Etiquetas
Charles Farrell, Cinema, Cinema Mudo, Drama, Frank Borzage, Janet Gaynor, Monckton Hoffe
Em Nápoles, a jovem Angela (Janet Gaynor) vê a sua mãe às portas da morte, sem poder comprar-lhe medicamentos. Por isso decide prostituir-se, acabando por ser apanhada a roubar e condenada a prisão, pena de que foge, refugiando-se num circo. Aí conhece o pintor Gino (Charles Farrell), que se enamora dela e a conquista ao pintar um bonito retrato dela. Só que um acidente causa uma fractura a Angela e o par regressa à cidade para ela se tratar, acabando sem dinheiro, no bairro pobre onde Angela antes vivera. Agora, apesar de o amor dos dois parecer a toda a prova, o passado de Angela está à espreita, com uma pena por cumprir e uma reputação que lhe manchará a vida para sempre.
Análise:
Voltando ao par Janet Gaynor/Charles Farrell, que se tornara famoso em “A Hora Suprema” (7th Heaven, 1927) de Frank Borzage, a Fox voltava a confiar a este realizador mais um projecto melodramático, assente na química entre os dois actores. Partindo da peça “Lady Cristilinda” de Monckton Hoffe, o filme repete o terreno da obra supracitada, mais uma vez usando o Movietone, o sistema em voga em 1928, de sincronização de som e imagem, que permitia a inclusão de uma banda sonora filme, com música e efeitos sonoros condizentes com os momentos do filme.
Tal como acontecera em “A Hora Suprema”, “O Anjo da Rua” (também ele passado na Europa, desta vez em Nápoles) parte da tragédia pessoal da protagonista, Angela (Janet Gaynor), que aqui tem a sua mãe às portas da morte, por não ter dinheiro para medicamentos. Angela tenta, por isso (um tanto desajeitadamente), a prostituição, mas acaba por ser presa por roubar, sendo condenada à prisão. Mas antes de ser encarcerada, Angela foge, refugiando-se num circo, como malabarista. Aí, a rapariga conhece o pintor Gino (Charles Farrell), que se enamora dela. Este conquista-a ao decidir pintá-la tal como a vê, criando um quadro de grande beleza. Mas quando a felicidade parecia começar, Angela tem uma queda que lhe fractura um tornozelo, e o casal regressa a Nápoles para que ela se cure. Angela restabelece-se, mas o casal está sem dinheiro, e Gino tem mesmo de vender o quadro que pintou de Angela. Só que, de volta ao bairro pobre onde Angela antes vivera, esta é reconhecida pela polícia que a leva para cumprir a pena. Sentindo-se abandonado, sem saber porquê, Gino perde toda a inspiração e vontade, acabando sucessivamente despedido. Quando finalmente Angela cumpre a sua pena, procura-o, para saber que este já não é mais o mesmo. Voltam a encontrar-se no cais, onde Gino procurava uma mulher de alma negra para pintar. Ao perseguir Angela com instintos vingativos, os dois acabam numa igreja, onde reconhecem o retrato de Angela, que outro pintor converteu na imagem de uma santa. A lembrança da inocência perdida reconcilia o casal.
A primeira coisa a chamar a atenção em “O Anjo da Rua” é o seu incrível design. Tal como acontecera anteriormente, Frank Borzage revelava-se um seguidor do Expressionismo Alemão, e usava essa referência na construção dos décors. Isso acontece no serpentear das ruas do bairro de Angela, nas construções em puzzle, de escadas, telhados e desníveis das construções, que depois são filmados com movimentos de câmara complexos, em travellings elaborados, onde a câmara serpenteia entre personagens e cenário. Tudo isto com uma luz que traz algo de irreal, numa noite permanente, onde o fundo é abstracto, e onde as sombras se movem ostensivamente, e quase com vontade própria.
Nesse contexto visual, Borzage traz-nos um estudo da alma humana, numa história de expectativas, fugas e consequências que poderão aproximar ou afastar os dois protagonistas. Começando por abordar de frente o tema da prostituição (onde a frase «talvez não seja culpa delas» é algo arrojada para a época), “O Anjo da Rua” (e note-se a ambiguidade do título) mostra que o Código de Hays ainda não estava em vigor. Mesmo que no filme vejamos Angela pensar, mas não consumar a sua prostituição, todas as referências posteriores mostram que tal terá acontecido. A história torna-se então de ascensão e queda, com crime e castigo, redenção e perdão como temas principais, onde a conotação religiosa está sempre presente.
Veja-se, por exemplo, como é o retrato da alma de Angela que traz a beleza que a leva a acreditar no amor, e a aceitar a relação com Gino. É essa mesma beleza, que mais tarde, quando o retrato é vendido, vai torná-lo num quadro religioso, e é ele, por sua vez, já exposto numa igreja, que funcionará como a luz final que reconcilia o casal, que naquele lugar santo, perdoa e vê a luz. Antes tivéramos a queda (literal) de Angela a provocar a descida ao «inferno» do bairro pobre onde o seu «crime» era conhecido, e a expiação desse crime a afastar o casal, com Gino a procurar na bebida e em mulheres dissolutas a sua própria queda, que lhe valeu o despedimento de… obviamente um trabalho religioso (pintar um mural numa igreja).
Acima de tudo deve destacar-se a química entre Gaynor e Farrell, com personagens por vezes antagónicos, mas complementares. Em particular, Gaynor brilha pela sua expressividade num leque enorme de sentimentos, da extrema tristeza de perder a mãe, ao ar desajeitado (quase cómico) de quem se tenta prostituir, do susto da fuga à polícia à insolência com que inicialmente trata Gino, e principalmente a partir do momento em que a sua queda é evidente, e tem que dar a Gino uma hora de paixão, que é ao mesmo tempo de dor e amor, numa beleza trágica inexplicável. Não admira que “O Anjo da Rua” tenha sido um dos três filmes pelos quais Janet Gaynor recebeu o Oscar de Melhor Actriz em 1929, os outros dois sendo o já citado “A Hora Suprema”, também de Borzage, e “Aurora” (Sunrise: A Song of Two Humans, 1927) de F. W. Murnau.
Considerado perdido por muitos anos, o filme, que fora um enorme sucesso, foi mais tarde, felizmente, redescoberto.
Produção:
Título original: Street Angel; Produção: Fox Film Corporation; País: EUA; Ano: 1928; Duração: 101 minutos; Distribuição: Fox Film Corporation; Estreia: 9 de Abril de 1928 (EUA), 29 de Abril de 1930 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Frank Borzage; Produção: William Fox; Argumento: Marion Orth [adaptado por Philip Klein e Henry Roberts Symonds, a partir da peça “Lady Cristilinda” de Monckton Hoffe]; Intertítulos: Katherine Hilliker; Música: Erno Rapee; Fotografia: Ernest Palmer, Paul Ivano [preto e branco]; Montagem: Barney Wolf; Direcção Artística: Harry Oliver; Figurinos: Kathleen Kay.
Elenco:
Janet Gaynor (Angela), Charles Farrell (Gino), Natalie Kingston (Lisetta), Henry Armetta (Masetto), Guido Trento (Neri, Sargento da Polícia), Alberto Rabagliati (Polícia), Louis Liggett (Beppo), Milton Dickinson (Bimbo), Helena Herman (Andrea), Dave Kashner (Homem Forte), Jennie Bruno (Senhoria).