Boxtree.
  • Robb, B. (2000) Screams and Nightmares: The Films of Wes Craven. New York: Harry N. Abrams.

Documentários

  • Still Screaming: The Ultimate Scary Movie Retrospective (Ryan Turek, 2011) (https://www.youtube.com/watch?v=Jc7npWd3Xpc)

Universos Paralelos – 22 – A odisseia metafísica de Arthur C. Clarke

22 Terça-feira Out 2019

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Universos Paralelos - 22 - A odisseia metafísica de Arthur C. Clarke

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Universos Paralelos – 22 – A odisseia metafísica de Arthur C. Clarke

18 Sexta-feira Out 2019

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Universos Paralelos

Esta segunda-feira teremos o vigésimo segundo episódio de Universos Paralelos, da autoria do António Araújo (Segundo Take), do José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e do Tomás Agostinho (Imaginauta).

Este episódio leva-nos pelas odisseias metafísico-espaciais de Arthur C. Clarke na saga 2001, e pode ser ouvido aqui:
podcast

 

A odisseia metafísica de Arthur C. Clarke

Quando, a 12 de Setembro de 1962, o presidente norte-americano John F. Kennedy proferiu o famoso discurso no qual prometia, até ao final da década, colocar um homem na Lua, estava não só a trazer uma desejada lufada de optimismo à sociedade do seu país, como a fazer com que uma nova geração olhasse para a exploração espacial como algo bem mais tangível do que até aí a incipiente ficção científica de então deixara adivinhar.

Se, no papel, essa ficção científica tinha gerado obras hoje consideradas clássicas — de Jules Verne a H. G. Wells, por exemplo —, no cinema a situação era diferente. Aí, a ideia de exploração espacial era mais devedora de space-operas que seguiam as heróicas aventuras de Flash Gordon, Buck Rodgers e John Carter, as primeiras duas serializadas para o grande ecrã. O pós-guerra trouxe uma sensibilidade diferente — e mais negativa — sobre a ciência, que no cinema se traduziu em catastróficas invasões extra-terrestres e terríficos ataques de monstros mutantes (com as notáveis excepções de “Planeta Proibido” e “Destination Moon”). Mas ainda faltava algo para que o cinema levasse a ciência a sério, tentando envolver-se na corrida espacial, adivinhando e resolvendo os problemas que se deparariam à NASA.

Entre as muitas pessoas que não deixavam de pensar no assunto por um segundo, estava Arthur C. Clarke, um cidadão britânico nascido em 1917, formado em física e matemática, e que, ao invés de seguir uma carreira académica, foi como diletante que deixou a sua marca (desde o momento em que ajudou a montar a rede de radares de defesa britânica durante a Segunda Guerra Mundial), organizando clubes de ciência e escrevendo para revistas, com trabalhos de grande qualidade, um dos quais o terá creditado como peça importante da teoria por detrás do uso de órbitas geoestacionárias para satélites de telecomunicações. Mas a paixão de Clarke era a escrita ficcional, veículo onde podia dar largas à imaginação, encontrando campo onde desenvolver e especular, onde a física, com as suas possibilidades e limitações, era sempre o ponto de partida.

Com 11 dos seus mais de 30 romances (a que se juntam dezenas de contos) já publicados, Arthur C. Clarke foi interpelado por Stanley Kubrick, que o queria usar como argumentista de um filme de exploração espacial, que tratasse a ciência seriamente, servido de efeitos especiais ímpares. O casamento Clarke-Kubrick resultou na perfeição, e a partir de ideias presentes nalguns contos do primeiro — como “Encounter at Dawn” e “The Sentinel” —, o duo desenvolveu “2001: Odisseia no Espaço”, num processo provavelmente único em que livro e filme foram trabalhados em paralelo, não sendo um sucedâneo do outro.

Com a conquista espacial, os pormenores dos desafios dela inerentes (os próprios astronautas do programa Apollo mais que uma vez referiram o filme como algo que eles pareciam estar a imitar), os perigos da inteligência artificial, a relação do homem com o transcendente e todos os mistérios que o universo ainda nos irá colocar, Clarke e Kubrick conquistariam o mundo, numa obra incontornável na sua importância na história do cinema e da ficção científica em geral. A precisão e imaginação de Clarke, aliadas à visão, estética e técnica perfeita de Kubrick, resultaram num filme que ainda hoje é o padrão pelo qual todas as obras cinematográficas de ficção científica se medem, para lá de nos dar um conjunto de momentos icónicos que todos conhecemos, e o mais célebre computador da história da ficção: o infame HAL 9000.

O sucesso resultou também na apreciação do livro que surgiu pouco depois do filme, e que ajudou a cimentar o estatuto de Arthur C. Clarke como um dos chamados “Big Three” da literatura de ficção científica (a par de Robert A. Heinlein e Isaac Asimov), e levou a que, em 1982, surgisse a sequela literária “2010: Segunda Odisseia”. Esta foi imediatamente adaptada ao cinema, por Peter Hyams, já sem a pretensão estética de Kubrick, resultando num filme interessante, onde os ecos da era-Reagan alteravam o tom da história original, a qual trazia uma curiosa colaboração entre EUA e URSS a bem do futuro da humanidade.

Sem o mesmo impacto do filme original, “2010: O Ano do Contacto” (1984) voltava a especular sobre o facto de estarmos ou não sós no universo, mas terá chegado num momento em que o mundo do cinema tinha outras preocupações temáticas. Tal não impediu Arthur C. Clarke de continuar a cuidar deste seu universo onde monólitos negros fazem um estranho contacto com a Terra, trazendo mensagens sobre vida noutros planetas, alterando a ordem do Sistema Solar e fazendo-nos sonhar com a exploração espacial, tal a escrita escorreita de Clarke e o seu modo de nos dar aulas de física em exemplos concretos bem simples, em que até aí nunca pensáramos.

Surgirão assim mais dois livros, “2061: Terceira Odisseia (1987)” e “3001: Odisseia Final (1997)”, estes nunca adaptados ao cinema, e que, de um modo cientificamente bem mais especulativo que os dois primeiros, apontam um futuro possível para a espécie humana, onde o contacto extraterrestre veio reorientar as prioridades do nosso planeta, fazendo-nos ultrapassar muitos erros e levando-nos a conquistar o Sistema Solar.

Com um imaginário ainda muito em aberto, e que continua a fascinar todos os que o descobrem, hoje parece-nos triste apenas que o ano de 2001 já tenha passado há quase duas décadas e a nossa condição como espécie inteligente pareça muito atrás daquilo que Clarke e Kubrick nos vaticinaram. Mas a NASA voltou recentemente a relançar o regresso à Lua. Estará lá um monólito negro à nossa espera?

José Carlos Maltez, Setembro 2019.

 

Fontes primárias

Bibliografia

  • Clarke, Arthur C. (1948) The Sentinel. [inicialmente publicado na revista 10 Story Fantasy]
  • Clarke, Arthur C. (1953) Encounter at Dawn. [inicialmente publicado na revista Amazing Stories]
  • Clarke, Arthur C. (1968) 2001: A Space Odyssey. London: Hutchinson. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]
  • Clarke, Arthur C. (1982) 2010: Odyssey Two. London: Granada Publishing Ltd. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]
  • Clarke, Arthur C. (1987) 2061: Odyssey Three. London: Del Rey Books. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]
  • Clarke, Arthur C. (1997) 3001: The Final Odyssey. London: Ballantine Books. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]

Cinema

  • 2001: Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, Stanley Kubrick, 1968)
  • 2010: O Ano do Contacto (2010: The Year We Make Contact, Peter Hyams, 1984)

 

Fontes secundárias

Literatura

  • Agel, J. (ed.) (1970) The Making of Kubrick’s 2001. New York City, NY: Signet Books.
  • Clarke, A. C. (1972) The Lost Worlds of 2001. New York City, NY: New American Library.
  • Hughes, D. (2001) The Complete Kubrick. London: Virgin Books.
  • Benson, M (2018) Space Odyssey: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke, and the Making of a Masterpiece. New York City, NY: Simon & Schuster.

Documentários

  • Standing on the Shoulders of Kubrick: The Legacy of “2001: A Space Odyssey” (Gary Leva, 2007) (https://www.youtube.com/watch?v=gW7-VnIqKhM)

 

Outras referências

Literatura

  • Clarke, Arthur C. (1953) Expedition to Earth. London: Ballantine Books. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]
  • Clarke, Arthur C. (1986) The Songs of Distant Earth. London: Grafton Books. [Tradução portuguesa por Publicações Europa-América]

Cinema

  • Estrada do Inferno (Countdown, Robert Altman, 1967)
  • Perdidos no Espaço (Marooned, John Sturges, 1969)
  • Solaris (Solyaris, Andrei Tarkovsky, 1972)
  • Estrela Negra (Dark Star, John Carpenter, 1974)
  • O Caminho das Estrelas (Star Trek: The Motion Picture, Robert Wise, 1979)
  • Contacto (Contact, Robert Zemeckis, 1997)
  • O Enigma do Horizonte (Event Horizon, Paul W.S. Anderson, 1997)
  • Missão a Marte (Mission to Mars, Brian De Palma, 2000)
  • WALL·E (Andrew Stanton, 2008)
  • Gravidade (Gravity, Alfonso Cuarón, 2013)
  • Europa Report (Sebastián Cordero, 2013)
  • Uma História de Amor (Her, Spike Jonze, 2013)
  • Interstellar (Christopher Nolan, 2014)
  • Primeiro Encontro (Arrival, Denis Villeneuve, 2016)

Televisão

  • Arthur C. Clarke’s Mysterious World (1980, ITV)
  • Nightflyers (2018-2019, Syfy)

Universos Paralelos – 21 – As indeterminações alienígenas de Dan O’Bannon, H. R. Giger e Ridley Scott

23 Segunda-feira Set 2019

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Alien, Cinema, Dan O'Bannon, Ficção Científica, H. R. Giger, Podcast, Ridley Scott, Segundo Take, Terror, Universos Paralelos

As indeterminações alienígenas de Dan O'Bannon, H. R. Giger e Ridley Scott

Pode ouvir aqui o vigésimo primeiro episódio de Universos Paralelos:
PODCAST

Universos Paralelos é um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), produzido e apresentado mensalmente no website Segundo Take.

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Universos Paralelos – 20 – Nas asas da imaginação de Miyazaki

26 Segunda-feira Ago 2019

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Animação, Cinema, Cinema japonês, Estúdios Ghibli, Fantasia, Hayao Miyazaki, Podcast, Segundo Take, Universos Paralelos

Universos Paralelos - 20 - Nas asas da imaginação de Miyazaki

Pode ouvir aqui o vigésimo episódio de Universos Paralelos:
PODCAST

E ler a respectiva folha de sala aqui:
FOLHA DE SALA

 

Universos Paralelos é um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), produzido e apresentado mensalmente no podcast Segundo Take.

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Universos Paralelos – 20 – Nas asas da imaginação de Miyazaki

22 Quinta-feira Ago 2019

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Animação, Cinema, Cinema japonês, Estúdios Ghibli, Fantasia, Hayao Miyazaki, Podcast, Segundo Take, Universos Paralelos

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É já segunda-feira que chega o vigésimo episódio de Universos Paralelos, da autoria do António Araújo (Segundo Take), do José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e do Tomás Agostinho (Imaginauta).

Desta vez dedicamo-nos a analisar o universo fantasioso de Hayao Miyazaki, com especial destaque para as longas-metragens para cinema produzidas nos estúdios Ghibli, e pode ouvir-nos aqui:
podcast

 

Nas asas da imaginação de Miyazaki

Hayao Miyazaki num tributo ao seu universo de animação

12 de Julho de 1945. A cidade de Utsunomiya, no Japão, era vítima de um ataque aéreo, dizimando cerca de metade da cidade. Nesse mesmo local, e durante toda a Segunda Grande Guerra, a Miyazaki Airplane, gerida por Katsuji Miyazaki, fornecia lemes para os míticos caças Mitsubishi A6M Zero, utilizados pela Marinha Imperial Japonesa.

Tanto o bombardeamento como o trabalho desenvolvido pelo seu pai marcaram e vieram a influenciar fortemente a imaginação e o trabalho de Hayao Miyazaki, mestre da animação e da arte de contar histórias e sobre quem me debruço no presente texto.

Começou por trabalhar na Toei Animation, onde conheceu Isao Takahata, co-fundador dos estúdios Ghibli e colaborador de longa data. Durante o seu tempo nesse estúdio, e posteriormente na Nippon Animation, Miyazaki veio a desenvolver trabalhos com Takahata, como “Heidi” (Arupusu no Shōjo Haiji, 1974) e “Marco: Dos Apeninos aos Andes” (Haha o Tazunete Sanzenri, 1976). Talvez o seu trabalho mais significativo pré-Ghibli tenha sido “Conan, o Rapaz do Futuro” (Mirai Shōnen Konan, 1978), uma série televisiva de 26 episódios, sobre a história de um rapaz (e de uma rapariga e do seu amor – tema recorrente na sua obra) e das suas aventuras enquanto atravessa um mundo pós-apocalíptico, destruído pela sede de violência entre o Homem.

Existe uma certa linha contínua temática que parece unir o trabalho de Miyazaki, que começa muito antes da fundação dos estúdios Ghibli, como podemos ver em “Marco” e “Heidi” — a preocupação com a família, com os amigos ou a denúncia da simples beleza presente numa aventura — ou numa preocupação já cada vez mais estética como vemos tomar forma em “Conan”, ou de maneira bastante mais evidente no seu último filme antes da fundação dos estúdios míticos, “Nausicaä do Vale do Vento” (Kaze no tani no Naushika, 1984). “Nausicaä” é um filme quase tão indistinto dos outros filmes que Miyazaki produz durante a sua era dourada nos estúdios, que parece apenas justo atribuir ao filme uma afiliação honorária. Vai buscar a “Conan” não só os temas da guerra e as suas desastrosas consequências, como o próprio viveu em 1945, mas também dois elementos basilares do seu trabalho, a família — que de forma tão bela nos mostra que existe outra para além da de sangue — e a aventura. Introduz, no entanto, um novo e incrivelmente recorrente tema, o do voar, tanto na sua acepção mais literal, como podemos ver através da presença de várias naves e outros objectos voadores, como o planador de Nausicaä, mas também na sua face mais metafórica ou espiritual, o voar para outros mundos, o sonhar. Este sonhar é, no fundo e no princípio, o motor central do trabalho do autor. Vemo-lo tomar formas mais concretas como nos filmes em que o céu e a aviação tomam papéis essenciais na narrativa, como “Nausicaä”, “O Castelo no Céu” (Tenkû no shiro Rapyuta, 1986), “Kiki – A Aprendiz de Feiticeira” (Majo no takkyûbin, 1989), “Porco Rosso – O Porquinho Voador” (Kurenai no buta, 1992), ou de forma não só literal, mas incrivelmente realista também, n’”As Asas do Vento” (Kaze tachinu, 2013), que se não fosse o seu regresso da reforma teria sido o filme perfeito para terminar uma grande carreira. Noutros filmes, o voar projecta-se para o domínio do onírico, “A Viagem de Chihiro” (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001), “O Castelo Andante” (Hauru no ugoku shiro, 2004) ou “Ponyo à Beira-Mar” (Gake no ue no Ponyo, 2008) são exemplos claros disso. Onde o sonho predomina e o espectador é totalmente transportado para um mundo com poucos referentes visuais externos, enquanto que nos outros filmes supra-mencionados, a fantasia e a realidade parecem coexistir numa malha harmoniosa, temos normalmente espaços conhecidos com elementos e personagens fantasiosas, do mais sóbrio (“As Asas do Vento”) ao mais fictício (“O Castelo no Céu” / “Porco Rosso”), tendo “Nausicaä” como saudável excepção. Entre este tema central do sonho e do voo, Miyazaki parece ainda querer apresentar uma preocupação de cariz mais natural, a da defesa da Terra e dos seus recursos. O tema do ambiente é fortemente explorado em “A Princesa Mononoke” (Mononoke-hime, 1997), onde o conto toma contornos de uma fábula, da defesa da Natureza, como sendo o ponto de equilíbrio do Mundo.

Encontramos entre estes, temas outros ainda com uma enorme transversalidade: o feminismo e a presença forte de heroínas — nas palavras do próprio sobre as suas personagens femininas «valentes, raparigas auto-suficientes que não pensam duas vezes sobre lutar pelo que acreditam com todo o seu coração […] podem precisar de um amigo, de um apoiante, mas nunca de um salvador […] qualquer mulher é tão capaz de ser um herói como qualquer homem» —, a exploração narrativa de momentos de transição na vida uma pessoa, frequentemente entre a vida juvenil e adulta, e a existência de uma tragédia que incita o enredo, servindo de motivação para resolver os dilemas do herói.

Chegamos ao momento de confluência de uma carreira rica com o filme mais recente do autor, “As Asas do Vento”. Um filme que vem repescar a temática da aviação e das Grandes Guerras, tal como já tínhamos visto em “Porco Rosso”. Desta vez, e pela primeira vez, temos um filme que decorre na sua totalidade num universo reconhecível, não-mágico e inteiramente habitado por humanos. Baseia-se ainda na vida de uma personalidade histórica, Jiro Horikoshi, designer de aviões e responsável pelo mítico Mitsubishi A6M Zero, reforçando a ligação não só com o mundo real, mas também com a própria vida de Miyazaki e do seu pai. O filme continua a recorrer ao uso do onírico, para criar uma ligação entre Jiro e Giovanni Battista Caproni, outra personagem histórica, que aqui serve de mestre ao nosso herói, mas que também terá tido uma influência na vida de Miyazaki, dado que o nome Ghibli vem do avião Caproni Ca.309 Ghibli, concebido pela empresa do próprio Caproni, entrelaçando ainda mais a vida do cineasta com a vida do nosso protagonista, tornando este talvez o filme mais pessoal da sua filmografia. Mas o filme não se contém numa recriação (ficcional) da história, pois mantém toda a tradição temática e estética do animador, correspondendo a uma declaração de fé no poder dos sonhos, como força motriz do trabalho: vida, e amor num uno sem qualquer atrito — um ideal representado aqui pelo desejo de Jiro de conceber um avião impossivelmente leve e célere. Esta necessidade de canalizar os nosso sonhos para o trabalho toma, de facto, a sua forma mais concreta neste último filme, mas encontramo-la presente desde o início — não esquecer que aquilo que motiva inicialmente Pazu (d’”O Castelo no Céu”, o primeiro filme totalmente Ghibli) a procurar a cidade perdida (e curiosamente voadora) de Laputa é o desejo de ser — e quiçá reencontrar — como o seu pai, piloto e aventureiro dos céus, e de ser o primeiro a aterrar nessa cidade desaparecida.

Miyazaki não se despede com este filme, que seria um adeus incrivelmente poderoso e emocional, como o filme nos mostra, mas volta de uma curta reforma para realizar “How Do You Live?” (Kimitachi wa dô ikiru ka, 2020). A estrear por volta da altura dos Jogos Olímpicos de 2020, Miyazaki pretende com esta obra escrever uma carta ao seu neto, talvez numa tentativa de ser o parente que nunca foi para o seu filho, Gorō. O filme debruça-se sobre os vários passos que levam um rapaz a tornar-se num adulto, física e espiritualmente.

Talvez seja o melhor cineasta de animação da história, dada a profundidade e mestria dos seus filmes, como Roger Ebert apontou, mas de uma coisa podemos ter a certeza, Miyazaki é o grande defensor do poder dos sonhos, da imaginação e da vitória da perseverança perante o mesmo.

Le vent se lève!
il faut tenter de vivre!

Tomás Agostinho, Agosto de 2019.

 

Fontes primárias

Bibliografia

  • Miyazaki, Hayao (1982/1988 – 1994/1996) Nausicaä of the Valley of the Wind (Kaze no Tani no Naushika). San Francisco, California: VIZ Media LLC.

Séries de Televisão

  • Heidi (Arupusu no Shōjo Haiji, 1974): animação
  • Marco: Dos Apeninos aos Andes (Haha o Tazunete Sanzenri, 1976): animação
  • Conan, o Rapaz do Futuro (Mirai Shōnen Konan, 1978): realização e animação

Cinema (longas-metragens)

  • Lupin III: O Castelo de Cagliostro (Rupan sansei: Kariosutoro no shiro, 1979)
  • Nausicaä do Vale do Vento (Kaze no tani no Naushika, 1984)
  • O Castelo no Céu (Tenkû no shiro Rapyuta, 1986)
  • O Meu Vizinho Totoro (Tonari no Totoro, 1988)
  • Kiki – A Aprendiz de Feiticeira (Majo no takkyûbin, 1989)
  • Porco Rosso – O Porquinho Voador (Kurenai no buta, 1992)
  • A Princesa Mononoke (Mononoke-hime, 1997)
  • A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001)
  • O Castelo Andante (Hauru no ugoku shiro, 2004)
  • Ponyo à Beira-Mar (Gake no ue no Ponyo, 2008)
  • As Asas do Vento (Kaze tachinu, 2013)

Cinema (curtas-metragens)

  • Yuki’s Sun (Yuki no taiyô, 1972)
  • Nandarou (1992)
  • Whale Hunt (Kujira tori, 2001)
  • Mei and the Kittenbus (Mei to Koneko basu, 2002)
  • Imaginary Flying Machines (Kûsô no sora tobu kikaitachi, 2002)
  • Koro’s Big Day Out (Koro no dai-sanpo, 2002)
  • House-hunting (Yadosagashi, 2006)
  • Monmon the Water Spider (Mizugumo Monmon, 2006)
  • The Day [I] Bought A Star (Hoshi wo katta hi, 2006)
  • Mr. Dough and the Egg Princess (Pan-dane to Tamago-hime, 2010)
  • Boro the Caterpillar (2018)

 

Fontes secundárias

Cinema

  • The Kingdom of Dreams and Madness (Yume to kyôki no ôkoku, Mami Sunada, 2013): documentário sobre os estúdios Ghibli.

Universos Paralelos no Facebook

20 Terça-feira Ago 2019

Posted by jc in Informação, Universos Paralelos

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Cinema, Podcast, Segundo Take, Universos Paralelos

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Activo desde Janeiro de 2018, com um episódio por mês (sai na próxima semana o episódio 20), o Universos Paralelos chega agora ao Facebook.

Siga-nos também por lá, onde teremos novidades, sugestões de leituras e visionamentos sobre o material com que vamos preparando cada episódio, e onde nos pode ir dando a sua opinião sobre os universos que vamos visitando.

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