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Sergio Leone – A Reinvenção do Western
por Jorge Teixeira
co-autor do blog Caminho Largo
Sergio Leone é um cineasta que, para muitos, tem o seu nome gravado no panteão dos grandes realizadores com que a sétima arte já nos presenteou. É, contudo, controverso e popular em demasia para outros, o que resfria a euforia e lhe retira talvez um pouco a aclamação e o respeito que, merecidamente, deveria ter. Nada de grave, aliás sendo a unanimidade nada saudável, a crítica e o desrespeito de certas elites até o favorecem, senão veja-se a legião de fãs e o sub-género Spaghetti que hoje o homenageiam e o dignificam um pouco por todo o lado.
Pode-se dizer, de facto, que o realizador, outrora assistente de câmera de Vittorio De Sica, deixou a sua marca indelével no cinema sobretudo com a reinvenção de um género – o Western Americano (à data moribundo e à procura da sua própria identidade) – através do denominado Western Spaghetti, que teve o seu começo sensivelmente em meados dos anos 60 com o seu filme Per un Pugno di Dollari (o qual Clint Eastwood protagonizou). Com a ajuda posterior de outros cineastas que alimentaram e expandiram as marcas deste tipo de cinema, a recriação dá-se, em traços gerais, pela implementação de um estilo altamente amplificado e irreverente, e por isso facilmente identificável e reconhecido, em que as histórias e as respectivas personagens se sobressaem não pelo encanto e pelo classicismo próprio dos Westerns Americanos, mas sim pelo aspecto grotesco, simplista e violento que povoam amiúde as desérticas paisagens.
Autênticas orquestras ou sinfonias, estes filmes iniciais também são conhecidos pela sua ponderada e alternada utilização de música, esta que detém um papel fundamental na tal estilização do sub-género, e no qual Ennio Morricone foi o mais proeminente de todos (sobretudo na sua parceria lendária com Leone). A forma como varia entre o êxtase e o silêncio total faz com que a emoção vibre e o entusiasmo se projecte, daí que o público, mais que a crítica, se reveja incondicionalmente com os filmes e os seus anti-heróis, ou a humanidade que eles evidenciam nas boas e nas más acções. Mas os críticos, americanos inclusive, também se renderam e se rendem (apesar de só mais tarde, anos após as estreias comerciais), seja pela filmagem em si e no que isso potencia, seja na montagem caracterizada e dilatada ao mais ínfimo pormenor. Do close-up (mecanismo inovador e preponderante nas expressões faciais dos protagonistas) até às panorâmicas (exímios retratos de uma América sonhadora, mas realista e desprovida de acessórios o quanto baste), Sergio Leone proporciona fabulosas sequências, harmonicamente equilibradas e humanamente trabalhadas, que têm na câmera e no enquadramento a sua verdadeira razão de existência.
A consolidação do sub-género foi-se então materializando e propagando, no seu núcleo pelas obras de Leone, mas também por outros realizadores e por outros filmes que, aqui e ali, extravasaram o estilo e a sua direcção temática, não fosse a evolução um dos factores essenciais para a sobrevivência de um produto e de um sistema. Inevitavelmente chegou-se a um ponto que o Western Spaghetti definhou, restando então não mais que recordações e uma herança de centenas de filmes produzidos na sua maioria entre Espanha e Itália. A reter, acima de tudo e sem desprimor para outros, está Sergio Leone e uma respectiva e brilhante carreira. Curta, é certo, mas recheada de solidez, genialidade e intemporalidade. Os seus filmes, no seu todo contam-se apenas 7 longas-metragens como realizador, das quais 5 são Westerns (ou 6 se contarmos com o Il Mio Nome è Nessuno em que não é oficialmente um dos realizadores), espelham perfeitamente uma evolução, uma constante tentativa de aperfeiçoamento e de ambição (veja-se o triunfo de filmar mesmo na América com o seu C’era una volta il West). Facto que, dentre todas as nuances interpretativas e de análise pós-obra, confirma a revolução sobre um género e sobre uma mecânica de filmar, definindo e catapultando uma imagética e sonoridade estilísticas para outros países e décadas.
A título de exemplo e como legado tem-se, nos dias de hoje, autores como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez nos seus famosos pastiches e na libertação de certas convenções, assim como na extrema referência que sofreu e ainda sofre o seu mais prestigiado filme – Il Buono, il Brutto, il Cattivo. A influência artística estende-se também a outros géneros, como muito bem prova o último filme de Leone ou a sua incursão pelo mundo dos gangsters – Once Upon a Time in America – que assume um estilo aproximado e que transporta para outro cenário e outras épocas a mesma dinâmica de narrar e filmar uma história. Poucos cineastas alcançaram a destreza e a inteligência de Leone no acto de desconstruir um género (e o correspondente sonho americano) ao mesmo tempo que retém e sustém uma total melancolia e saudade em revalidá-lo, a tal ponto de actualmente ser impossível dissociar, senão destacar, os seus filmes do Western em geral.
Westerns de Sergio Leone:
- Por Um Punhado de Dólares (Per un Pugno di Dollari, 1964)
- Por Mais Alguns Dólares (Per Qualche Dollaro in Più, 1965)
- O Bom, o Mau e o Vilão (Il Buono, il Brutto, il Cattivo, 1966)
- Aconteceu no Oeste (C’era una volta il West, 1968)
- Aguenta-te, Canalha (Giù la Testa, 1971)
- O Meu Nome é Ninguém (Il Mio Nome è Nessuno, 1973) de Tonino Valerii e Sergio Leone
Emanuel Neto said:
Não há dúvidas: Sergio Leone era extraordinário! O seu sucesso também foi sendo cada fez maior porque teve a sorte de os seus filmes terem tido muita exposição nos EUA e de ter trabalhado com nomes americanos consagrados. Por outro lado, Sergio Corbucci, também ele um cineasta genial, já não teve essa sorte…
jc said:
Gostaria de agradecer ao Jorge pela sua participação nesta rubrica, ele que foi a primeira pessoa a convidar-me para uma iniciativa inter-blogs. 🙂
Sergio Leone é para mim sinónimo de cinema quase que como uma sequência de pinturas do deserto, para absorver lentamente ao som da música de Morricone. Sou admirador de ambos.
Jorge Teixeira said:
Eu é que agradeço José, pela oportunidade e pelo convite. De facto, Leone fascina-me e o Western Spaghetti deslumbra-me. Poderia ter referenciado outros realizadores dentro do sub-género, mas ainda não me sinto muito à vontade para enumerar e seleccionar os melhores, ou pelo menos, os mais marcantes. Fiquei-me apenas por Leone, e eu diria que me fiquei muitíssimo bem. O senhor foi um mestre.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Pedro Pereira said:
Os westerns de Leone são por regra de um campeonato superior ao resto da produção europeia mas outros como Corbucci, que o Emanuel fala, estão num patamar não muito distante. Recomendo sempre aqueles que querem conhecer o género além de Leone para passarem por Corbucci, Sergio Sollima, Tonino Valerii ou Petroni. Se o interesse continuar, então temos fã.
—
Pedro Pereira
http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
http://destilo-odio.tumblr.com/
Jorge Teixeira said:
Sim, temos para além de Leone, logo à partida mais dois Sergio’s (o Corbucci e o Sollima), entre outros, que dignificam e espalham o Western Spaghetti a níveis mais elevados. Posso dizer que conheço uma ou duas dezenas de filmes além Leone (pertencentes aos referidos Sergio’s, mas não só), o que por si só ainda é muito pouco para me puder considerar sabedor do assunto em termos gerais.
Sou, e isso indubitavelmente, um amante do sub-género, facto que não se tem sustentado ainda mais em virtude de alguma falta de tempo e da vontade em colmatar outras áreas e outros prioridades que não só o Western, isto tudo no vasto território que é o Cinema. De qualquer modo e fica a nota, o “Por um Punhado de Euros” (refiro-me ao blogue do Pedro Pereira e do Emanuel Neto) tem sido uma fonte inestimável de conhecimento e motivação sobre o tema.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Johnny Kino said:
É, de facto, curiosíssima a dialética que o Western tem vindo a implicar.
Os grandes autores clássicos americanos, como Hawks ou Ford, vieram influenciar um conjunto de jovens realizadores europeus que, mais do que replicar, reinventaram um género. Esta reimaginação (por vezes quase onírica) teve, por sua vez, um efeito inspirador em, ainda mais jovens, cineastas americanos.
Este ziguezaguear geográfico e cultural é revelador, efetivamente, da universalidade da 7ª arte. Que não pare!
Abraços,
JK
Carlos Branco said:
O Western de Leone também é um daqueles géneros que aprecio bastante e já tive oportunidade de me debruçar sobre aqueles filmes que considero mais icónicos do realizador. Boa escolha, bom ciclo e um abraço ao autor do texto e do blog.
Rafael Santos said:
Óptima escolha Jorge. (E que muito se adequa a ti, pelo pouco que conheço eheh)
Ainda só vi mesmo dois filmes do Leone mas quero bastante ver os restantes, basta-me arranjar um pouco mais de tempo. E quem diz Leone, diz tantos outros, tenho que explorar este sub-género, pois estou mesmo verde no que toca ao conhecimento sobre o mesmo.
P.s: Não conhecia o blog do Pedro e do Emanuel e posso afirmar que foi um prazer descobri-lo…