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The Docks of New YorkBill Roberts (George Bancroft) é um dos fogueiros da barcaça a vapor, sob o comando do cruel Andy (Mitchell Lewis). Com uma noite em terra para gozar, Bill vai passá-la num bar procurando companhia feminina, quando vê Mae (Betty Compson), uma mulher que se tenta suicidar. Bill salva-a, e interessa-se por ela, despeitando os motivos dela para se considerar abaixo dele, e propondo-lhe casamento nessa noite. Com um padre coagido a agir rapidamente, os dois casam. Mas na manhã seguinte, Bill já se arrependeu, e procura de novo refúgio na sua vida no mar. É então que Andy, aproveitando a ausência de Bill tenta abusar da bela Mae.

Análise:

Josef von Sternberg sucedeu o sucesso do seu filme de crime “Vidas Tenebrosas” (Underworld, 1927) com uma nova produção para a Paramount, ligada a vidas dos submundos marginais da grande cidade. Neste caso “As Docas de Nova Iorque” fala-nos, como o nome indica, do pequeno mundo que se gera em torno da chegada e partida de navios mercantes, com marinheiros que pernoitam em terra por apenas uma noite, vivendo quase como fugitivos, ou condenados no mar, e fazendo dessa noite em terra, nos bares que pululam nas docas, razão de celebração e excessos.

Com argumento de Jules Furthman a partir da obra “The Dock Walloper” de John Monk Saunders, Sternberg realizou e produziu um filme onde voltou a contar com George Bancroft como protagonista, no papel do forte e impulsivo fogueiro Bill Roberts. O que acompanhamos é exactamente a noite que Bill Roberts vem passar em terra, sob a crítica do seu encarregado Andy (Mitchell Lewis), que também tem mulher, Lou (Olga Baclanova), à espera no porto. Só que quando vai procurar um bar, Bill depara com a tentativa de suicídio de Mae (Betty Compson), que ele salva prontamente. Com a ajuda de Lou, Mae restabelece-se, sob o olhar atento de Bill, que embora não queira deixar transparecer, ganha interesse por ela. Quando Mae se confessa abaixo de todo o merecimento, Bill sente isso como um desafio, e leva-a a passar na noite consigo no bar, durante a qual lhe propõe casamento. Este é realizado intempestivamente por um coagido padre ‘Hymn Book’ Harry (Gustav von Seyffertitz), num altar improvisado no bar. Só que no dia seguinte, Bill decide que a aventura terminou e deixa Mae para voltar a embarcar. Quem se aproveita da ausência é Andy, que tenta forçar-se perante Mae, mas um tiro mata-o. Quando a polícia vai prender Mae, Bill volta para a defender, e Lou confessa ter sido ela a disparar, salvando o casal. Ainda convencido a partir, Bill deixa Mae, cada vez menos convicto, e não demora muito a voltar a terra para estar com ela. Percebendo que entretanto ela fora presa por um roubo dele, Bill confessa o roubo, para salvar Mae, e pede-lhe que espere que ele cumpra a pena.

Talvez o que mais toque no filme de Sternberg é vermos que não existem personagens isentas de culpa em toda a história. Mae é uma suicida, de vida passada questionável (possivelmente uma prostituta), e Sternberg nunca nos chega a dizer porque motivos ela procurava morrer. Bill é um aventureiro, brigão e intempestivo, que confessa que nunca na vida fez nada de bom. Se salva Mae por instinto, é de seguida capaz de roubar e agredir, como é capaz de a deixar, como já deixou tantas outras (note-se a exibição das tatuagens com nomes de mulheres), sem remorso, numa completa amoralidade de carácter. Temos depois o outro casal, uma espécie de espelho futuro daquilo em que Bill e Mae se irão tornar. Lou, que se apieda de Mae e se sacrifica para que Mae tenha a felicidade que ela não teve (mesmo sem acreditar que tal seja possível) é vista a divertir-se sem o marido que possivelmente acaba por matar (note-se que nada indica que foi de facto ela). Quanto a Andy, vemo-lo inicialmente a maltratar os fogueiros do barco, para depois o sentirmos em dor pela traição de Lou, e logo percebermos que é apenas o orgulho machista que está ferido, pois pouco lhe interessa Lou quando a luxúria pela bela Mae ganha lugar.

Sem personagens «bons», tudo em “As Docas de Nova Iorque” é negro, como nos é dado em mote nas imagens iniciais na negra fornalha onde os fogueiros transpiram um suor de carvão que lhes enegrece completamente a pele. Depois, basta ver como quase toda a história se passa de noite, da tentativa de suicídio de Mae ao casamento com Bill. É como uma vida que decorre numa noite, no «renascimento» de Mae (cuja retirada da água é como que um baptismo para uma nova vida) em que todos os momentos são como rituais de passagem, crescimento e aprendizagem dos personagens.

Voltando a mostrar o seu domínio de como filmar na semi-obscuridade, criando ambientes de mistério e tensão com um décor rico, onde o detalhe da fotografia, composição de planos e profundidade de foco estavam à frente do que se fazia na altura, Sternberg voltava a impressionar. O cenário de Hans Dreier é como que um personagem de pleno direito, impondo-se na tela, e insinuando nas entrelinhas com um brilho intenso. Por alguns acusado de ter uma história demasiado simples, “As Docas de Nova Iorque” é mais um exemplo de como Sternberg procurava a transformação psicológica dos seus personagens e a ideia de redenção através dos actos (neste caso o regresso de Bill e a sua pena, ao lado da promessa de espera e dedicação de Mae), onde o amor confere a esperança que neste filme é tão ténue quanto quisermos, uma vez que, em contraponto, temos o exemplo amargo de Andy e Lou, aquilo em que Bill e Mae se poderão vir a tornar.

Cheio de personagens rudes, onde tudo parece sujo, bruto e feio, Sternberg atinge mesmo a beleza em pequenos gestos. Veja-se a comovente cena de reconciliação, que passa por Mae a tentar coser a camisa do marido, e a não conseguir enfiar a linha na agulha por ter lágrimas nos olhos, e como Bill o faz por ela, para que Mae se coloque de joelhos entre as suas pernas a coser-lhe a camisa. Poucas vezes a intimidade foi filmada com tanta simplicidade e beleza.

George Bancroft e Betty Compson em "As Docas de Nova Iorque" (The Docks of New York) de Josef von Sternberg

Produção:

Título original: The Docks of New York; Produção: Paramount Pictures; Produtores Executivos: Adolph Zukor, Jesse L. Lasky; País: EUA; Ano: 1928; Duração: 95 minutos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia: (EUA), (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Josef von Sternberg; Produção: Josef von Sternberg; Produtor Associado: J.G. Bachmann; Argumento: Jules Furthman [inspirado em “The Dock Walloper” de John Monk Saunders]; Intertítulos: Julian Johnson; Fotografia: Harold Rosson [preto e branco]; Montagem: Helen Lewis; Direcção Artística: Hans Dreier; Figurinos: Travis Banton [não creditado]; Direcção de Produção: B. P. Schulberg.

Elenco:

George Bancroft (Bill Roberts), Betty Compson (Mae), Clyde Cook (‘Sugar’ Steve), Mitchell Lewis (Andy, O Terceiro Engenheiro), Olga Baclanova (Lou, A Sua Esposa), Gustav von Seyffertitz (Hymn Book Harry).

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