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Remember the Nightm vésperas de Natal, Lee Leander (Barbara Stanwyck) é apanhada depois de roubar uma pulseira numa joalharia, e levada a tribunal. Mas quando o caso ameaça demorar, devido a uma defesa pouco ortodoxa que menciona até hipnose, o promotor público, John Sargent (Fred MacMurray) resolve complicar ainda mais, chamando testemunhas que sabe estarem ausentes, só para adiar o julgamento para depois do Natal, e viajar em paz para Indiana, onde mora a sua mãe. Sentindo-se culpado, John paga a fiança de Lee, que vai ter a sua casa, sem ter onde morar. John decide então levá-la consigo, numa viagem ao amor e tradições familiares.

Análise:

Quatro anos antes do icónico “Pagos a Dobrar” (Double Indemnity, 1944) de Billy Wilder, Barbara Stanwyck (aqui morena) e Fred McMurray juntavam-se pela primeira vez para um romance de tons natalícios, escrito pelo famoso Preston Sturges. Um dos raros realizadores/argumentistas do seu tempo, Surges, antigo homem do teatro, destacou-se na screwball comedy, habituando o público a argumentos baseados em diálogos complexos, e histórias de fuga contra convenções. Aqui, com realização do quase desconhecido Mitchell Leisen (que também produziu), a história de Sturges para “Lembra-te daquela Noite” é tudo o que se descreveu atrás, agora com o espírito do Natal como catalisador.

Partindo de um roubo numa joalharia (numa bonita sequência inicial em que apenas vemos o pulso de Barbara Stanwyck, e o seu desaparecimento da loja, para a reencontrarmos na rua, reconhecendo-a novamente pelo pulso), vamos parar numa sala de tribunal, num caso aparentemente simples, passado nas vésperas de Natal. Há no entanto um caveat. Não é fácil condenar uma mulher, pois o júri habitualmente simpatiza com elas. É necessário um promotor público suficientemente duro para não se apiedar dela, mas suficientemente doce, para que o júri não se sinta incomodado com a dureza para com uma mulher. Esse homem é John Sargent (Fred MacMurray), um advogado que nunca perdeu um caso destes.

Mas John quer viajar para Indiana, para passar o Natal com a mãe, e vendo que o caso se pode arrastar, encontra forma de o levar a um impasse que necessite de um adiamento para Janeiro. Sente-se no entanto culpado por votar à prisão uma mulher que não foi ainda condenada, e logo na quadra natalícia. Por isso para a fiança e ela é solta, indo ter a sua casa, pensando que ele faz isso em troca de favores sexuais. Resolvido o mal-entendido, John, vendo que Lee não tem onde ficar, e até é quase sua conterrânea, convence-a a viajar consigo até Indiana. Só que na sua antiga casa, Lee é mal recebida pela mãe, desgostosa da vida que a filha levou. John leva-a então para a sua própria casa, onde Lee é rodeada de um verdadeiro amor familiar, que a faz sonhar com uma nova vida, honesta, ao lado de John.

Um pouco em jeito de comédia romântica (temos o tom bem disposto, e o par que se conhece em circunstâncias curiosas e vai ter de ultrapassar obstáculos para assumir o seu amor), “Lembra-te daquela Noite” é acima de tudo um filme que apela à importância dos valores familiares, da tradição, amizade e amor entre as pessoas. Estes são, obviamente, valores associados com o espírito natalício, que assim é o pano de fundo ideal para desenvolver a ideia principal de Sturges. E esta é simples. Rodeado de amor, alegria, uma família unida e cheio de bons exemplos, John vence todos os obstáculos, torna-se uma pessoa lutadora, com uma carreira invejável, e uma forte crença na bondade humana e sentido de justiça. Ao invés, vinda de uma família desfeita, desprezada pela mãe, Lee torna-se uma mulher dissoluta, promíscua, e sem hesitações para roubar ou infringir a lei em seu benefício.

Esses contrastes são-nos mostrados na forma como as respectivas famílias acolhem Lee e John. Obviamente a família de Lee é feita de frieza, desrespeito e mesmo maldade, enquanto a de John é um idílio de paz, calor e afecto. É então claro a Preston Sturges o papel da família e dos valores familiares na educação e formação humana, como exemplificado na história que nos mostra que também John foi capaz de erros em jovem, mas que com bons exemplos tornou sempre ao caminho do bem.

Desse modo, com o exemplo do Natal (a reunião, os encontros à mesa e na cozinha, a troca de prendas, as canções ao piano, os eventos nos dias seguintes), percebemos como não há culpa em Lee, se foi a sua aldeia e mãe que a desprezaram, elas sim as verdadeiras culpadas do crime de não saber amar, perdoar, guiar e acarinhar. Por tudo isso, esta quadra natalícia é uma quadra de descoberta e reavaliação de valores para Lee, que sai dela apaixonada por John.

Claro que isto provoca algumas preocupações. Poderá Lee mudar? Arrastará consigo John? O acto final, no tribunal será esclarecedor. Se John, também apaixonado, quis primeiro que Lee fugisse para o Canadá, e depois exagerou no ódio em tribunal para provocar a compaixão do júri, Lee sabe que só se poderá transformar assumindo a sua culpa. Por isso confessa-se culpada, aceitando expiar o seu crime num sacrifício que tem como dupla missão salvar a carreira de John, e merecê-lo. Triunfa (como tinha de ser) a legalidade, com os maus (Lee) a cumprirem sentença, como mandava o Código de Hays.

O filme seria um sucesso, bem recebido pela crítica, pela coragem do tema e argumento, e originou algumas adaptações à rádio e televisão. Barbara Stanwyck e Fred MacMurray mostravam uma interessante química, que os levaria a contracenar em mais três filmes.

Produção:

Título original: Remember the Night; Produção: Paramount Pictures; Produtor Executivo: William LeBaron [não creditado]; País: EUA; Ano: 1940; Duração: 94 minutos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia: 19 de Janeiro de 1940 (EUA), 2 de Maio de 1941 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Mitchell Leisen; Produção: Mitchell Leisen, Albert Lewis [não creditado]; Argumento: Preston Sturges; Música: Friedrich Hollaender; Direcção Musical: Irvin Talbot; Orquestração: Charles Bradshaw [não creditado], Leo Shuken [não creditado]; Fotografia: Ted Tetzlaff [preto e branco]; Montagem: Doane Harrison; Direcção Artística: Hans Dreier, Roland Anderson; Cenários: A. E. Freudeman; Figurinos: Edith Head; Caracterização: Wally Westmore [não creditado], Dorothy Ponedel [não creditada].

Elenco:

Barbara Stanwyck (Lee Leander), Fred MacMurray (John Sargent), Beulah Bondi (Mrs. Sargent), Elizabeth Patterson (Tia Emma), Willard Robertson (Francis X. O’Leary), Sterling Holloway (Willie), Charles Waldron (Juiz em Nova Iorque), Paul Guilfoyle (District Attorney), Charles Arnt (Tom), John Wray (Hank), Thomas W. Ross (Mr. Emory), Fred ‘Snowflake’ Toones (Rufus), Tom Kennedy (‘Fat’ Mike), Georgia Caine (Mãe de Lee), Virginia Brissac (Mrs. Emory), Spencer Charters (Juiz na Quermesse).