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Alan Burgess, Athene Seyler, Biopic, Burt Kwouk, Cinema, Curd Jürgens, Drama, Ingrid Bergman, Mark Robson, Peter Chong, Robert Donat
Gladys Aylward (Ingrid Bergman) é uma empregada doméstica inglesa, decidida a viajar para China, que sente ser a sua casa espiritual. Negada pela Missão de Londres, Gladys resolve ganhar dinheiro para uma passagem de comboio, e viajar por conta própria. No esforço, consegue a simpatia do patrão (Ronald Squire), que a referencia à missionária Jeannie Lawson (Athene Seyler), que a recebe após uma longa e atribulada viagem. Aí, e dada a morte de Jeannie, Gladys tem de aprender rapidamente chinês, conquistar a simpatia do povo, e sobretudo das desconfiadas autoridades, nas pessoas do capitão Lin Nan (Curd Jürgens), do mandarim local (Robert Donat).
Análise:
Completamente filmado no Reino Unido (com paisagens naturais captadas no Norte de Gales, e crianças chinesas provindas de comunidades de Liverpool) numa produção da norte-americana Twentieth Century Fox, “A Pousada da Sexta Felicidade” era a passagem ao grande ecrã do romance biográfico “The Small Woman” (1957), de Alan Burgess, que retratava a vida de uma missionária inglesa na China, nos anos que precederam e levaram à Guerra Sino-Japonesa, no final da década de 1930.
A «pequena mulher» do título do livro é Gladys Aylward (Ingrid Bergman, bastante mais alta que a retratada), uma inglesa de classe baixa, que mete na cabeça que o seu destino é ser missionária na China. Por isso abandona tudo e ruma a Londres para se alistar na Missão local, para perceber que não tem qualificações suficientes. Empregada como criada na casa de um amigo da Missão, Sir Francis Jamison (Ronald Squire), Gladys vai juntando dinheiro para comprar uma passagem de comboio e ir para a China por conta própria, num esforço que acaba por comover o próprio patrão e o empregado dos comboios que a ajuda a gerir o dinheiro da passagem. Chegado o dia, Gladys embarca, passando por conflitos na fronteira sino-soviética, mas chegando ao seu contacto a Missão de Jeannie Lawson (Athene Seyler), na remota Yang Cheng. Aí, com a ajuda do empregado Yang (Peter Chong), Gladys aprende chinês, mas a morte, por acidente, de Jeannie Lawson deita tudo a perder. Sem dinheiro, e aconselhada a partir pelo único ocidental que conhece, o mestiço capitão Lin Nan (Curd Jürgens), Gladys é salva quando o mandarim local (Robert Donat) a recruta para «inspectora de pés», um cargo que ninguém quer, e tem como objectivo fiscalizar que as pessoas deixam de enfaixar os pés das meninas para que estes não cresçam. Gladys triunfa onde outros falharam, e começa a ser chamada para tratar de casos complicados, como um motim prisional, e aos poucos ganha a confiança de todos, sendo chamada «Jan-Ai» (aquela que ama o povo), e a sua reputação não para de crescer, para gáudio do mandarim, e surpresa de Lin Nan, que fica ainda mais abalado quando vê que ela já tem mesmo cinco crianças, que adoptou e educa como filhas. Com início da guerra, muitos abandonam Yang Cheng, mas Gladys fica ao lado dos anciãos. Por fim, refugiados de outras aldeias vêm até ela, e Gladys vê-se com 100 órfãos que Li, um professor e líder da anterior revolta prisional, aconselha que sejam levadas para a província seguinte, o que implica serem conduzidas por território ocupado. Mas Gladys não vacila, e empreende a caminhada, por montanhas e florestas, escondida dos japoneses com as crianças, e transportando-as sãs e salvas, onde a espera o capitão Lin Nan, que então já lhe declarara o seu amor.
Centrado na interpretação e presença de Ingrid Bergman – que antes de ser missionária neste filme já fora freira e santa em filmes anteriores – “A Pousada da Sexta Felicidade” é um produto do seu tempo, que é como quem diz, um produto do tempo do livro que lhe dá origem, e que é um tempo em que o Império Britânico, em queda, precisava de mostrar ao mundo o seu valor e papel único. Daí que, para o seu autor, o heroísmo de Glady Aylward (1902-1970), mais que o de mostrar que podia sobreviver num lugar tão diferente do seu país, fosse o heroísmo de mostrar como a Inglaterra podia levar civilização onde ela (pelos seus padrões) ainda não existia.
A Gladys Aylward de Mark Robson é, por isso, decidida e trabalhadora, ainda que humilde, combativa e empenhada cristã, mas respeitadora dos costumes locais. Mesmo que tenha por objectivo espalhar a fé, nunca abusa da sua posição, ganhando o respeito daqueles que mais a poderiam contrariar, o capitão Lin Nan, enviado governamental, e o mandarim, verdadeiro poder local. Com eles, Gladys estabelece uma simbiose 100% proveitosa para todas as partes. Não há desconfianças nem atritos, e tudo corre sobre rodas: o mandarim prestigia-a, e o único problema a ultrapassar é o velho costume do enfaixar de pés. Tirando isso, e apesar da pobreza evidente, não há qualquer problema com a sociedade patriarcal, a quase escravatura em que o povo está condicionado, ou a desigualdade de tratamento para com as mulheres. Pelos olhos da Gladys do filme, com algumas canções, histórias da Bíblia e sorrisos para com as crianças, temos uma sociedade quase perfeita. O único senão neste idílio, é a invasão japonesa, numa guerra onde o invasor é declaradamente mau, e as tropas locais são bondosas.
Mas tudo isto é apenas se virmos o filme pelos olhos de hoje. À luz do romantismo literário britânico do meio do século XX, tantas vezes dado ao exotismo de outras paragens do Império, o importante é a saga de conquista pessoal, de alguém que viu uma missão em paragens longínquas e se superou (desde o «no qualifications» do início, até heroína de toda uma província) até, mais que se tornar referência fundamental no seu novo país, confirmar que este foi sempre a sua terra espiritual. E é nesse sentido que interessa ver a interpretação de Ingrid Bergman, aparentemente ingénua aqui e ali, é certo, mas cheia de carisma e força, mostrando como só a sua doçura natural poderia fazer este papel funcionar.
É claro que, no modo sobranceiro (e exageradamente simplista) de o Ocidente encarar o Oriente (e nem é necessário ver como todos a dada altura falam inglês, pois assume-se que estão a falar chinês, a partir do momento em que Gladys aprende), não só a tal ajuda externa é vista como panaceia, como os próprios actores principais são ocidentais (casos de Curd Jürgens e Robert Donat). Por isso também, tudo é simples, tudo são sorrisos, e todo o percurso de Gladys (na verdade chamada “Ai-weh-deh”, ou “A Virtuosa”, e não “Jan-Ai”, “A que Ama o Povo”) é tão facilitado pelo amor de todos aqueles que ela toca. De notar, por fim, que a própria Gladys renegou o filme, pelas liberdades que tomou – em particular na história romântica com o personagem de Curd Jürgens – onde nem sequer o nome da pousada foi respeitado.
Apesar de tudo, e mesmo parecendo hoje um filme datado, feito apenas com o objectivo de comover, “A Pousada da Sexta Felicidade” tem méritos na cenografia e direcção artística, numa história de grande fôlego (e duração), onde Ingrid Bergman dá, nitidamente, tudo de si, e onde Robert Donat teria o seu último papel, tendo morrido antes de o filme estrear.
Nomeado aos Oscars na categoria de Melhor Realizador, “A Pousada da Sexta Felicidade” foi um grande sucesso junto do público, sendo o segundo filme mais rentável de 1959.
Produção:
Título original: The Inn of the Sixth Happiness; Produção: Twentieth Century Fox; País: EUA; Ano: 1958; Duração: 158 minutos; Distribuição: Twentieth Century Fox; Estreia: 23 de Novembro de 1958 (Reino Unido).
Equipa técnica:
Realização: Mark Robson; Produção: Buddy Adler; Argumento: Isobel Lennart [a partir do romance “The Small Woman” de Alan Burgess]; Música: Malcolm Arnold; Fotografia: Freddie Young [filmado em CinemaScope, cor por De Luxe]; Montagem: Ernest Walter; Direcção Artística: John Box, Geoffrey Drake; Figurinos: Margaret Furse; Caracterização: John O’Gorman; Direcção de Produção: Cecil F. Ford.
Elenco:
Ingrid Bergman (Gladys Aylward), Curd Jürgens (Capitão Lin Nan), Robert Donat (O Mandarim de Yang Cheng), Michael David (Hok-A), Athene Seyler (Jeannie Lawson), Ronald Squire (Sir Francis Jamison), Moultrie Kelsall (Dr. Robinson), Richard Wattis (Mr. Murfin), Peter Chong (Yang), Tsai Chin (Sui-Lan), Edith Sharpe (Secretária da Missão), Joan Young (Cozinheira de Sir Francis), Lian-Shin Yang (Mulher com o Bebé), Noel Hood (Miss Thompson), Burt Kwouk (Li).