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Mon Oncle Vivendo num bairro tradicional da sua cidade, a vida do Sr. Hulot (Jacques Tati) é contrastada com a do seu cunhado Arpel (Jean-Pierre Zola), director de uma fábrica de plásticos, que vive com esposa e filho numa mansão extremamente moderna. Os automatismos e arquitectura da mansão e jardim circundante são a menina dos olhos dos Arpel. Por isso, eles convidam frequentemente os vizinhos, para exibir a sua modernidade. Claro que esta é sempre boicotada por Hulot, propenso a estragar tudo, no que é admirado pelo seu sobrinho Gérard (Alain Bécourt).

Análise:

Cinco anos depois de “As Férias do Sr. Hulot”, Jacques Tati recuperava a personagem do Sr. Hulot (sempre interpretado pelo próprio realizador) para protagonizar a sua terceira longa-metragem. Tal como acontecera no filme anterior, Tati fez questão de lutar pelo perfeccionismo, levando a uma produção que se iniciou em 1956. Esta passou pela construção de diversas casas, resultando em cenários impressionantes, (nomeadamente a casa modernista no centro do filme, o prédio de Hulot e os interiores cinzentos e assépticos da fábrica), num trabalho de Jacques Lagrange, infelizmente demolido após o final da produção.

Com o contraste entre o modernismo e o tradicionalismo no centro do filme, este inicia-se com uma sequência deliciosa onde vemos cães vadios a correr pela rua e a vasculhar em caixotes do lixo que derrubam caoticamente. A estes junta-se um cão diferente, pois tem um agasalho sobre o pêlo. Uns segundos depois este corre para casa, passando pelos interstícios de um portão metálico por onde se vê uma luxuosa e moderna mansão, deixando os outros a espreitar pelas frinchas. Está estabelecido o mote da diferença entre os que estão dentro (os ricos) e os que apenas espreitam do lado de fora (os pobres).

Mas o filme não tem como objectivo um retrato de desigualdades sociais, o seu foco está sim nas diferenças comportamentais. De um lado, vivendo no seio de aparente riqueza, está o materialista casal Arpel e o seu filho Gérard (Alain Bécourt). Mais que procurarem conforto (que na realidade a sua Vila Arpel nem parece ter, por ser tão pouco prática), a sua preocupação é a ostentação perante os vizinhos, vivendo uma vida dependente da acumulação de tudo o que possa impressionar os outros. Claro que isto é pasto para grande parte da comédia. Exemplos são o ridículo de Madame Arpel (Adrienne Servantie) a correr a ligar a fonte do jardim sempre que toca a campainha, para a fechar frustrada quando se trata apenas de alguém que vem prestar um serviço; a forma como vai limpando o pó ao automóvel familiar, mesmo com este em andamento; o modo ridículo como todos caminham no jardim, seguindo os desenhos no chão e saltitando de pedra em pedra; ou o episódio da garagem que, de tão moderna, parece ter vida própria fechando o casal lá dentro. Do outro lado está o despreocupado Hulot (Tati), tio de Gérard (que adora segui-lo), figura popular no seu bairro, amigo e atencioso com todos. Hulot, que frequenta a casa dos Arpel, não se entende com ela, tentando sabotá-la, seja nas suas tentativas de usar os armários da cozinha, seja ao decidir cortar as sebes, ou ao lutar contra o portão. E se Hulot, no seu lado infantil é o companheiro ideal para as peripécias de Gérard, isso perturba o Senhor Arpel (Jean-Pierre Zola) que o vê como má influência para o filho, e congemina o plano perfeito para o domar: dar-lhe emprego na sua cinzenta e mecanizada fábrica, e tentar acasalá-lo com a irritante e afectada vizinha (Dominique Marie).

Com a casa de Hulot como contraste (um edifício que parece estar em equilíbrio precário e onde o caminho de Hulot para o seu andar é comicamente sinuoso), este representa uma sociedade simples e humilde (veja-se a sequência inicial do mercado) prestes a ser devorada pelo modernismo. É mais uma vez a influência de “Os Tempos Modernos” (Modern Times, 1936), de Charles Chaplin, com a sequência da fábrica a lembrar-nos como a desadequação do protagonista é, por si só, um sinal de crítica e rebeldia.

Mas, como estamos a falar de uma comédia, é importante descrevê-la. E aí, Tati, seguindo a aprendizagem dos clássicos do burlesco americano, sempre com subtileza (note-se a cabeça de peixe na sacola de Hulot que parece desafiar um cão que lhe rosna de volta), volta a fazer-nos rir com as inépcias do seu Hulot, sempre optimista e seguro de si, mas poucas vezes capaz de se desenvencilhar de um mundo cujos objectos parecem estar sempre a conspirar contra ele. Aqui menos presente que em “As Férias do Sr. Hulot”, pois muitas vezes o humor provém simplesmente de vermos o ridículo do comportamento dos Arpel (ou as brincadeiras dos amigos de Gérard, como a simulação de colisões de carros), a personagem de Tati (sempre muda) continua a dominar um filme no qual, mais uma vez, os diálogos são secundários, mas os efeitos sonoros são essenciais.

Já conhecido do grande público graças ao sucesso do seu filme anterior, o novo filme de Tati foi recebido com entusiasmo, voltando a ser um sucesso de bilheteira. Recebendo ainda o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e o Prémio Especial do Júri em Cannes, Jacques Tati mostrava que, mesmo quase sem usar palavras, era possível debater ideias e fazer pensar sobre assuntos pertinentes da sua sociedade, e actuais ainda hoje.

Imagem de "O Meu Tio" (Mon Oncle, 1958), de Jacques Tati

Produção:

Título original: Mon Oncle; Produção: Specta Films, Gray-Film, Alter Films, Film del Centauro, Cady Films; País: França / Itália; Ano: 1958; Duração: 111 minutos; Distribuição: Gaumont Distribution (França), Filmes Lusomundo (Portugal); Estreia: 9 de Maio de 1958 (Cannes Film Festival, França), 10 de Maio de 1958 (França), 26 de Janeiro de 1959 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Jacques Tati; Produção: Jacques Tati, Fred Orain [não creditado]; Produtor Associado: Alain Térouanne; Argumento: Jacques Tati, Jacques Lagrange, Jean L’Hôte; Música: Alain Romans, Franck Barcellini, Norbert Glanzberg [não creditado]; Fotografia: Jean Bourgoin [cor por Eastmancolor]; Montagem: Suzanne Baron; Design de Produção: Henri Schmitt; Cenários: Henri Schmitt; Figurinos: Jacques Cottin; Caracterização: Boris Karabanoff; Efeitos Visuais: Bertrand Levallois, Ugo Bimar (versão restaurada); Direcção de Produção: Bernard Maurice.

Elenco:

Jean-Pierre Zola (Charles Arpel), Adrienne Servantie (Madame Arpel), Lucien Frégis (Monsieur Pichard), Betty Schneider (Betty, Filha da Concierge), Jean-François Martial (Monsieur Walter), Dominique Marie (A Vizinha snob dos Arpel), Yvonne Arnaud (Georgette, A Empregada), Adelaide Danieli (Madame Pichard), Alain Bécourt (Gérard Arpel), Régis Fontenay (Vendedor de Suspensórios), Claude Badolle (Feirante), Max Martel (Bêbedo), Nicolas Bataille (Trabalhador).