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TenebrePeter Neal (Anthony Franciosa), viaja dos Estados Unidos para Roma para promover o seu novo livro “Tenebrae”, quando descobre que alguém anda a matar pessoas em Roma, usando o seu livro como inspiração. Com a ajuda dos assistentes Anne (Daria Nicolodi) e Gianni (Christian Borromeo), Peter decide investigar por conta própria, ignorando os conselhos do detective Germani (Giuliano Gemma), que teme pela sua vida. Os crimes sucedem-se, e Neal crê que o culpado seja o apresentador de televisão, e seu fã, Christiano Berti (John Steiner), ao mesmo tempo que desconfia que a sua noiva, enciumada, Jane McKerrow (Veronica Lario), o tenha seguido secretamente para Roma.

Análise:

Depois dos filmes de terror sobrenatural de forte vertente onírica que foram “Suspiria” (1977) e “Inferno” (1980), Dario Argento voltava, com “Tenebre”, a um cinema de temática mais realista, na senda do giallo – isto é, histórias policiais sangrentas em torno da descoberta de um serial killer –, género que ele ajudara a definir nos seus primeiros filmes. Sempre numa espécie de negócio de família (com o pai, Salvatore, a financiar, o irmão, Claudio, a produzir, e a esposa, Daria Nicolodi a interpretar), Dario Argento contava ainda com as habituais colaborações técnicas de Lamberto Bava e Michele Soavi (eles próprios a lançarem-se como realizadores no género do terror), e a música dos Goblin, aqui em nome próprio de três dos seus músicos: Massimo Morante, Fabio Pignatelli e Claudio Simonetti.

A história segue o afamado escritor norte-americano de romances policiais, Peter Neal (Anthony Franciosa), de viagem a Roma para promover o seu novo livro “Tenebrae”. Mesmo antes de Peter Neal aterrar, ocorre um crime violento em que uma mulher é assassinada com uma lâmina de barbear, e sufocada com páginas do livro de Neal. Tal traz o detective Germani (Giuliano Gemma) até Neal, ao mesmo tempo que este começa a receber telefonemas ameaçadores. Os crimes sucedem-se, e Neal, acompanhado da sua assistente Anne (Daria Nicolodi), começa agora a desconfiar que o criminoso possa ser ou a sua noiva Jane McKerrow (Veronica Lario), deixada para trás em ciúmes, ou o apresentador de televisão, e fã confesso, Christiano Berti (John Steiner). Resolvendo investigar por conta própria com o assistente Gianni (Christian Borromeo), Peter assiste à morte de Berti, e é aconselhado a deixar Roma. Sucedem-se as mortes do seu agente Bullmer (John Saxon) e da sua noiva Jane, a qual estava secretamente em Roma, onde era amante de Bullmer. Anne e o detective chegam ao apartamento de Jane a tempo de ver que o assassino é o próprio Neal, que aproveitou os crimes de Berti para o matar, e continuar a sua agenda de vingança contra Jane e o amante. Simulando a sua própria morte, Neal apanha o detective distraído e mata-o, mas acaba morto acidentalmente quando Anne, sem querer, faz cair sobre ele, uma escultura metálica pontiaguda.

Filmando em cenários naturais em Roma, procurando locais modernos (e interiores frios, cheios de ângulos agudos, como a peça artística com o que o filme termina), sem referências históricas, Argento tentou dar ao seu filme uma atmosfera contemporânea que o afastasse do terror mais clássico, virado para referências passadas. O autor disse-se inspirado por uma série de telefonemas ameaçadores da parte de alguém que o acusava de perturbar os espectadores com as suas imagens de crimes horrendos. Isso, tê-lo-á levado a construir uma história onde as referências entre crime e autores de ficção são fundamentais, já que, no filme, o assassino se inspira na obra do escritor ficcional Peter Neal, e numa conversa entre este e o seu admirador Christiano Berti, se fala das aberrações de comportamento, e o facto de o assassino do livro de Neal funcionar como um justiceiro contra comportamentos «aberrantes», algo que o próprio assassino do filme fará, em sua homenagem.

Como é sua imagem de marca, Argento não poupa nos litros de sangue. Temos uma morte de uma prostituta (Ippolita Santarelli) por degolação logo no prólogo, mais duas violentas mortes de um casal de lésbicas (Mirella D’Angelo e Ania Pieroni) do mesmo modo, e depois várias mortes à machadada (Lara Wendel e John Steiner), passando ainda por um sangrento ataque de um cão, e de algumas punhaladas e machadadas extra. Uma câmara meio nervosa (mais próxima da linguagem televisiva que cinematográfica), as paisagens parcas de gente e os travellings rasantes em direcção a algo que não sabemos o que é nem onde está, juntam-se à também tradicional câmara subjectiva, que nos dá o olhar do assassino, do qual se vê apenas uma luva negra (também por tradição, as mãos são as do próprio Argento).

Quanto ao enredo, passando pela ideia das mortes justiceiras de alguém que odeia comportamentos que se desviem da norma (prostituição, homossexualidade), Argento tenta complicar a vida do espectador ao desenhar a história com dois assassinos e não um, sendo o primeiro morto pelo segundo, que lhe usurpa o método para punir o adultério, tendo como álibi o facto de não ter estado presente no país quando ocorreram os crimes do primeiro. Por outro lado, e se quisermos atentar na meta-ficção presente no filme, se Neal rejeita de todo o facto de ser machista, como os seus livros sugerem (Argento era acusado do mesmo por matar tantas mulheres nos seus filmes), a verdade é que este autor – Neal – vai no final copiar o seu fã, e tornar-se ele próprio o criminoso que não quer que os seus livros inspirem. Que quererá Argento dizer com isso, ao chamar-se deste modo indirecto também passível de ser homicida?

Por fim, a inclusão das sequências em que uma bela mulher (Eva Robins) parece, numa praia, procurar a atenção sexual de vários homens em simultâneo para humilhar um deles, sequência essa que depois leva a outra onde a vemos várias vezes ser barbaramente assassinada, traz-nos um pouco um lado onírico. Memória, sonho ou fantasia, esse despoletar criminoso, ligado ao desejo sexual e humilhação, parece ser génese para a toda a trama, de um modo que só no final compreenderemos, mas que ajuda a complicar o mistério e motivações das personagens.

Como se não bastasse, vários autores têm chamado a atenção para a ideia dos dualismos no filme, como se cada ideia ou momento tivesse outra em duplicado, e cada personagem o seu doppelgänger. Há por um lado o dualismo entre realidade e ficção, há dois criminosos, temos dois pares de investigadores (os dois detectives, e par Neal-Anne), Neal tem o interesse de duas mulheres (Anne e Jane), etc.

Com lançamento limitado nas salas italianas, “Tenebre”, devido à sua violência extrema, foi exibido nos Estados Unidos apenas em 1984, e em nova montagem e nome “Unsane”. Já no Reino Unido, o filme foi catalogado na lista de “video nasties” tendo a sua venda estado proibida até 1999. Mas graças ao modo limpo de filmar, à complexidade dos temas e às alusões metaficcionais, “Tenebre” mantém-se como um dos clássicos de Dario Argento.

Veronica Lario em "Tenebre" (Tenebrae, 1982), de Dario Argento

Produção:

Título original: Tenebrae [Título alternativo: Unsane]; Produção: Sigma Cinematografica Roma; Produtor Executivo: Salvatore Argento; País: Itália; Ano: 1982; Duração: 101 minutos; Distribuição: Titanus (Itália), Anglo-American Films (Reino Unido); Estreia: 28 de Outubro de 1982 (Itália), Dezembro de 1987 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Dario Argento; Produção: Claudio Argento; Argumento: Dario Argento; Música: Simonetti, Pignatelli, Morante; Fotografia: Luciano Tovoli [filmado em Technovision, cor por Technicolor]; Montagem: Franco Fraticelli; Design de Produção: Giuseppe Bassan; Cenários: Tommaso Barbi, Maurizio Garrone; Figurinos: Pierangelo Cicoletti; Caracterização: Pierantonio Mecacci; Efeitos Especiais: Giovanni Corridori; Direcção de Produção: Giuseppe Mangogna.

Elenco:

Anthony Franciosa (Peter Neal), Christian Borromeo (Gianni), Mirella D’Angelo (Tilde), Veronica Lario (Jane McKerrow), Ania Pieroni (Elsa Manni), Eva Robins (Rapariga na Praia), Carola Stagnaro (Detective Altieri), John Steiner (Christiano Berti), Lara Wendel (Maria Alboretto), John Saxon (Bullmer), Daria Nicolodi (Anne), Giuliano Gemma (Detective Germani), Isabella Amadeo (Secretária de Bullmer), Mirella Banti (Marion), Ennio Girolami (Gerente da Loja), Monica Maisani, Marino Masé (John), Fulvio Mingozzi (Alboretto, O Concierge), Giampaolo Saccarola (Médico Legista), Ippolita Santarelli (Prostituta), Francesca Viscardi, Dario Argento (Narrator na Versão Italiana / Mãos do Assassino) [não creditado], Lamberto Bava (Reparador do Elevador) [não creditado], David Graham (Dobragem de voz de Giuliano Gemma) [não creditado], Theresa Russell (Dobragem de voz de Daria Nicolodi) [não creditada], Michele Soavi (Namorado de Maria / Rapaz na Praia) [não creditado].

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