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Alan Webb, Alfred Lynch, Cinema, Cinema italiano, Comédia, Cyril Cusack, Elizabeth Taylor, Filme de época, Franco Zeffirelli, Michael Hordern, Michael York, Natasha Pyne, Richard Burton, Victor Spinetti, William Shakespeare
Em Pádua, o rico Baptista (Michael Hordern) tem duas filhas em idade de casar, a intratátel e violenta Katharina (Elizabeth Taylor) e a dócil e bela Bianca (Natasha Pyne). A segunda tem vários pretendentes, mas o seu pai só a casará depois de casar Katharina. Tal leva os seus pretendentes Lucentio (Michael York) e Hortensio (Victor Spinetti) a fazerem-se passar por tutores de Bianca, enquanto Petruchio (Richard Burton), um nobre de Verona, é desafiado a quebrar Katharina domesticá-la para ser sua esposa. O resultado será uma violenta e inesperada guerra de vontades e espíritos num casal pelo qual ninguém põe as mãos no fogo.
Análise:
Pintor, dramaturgo, encenador de teatro e de ópera, director artístico, cenógrafo, argumentista, realizador e produtor de cinema e televisão, o florentino Franco Zeffirelli merece bem o espírito renascentista que terá herdado do seu antepassado directo Leonardo Da Vinci. Tornando-se conhecido no meio artístico como encenador de peças de teatro e de óperas, tanto em Itália como no estrangeiro, durante as décadas de 1950 e 1960, por vezes responsabilizando-se também pelos cenários, Zeffirelli entrou no cinema pela mão de Lucchino Visconti de quem foi assistente. Veio a trabalhar também com Roberto Rossellini e Vittorio De Sica, como assistente e na parte de design, passando em breve à produção até assinar o seu primeiro filme como realizador, este “A Fera Amansada”, baseado na peça homónima de William Shakespeare.
O projecto terá ganho corpo devido à presença do casal Richard Burton-Elizabeth Taylor, que viam na experiência de Zeffirelli nas artes de palco, e nos seus conceitos visuais, o homem ideal para esta extravagância que se queria tanto um veículo para as interpretações exuberantes dos dois actores, como uma representação fiel do espírito shakespeareano, numa Itália algo anacrónica, como Shakespeare a teria imaginado.
Sabendo que fazia um filme, e não estava a filmar um palco, Zeffirelli consegue que toda a dinâmica dos diálogos seja acompanhada por movimento e alternância de cenários e locais, mesmo que filmando inteiramente em estúdio. Com os grandes momentos a basearem-se nas presenças dos dois actores (aqui no quinto filme conjunto, de um total de onze), Zeffirelli introduz muitas cenas de exteriores, com diversas passagens para enredos secundários, e agitação de rua, onde se incluem festividades, cânticos, correrias e algum caos, numa atmosfera que lembra Brueghel, e cujo grotesco e confusão brejeira não desdenharia a Pasolini.
É desse modo que decorre a história de Katharina (Elizabeth Taylor), a filha do rico Baptista de Pádua (Michael Hordern), de quem todos fogem por ser extremamente violenta e colérica. Pelo contrário todos querem a mão da sua dócil e bela irmã Bianca (Natasha Pyne), como é o caso de Hortensio (Victor Spinetti) e Gremio (Alan Webb). Mas Baptista decidiu que não casa Bianca, até Katharina estar casada. Chega então Lucentio (Michael York), que logo se enamora de Bianca, e ao ouvir que Baptista procura tutores para a filha, se faz passar por um, chamado Cambio, colocando o criado Tranio (Alfred Lynch) no seu lugar. Ao mesmo tempo chega Petruchio (Richard Burton), com o seu servo Grumio (Cyril Cusack), que vem a Pádua procurar noiva. Ao saber, Hortensio convence-o a cortejar Katharina, indo ele também disfarçado de tutor, sob o nome de Litio, para cortejar Bianca.
Sabendo da natureza de Katharina, Petruchio comporta-se de maneira ainda mais bruta, e respondendo como se tudo nela fosse doce e amável. Por curiosidade ela deixa-se levar para o casamento logo apressado, mas vendo o comportamento desprezível e chocante dele na igreja, logo se arrepende, em vão, já que acaba casada quase sem o perceber. Katharina é então levada para Verona, e espera-a uma mansão, suja, a cair, onde todos, de Petruchio aos servos têm comportamento selvático. Petruchio continua a domesticação de Katharina privando-a de comida e roupas, fingindo que nada nunca é suficientemente bom para ela, ao mesmo tempo que a contradiz em tudo, até ela – por cansaço – lhe dar razão. Em Pádua, Tranio, ainda a actuar como Lucentio consegue convencer Baptista a dar-lhe a mão de Bianca, mas só quando este provar ter dote à altura. A chegada de um viajante de Verona (Vernon Dobtcheff) leva Tranio a convencê-lo a fazer-se passar por Vincentio, o pai de Lucentio, e confirmar o dote. Mas Bianca, não sabendo da troca quer apenas casar com o verdadeiro Lucentio, o que fazem em segredo, enquanto Hortensio casa com uma viúva (Bice Valori). Chega então o verdadeiro pai de Lucentio (Mark Dignam) e tudo é esclarecido. Com casamento marcado em Pádua, Petruchio e Katharina são convidados, e todos são surpreendidos pela forma como Katharina surge dócil e obediente ao marido, dando mesmo lições às duas noivas.
Inicialmente pensado como um veículo para Sophia Loren e Marcello Mastroianni, que passou de mãos após Burton e Taylor investirem mais de um milhão de dólares, o filme de Zefirelli diverge da peça original por deixar de fora a ideia de que toda a peça é uma história contada a um outro personagem – Christopher Sly – e pela simplificação da trama que envolve Lucentio e Bianca. Além disso, como dito atrás, o filme de Zeffirelli dá-se a outras liberdades como as saídas dos interiores, as festas populares, todas as encenações com multidões, e uma geral ridicularização das festas religiosas, como o funeral com que começa o filme, e o casamento, a meio, que se tornam festas carnavalescas cheias de momentos profanos e muito de grotesco. Esse olhar a um profano medieval está presente em muito da cenografia e interpretações, onde o jocoso e brejeiro são sempre figura central, num colorido muito peculiar e um dinamismo que foi elogiado pela crítica por trazer ao filme uma identidade própria.
No meio disso tudo destacam-se, claro, as interpretações, com um muito enérgico Richard Burton e uma desconcertante Elizabeth Taylor à cabeça, e onde não podemos deixar de notar a estreia em cinema de Michael York, no papel do contido Lucentio. Produção italo-americana, com distribuição da Columbia e uma equipa mista, “A Fera Amansada” consegue reunir um elenco de luxo do cinema italiano da época, onde, além do estreante Zeffirelli, se destacam o argumentista Suso Cecchi D’Amico, os músicos Nino Rota e Carlo Savina, e o figurinista Danilo Donati. Mas acima de tudo, destaca-se o dècor e guarda-roupa elaborados e a eficaz direcção de actores, apanágios de Zeffirelli que começaria aqui uma carreira no cinema que se mostrava vocacionada para grandes produções, filmes de época e obras de sabor operático e teatral, afinal a matriz em que o realizador fora formado.
Elogiado pela crítica, “A Fera Amansada” receberia nomeações aos Oscars por Melhor Guarda-Roupa e Melhor Direcção Artística, aos Globos de Ouro de Melhor Realizador e de Melhor Actor (Burton), e aos BAFTA de Melhor Actor e de Melhor Actriz (Taylor). O filme receberia os David di Donatello de Melhor Filme, Melhor Actriz Estrangeira e Melhor Actor Estrangeiro, bem como o Nastro d’argento de Melhor Guarda-roupa. Recebeu, contudo, algumas críticas pelo modo machista como o papel da mulher é descrito. A sequência final, onde a personagem de Elizabeth Taylor dá uma lição de obediência foi, para os autores, um momento irónico, comprovado pelo modo como ela sai porta fora assim que acaba o seu discurso.
Produção:
Título original: The Taming of the Shrew; Produção: Columbia Pictures Corporation / Royal Films International / F.A.I. Films Artistici Internazionali S.r.l.; Produtor Executivo: Richard McWhorter; País: Itália / EUA; Ano: 1967; Duração: 117 minutos; Distribuição: Columbia Pictures; Estreia: 27 de Fevereiro de 1967 (Reino Unido).
Equipa técnica:
Realização: Franco Zeffirelli; Produção: Elizabeth Taylor [não creditada]; Argumento: Paul Dehn, Suso Cecchi D’Amico, Franco Zeffirelli [baseado na peça homónima de William Shakespeare]; Música: Nino Rota; Direcção Musical: Carlo Savina; Fotografia: Oswald Morris [filmado em Panavision, cor por Technicolor]; Montagem: Peter Taylor; Design de Produção: Lorenzo Mongiardino; Direcção Artística: Giuseppe Mariani, Elven Webb; Cenários: Luigi Gervasi, Dario Simoni, Carlo Gervasi [não creditado]; Figurinos: Danilo Donati, Irene Sharaff (Elizabeth Taylor); Caracterização: Alberto De Rossi, Giannetto De Rossi, Frank La Rue (Elizabeth Taylor), Ron Berkeley (Richard Burton), ; Efeitos Especiais: Augie Lohman; Efeitos Visuais: Doug Ferris [não creditado], Gerald Larn [não creditado].
Elenco:
Elizabeth Taylor (Katharina), Richard Burton (Petruchio), Natasha Pyne (Bianca), Michael York (Lucentio), Cyril Cusack (Grumio), Michael Hordern (Baptista), Alfred Lynch (Tranio), Alan Webb (Gremio), Victor Spinetti (Hortensio), Roy Holder (Biondello), Mark Dignam (Vincentio), Bice Valori (A Viúva), Giancarlo Cobelli (O Padre), Vernon Dobtcheff (Pedante), Ken Parry (Costureiro), Anthony Gardner (Haberdasher), Tina Perna, Alberto Bonucci (Nathaniel), Milena Vukotic, Alfredo Bianchini, Valentino Macchi.