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Les vacances de M. HulotMonsieur Hulot (a criação de Jacques Tati, e que tinha aqui a sua estreia), é um dos muitos veraneantes que acorrem entusiasticamente à vila à beira-mar de Sainte-Nazaire. Aí, ansiando por umas férias relaxantes, todos se vão deixando perturbar pelos pequenos nadas que lhes complicam os dias, geralmente com Hulot a criar confusão por querer participar em algo ou querer solucionar alguma coisa. Mas nada abala a convicção dos veraneantes de que as férias têm de ser vividas ao máximo, mesmo que muitas vezes nem saibam bem o que andam a fazer.

Análise:

“As Férias do Sr. Hulot” foi a segunda longa-metragem realizada por Jacques Tati, e aquela que nos deu a conhecer a figura inconfundível do Sr. Hulot, interpretado pelo próprio realizador. Iniciando-se numa difícil busca do cenário ideal (a vila marítima de Saint-Nazaire), o filme passou por uma produção complicada (que foi de 1951 a 1953), em virtude das condicionantes meteorológicas e do perfeccionismo de Tati na escolha de cenários naturais e transformação dos espaços existentes (como o sempre presente Hôtel de la Plage) para servir os seus propósitos estéticos e humorísticos. Mas o que fica é, sobretudo, a figura ímpar de Sr. Hulot, a personagem que Tati exploraria nos seus filmes seguintes.

O Sr. Hulot de Tati é um cavalheiro prestável e bem intencionado, mesmo que muitas vezes atraia confusão, sempre involuntariamente, claro. Alto e esguio, distingue-se pelo modo estilizado de caminhar, o que, com o seu chapéu e cachimbo, lhe dá um perfil único, certamente como espelho de tantos cómicos do cinema mudo. E é de cinema mudo que falamos quando falamos de Sr. Hulot, mesmo que os filmes não o sejam tecnicamente. É que Hulot não usa da palavra (apenas para dizer e soletrar o seu nome uma vez durante todo o filme), e os diálogos, embora presentes, não são motor narrativo, funcionando apenas como cenário auditivo. Por outro lado, apesar de manter esta forte componente do cinema mudo, o filme depende de um refinado tratamento do som, seja para ilustrar os acontecimentos (o ruído do motor do carro de Hulot, o vento que tudo leva na sala de estar do hotel, a potência das bolas de ténis servidas por Hulot, etc.), com o tema principal da banda sonora de Alain Romans a surgir como um leitmotiv que nos identifica o que mais de característico define a actuação de Hulot.

Mas, voltando ao filme propriamente dito, “As Férias do Sr. Hulot” é uma leve satira da sociedade pequeno-burguesa e dos seus problemas de primeiro mundo, ilustrados por um grupo de veraneantes que chega ruidosa e excitadamente a pequena vila balnear onde pretende gozar umas relaxantes férias. Com todos os estereótipos esperados, estes veraneantes vão ver os seus dias boicotados por pequenos nadas, geralmente com Hulot de permeio, e se nada disso lhes estragará as férias, incomoda-as de vez em quando. Com essa premissa, Tati satiriza as idas a praia (das vestimentas aos mirones, passando pela inépcia de Hulot num bote), a ginástica de quem nunca a pratica senão porque é esperado, os desportos (como o citado ténis), as caóticas refeições, a impaciência dos empregados do hotel, os serões familiares em jogos de salão, tudo vivido à beira de ataques de nervos por quem parece fazer férias quase por obrigação.

Com um ritmo ameno e um humor subtil (tanto se passa em fundo, e quase longe do olhar do espectador mais desatento), o filme de Tati vive muito da componente burlesca, evocativa de Chaplin e dos comediantes das décadas de 1910 e 1920. Situações como a corrida de plataforma em plataforma atrás do comboio, as pegadas de tinta que levam Hulot a esconder-se do dono do hotel, o jogo de cartas estragado porque Hulot, ao rodar uma cadeira, fez um dos jogadores jogar na mesa errada, ou os quadros que teimam em desalinhar-se por mais que Hulot os realinhe, são exemplos desse burlesco que passa por fugas, esconderijos e todo um ror de mal-entendidos.

O filme foi um enorme sucesso em França, levando Tati a prosseguir a carreira à custa da mesma personagem. Ainda assim, insatisfeito com a montagem final, Tati foi fazendo algumas modificações, pelo que houve a necessidade de se chegar a uma versão “definitiva” depois de muitas cópias do filme surgirem em versões diferentes. Tal foi conseguido em 1978, com Tati a passar o filme dos originais 114 minutos para os actuais 89. Essa versão foi restaurada em 2009 para ter imagem e tratamento de som dignos da versão original.

Gravado originalmente em francês e inglês, o filme teve na versão inglesa a participação de Christopher Lee na maioria das vozes. Note-se ainda que, apesar de quase não ter diálogos, “As Férias do Sr. Hulot” foi nomeado para o Óscar de Melhor Argumento, ganhando ainda o Prémio da Crítica em Cannes. O filme veio a influenciar comediantes um pouco por todo o lado, e se Woody Allen o considerou o melhor filme cómico do seu tempo, Rowan Atkinson inspirou-se nitidamente no Sr. Hulot para compor o seu famoso Mr. Bean.

Jacques Tati em "As Férias do Sr. Hulot (Les vacances de M. Hulot, 1953), de Jacques Tati

Produção:

Título original: Les Vacances de Monsieur Hulot; Produção: Specta Films, Discina Film, Cady Films; País: França; Ano: 1953; Duração: 89 minutos; Distribuição: Discifilm (França); Estreia: 25 de Fevereiro de 1953 (França), 22 de Fevereiro de 1954 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Jacques Tati; Produção: Fred Orain, Jacques Tati [não creditado]; Argumento: Jacques Tati, Henri Marquet, Pierre Aubert, Jacques Lagrange; Música: Alain Romans; Fotografia: Jacques Mercanton, Jean Mousselle [preto e branco]; Montagem: Suzanne Baron, Charles Bretoneiche, Jacques Grassi; Design de Produção: Roger Briaucourt, Henri Schmitt; Cenários: Henri Schmitt.

Elenco:

Jacques Tati (Monsieur Hulot), Nathalie Pascaud (Martine), Micheline Rolla (Tia), René Lacourt (Senhor Idoso), Lucien Frégis (Dono do Hotel), Valentine Camax (Mulher Inglesa), Suzy Willy (Mulher do Comandante), Marguerite Gérard (Senhora Idosa), Louis Pérault (Fred), André Dubois (Comandante), Raymond Carl (Empregado), Claude Schillio (Fotógrafo).