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Pasqualino settebellezze Pasqualino (Giancarlo Giannini) é um soldado italiano em fuga da frente de batalha na Segunda Guerra Mundial, que acaba preso num campo alemão. Aí ele recorda como ali chegou, vindo de Nápoles, onde vivia feliz como playboy, com a mãe e sete irmãs, até ao momento em que teve de lavar com sangue a honra da irmã Concettina (Elena Fiore), matando aquele que a levara para a prostituição. Preso, condenado por loucura, internado num hospício e depois voluntário na guerra, Pasqualino vai descobrir que a força da sobrevivência e o valor da própria vida vão muito além daquilo que alguma vez pensara.

Análise:

Com “Pasqualino das Sete Beldades”, Lina Wertmüller voltava a trazer-nos mais um retrato satírico da Itália da primeira metade do século XX, novamente centrado num anti-herói interpretado por Giancarlo Giannini. Como sempre, os regionalismos, a tragédia popular, a gíria política, e a estranha propensão do protagonista em encontrar-se em apuros maiores que os que pode compreender, eram o motor de uma história da própria Wertmüller.

Pasqualino (Giancarlo Giannini) surge-nos, nas primeiras imagens, como um desertor da Segunda Guerra Mundial, a par do companheiro Francesco (Piero Di Iorio), pois não vêem sentido em ir morrer longe numa luta que não compreendem. Acabam presos pelos alemães e confinados a um campo de concentração onde são torturados e vão assistindo à morte dos outros presos. Pelo meio, Pasqualino recorda a primeira vez que matou alguém, transportando-nos em flashback à Nápoles de antes da guerra, onde vivia uma vida de playboy, de ligações à máfia, enquanto a mãe (Ermelinda De Felice) e as muitas irmãs se matavam a trabalhar. A sua queda começa quando Pasqualino descobre que uma das irmãs, Concettina (Elena Fiore), se prostitui para o chulo local Totonno ’18 Quilates’ (Mario Conti). Instigado pelo seu padrinho mafioso, Don Raffaele (Enzo Vitale), a lavar a honra da família, sob pena de nunca mais ser levado a sério, Pasqualino mata Totonno, e acaba encarcerado, com pena diminuída por o seu advogado alegar loucura. No hospício, Pasqualino está melhor que na prisão, mas sente-se a enlouquecer, e a porta de saída abre-se quando a guerra rebenta, e o voluntariado é encorajado. De volta ao campo de prisioneiros, Pasqualino, que sempre se achou galante, decide seduzir a comandante do campo (Shirley Stoler). Mas esta é impiedosa e sádica, aproveitando-se dos favores sexuais de Pasqualino, para depois fazer dele o seu agente encarregue de escolher quem no campo vai morrer de seguida. Por fim a guerra termina, e Pasqualino volta a Nápoles quando todos já o julgavam morto. Quem o espera é a jovem vizinha Carolina (Francesca Marciano), que fora sempre apaixonada por ele.

Talvez o único ponto negativo de “Pasqualino das Sete Beldades” seja o facto de já pouco trazer de novidade em relação à obra recente de Lina Wertmüller. Voltamos à tragicomédia, a uma interpretação fabulosa de Giancarlo Giannini e a uma sátira política onde o grotesco está sempre presente. Ainda assim, Wertmüller conseguia mais uma obra de grande fôlego.

Agora com a guerra como pano de fundo, Wetmüller transporta-nos para Nápoles, a qual nos surge exactamente como em qualquer anedota: suja, conflituosa, decadente, e nas mãos da máfia. Aí move-se o mais italiano dos personagens, Pasqualino Frafuso, dito das Sete Beldades, porque nele não se reconhece beleza nenhuma, mas tem fama de ter sorte com as conquistas. Pasqualino podia ser um dos «vitelloni» de Fellini, mas onde estes eram preguiçosos, e uma espécie de vencidos da vida, ele gaba-se da esperteza de dar sempre o golpe que lhe permite sobreviver sem esforço. Por isso, Pasqualino olha sobranceiramente para o trabalho exaustivo da mãe e irmãs, como se deixá-las trabalhar fosse um favor que ele lhes fizesse, já que ele está acima disso, pavoneando-se de cabelo oleado e roupa engomada pela praça, frequentando os clubes nocturnos e beijando a mão do chefe mafioso local.

Como acontece frequentemente aos protagonistas de Wertmüller, é quando tudo lhes parece correr bem, que as suas decisões deitam tudo a perder. Com o crime e condenação, Pasqualino é preso, vive durante meses num hospício, sofre as agruras da guerra e acaba num campo de prisioneiros. Apenas uma coisa lhe parece ser clara durante todo esse tempo: quer viver.

Esse viver, da mais elementar definição à mais poética leva-o a todo um conjunto de atitudes facilmente condenáveis, mas que para ele são apenas instintos animais de sobrevivência. Por isso mata o chulo da irmã, tenta violar uma louca no hospício, rouba uma velhinha enquanto soldado, tenta seduzir a comandante do campo, e sujeita-se a todas as exigências dela, mesmo estas que incluam fuzilar o seu companheiro Francesco. Sejam quais forem as suas acções, e partindo nós do ponto de vista de quem condena a vida ociosa e vã de Pasqualino, pese o lado cómico sempre presente, aos poucos o sentimento de tragédia é tal que acabamos por desistir de julgamentos, observando os acontecimentos com a distância de quem se chocaria por pensar que eles são verdadeiros.

Muito disto é mérito de Giancarlo Giannini, que cria uma personagem diferente das suas anteriores, idiossincrática, inesquecível e ainda assim credível. A isto alia-se o lado operático de Wertmüller que consegue pôr tragédia e comédia em cada momento, nunca se escusando em usar um guarda roupa garrido, o grotesco, e os seus habituais grandes planos. Com um modo quase felliniano de pautar momentos, basta repararmos como tudo o que diz respeito a amor e/ou sexo é tratado durante todo o filme, da prostituição de Concettina à violação da louca e à relação sádica na prisão, para termos uma ideia do que é a metáfora que Wertmüller nos está a dar do fascismo italiano e da atitude do italiano médio.

Tudo muda na sequência final, com a chegada da esperança e verdadeira beleza, pelas mãos de lindíssima Carolina, que talvez traga algo de positivo a Pasqualino, agora que ele já aprendeu o que é viver.

Destaque ainda para a sequência inicial, na qual, sobre imagens de arquivo da guerra e de Hitler e Mussolini, um narrador declama, como um mantra em jeito de blues, palavras de ordem satíricas sobre aqueles que Wertmüller define como a burguesia ociosa que ela visa combater nas suas obras. Por exemplo: «Aqueles que nunca se divertem, mesmo quando riem», «Aqueles que adoram a imagem corporativa, não sabendo que trabalham para outros», «Aqueles que deviam ter sido mortos à nascença», «Aqueles que dizem “Nós italianos somos o maior povo da Terra”», etc.

Com “Pasqualino das Sete Beldades”, Lina Wertmüller tornou-se a primeira mulher a ser nomeada para o Oscar de Melhor Realizador. O filme foi ainda nomeado para os Oscars de Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Actor e Melhor Argumento, e para o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

Giancarlo Giannini em "Pasqualino das Sete Beldades" (Pasqualino Settebellezze, 1975), de Lina Wertmüller

Produção:

Título original: Pasqualino Settebellezze [Título inglês: Seven Beauties]; Produção: Medusa Distribuzione; País: Itália; Ano: 1975; Duração: 116 minutos; Distribuição: Medusa Distribuzione (Itália), Cinema 5 Distributing (EUA); Estreia: 20 de Dezembro de 1975 (Itália).

Equipa técnica:

Realização: Lina Wertmüller; Produção: Arrigo Colombo, Lina Wertmüller [não creditada]; Argumento: Lina Wertmüller; Música: Enzo Jannacci; Direcção Musical: Nando De Luca; Fotografia: Tonino Delli Colli [cor por Technicolor]; Montagem: Franco Fraticelli; Design de Produção: Enrico Job; Direcção Artística: Veljko Despotovic [não creditado]; Cenários: Roberto Granieri; Figurinos: Enrico Job; Caracterização: Michele Trimarchi; Direcção de Produção: Gino Millozza.

Elenco:

Giancarlo Giannini (Pasqualino Frafuso, dito das Sete Beldades), Fernando Rey (Pedro, o Prisioneiro Anarquista), Shirley Stoler (A Comandante do Campo de Prisioneiros), Elena Fiore (Concettina, uma Irmã), Piero Di Iorio (Francesco, Companheiro de Pasqualino), Enzo Vitale (Don Raffaele), Roberto Herlitzka (O Socialista), Lucio Amelio (Advogado), Ermelinda De Felice (Mãe de Pasqualino), Bianca D’Origlia (A Psiquiatra), Francesca Marciano (Carolina), Mario Conti (Totonno ’18 Quilates’, Chulo de Concettina), Barbara Valmorin (Secretária da Comandante do Campo de Prisioneiros), Emilio Salvatore, Aristide Caporale (Louco), Pasquale Vitiello.