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L'albero degli zoccoli Na planície oriental da região de Bergamo, entre o Outono de 1897 e a Primavera de 1898, assistimos à vida de algumas famílias rurais da região, que vivem na mesma cascina (espécie de pequeno aldeamento comunitário nalguma regiões rurais italianas) onde partilham o quotidiano de labuta pela terra e animais, numa existência precária, sob o olhar do senhorio que é dono das terras e casas. Usando actores não profissionais, Ermanno Olmi dá um retrato duro, mas realista, e ao mesmo tempo comovente, de um tempo e modo de vida que ainda não desapareceu totalmente.

Análise:

Verdadeiro herdeiro do espírito do Neo-realismo, “A Árvore dos Tamancos” é um filme que, apesar de produzido em 1978 e já numa era em que a RAI (Radiotelevisão Italiana) injectava dinheiro no cinema, lembra o manifesto do pós-guerra, quando o cinema dos novos autores parecia quase artesanal, numa afirmação estética e temática que influenciaria para sempre o cinema mundial. Se Ermanno Olmi mostrou esta tendência logo desde o início da sua carreira, destacando-se o seu primeiro sucesso “O Emprego” (Il Posto, 1961), tal ganhou ainda maior evidência na sua obra de 1978, um filme que usa actores não profissionais, filmando o seu dia-a-dia e situações aparentemente não encenadas, numa temática que exclui histórias individuais, servindo como comentário a um contexto social, onde é o sofrimento do povo que surge como protagonista.

É de tudo isto que é feito “A Árvore dos Tamancos”, filme rodado na região de Bergamo (de onde Olmi é natural), falado no rude dialecto bergamasco, e centrando-se nas condições de vida de um conjunto de famílias pobres, ligadas à terra e vivendo em parcas condições numa mesma cascina (nome dado a pequenos aldeamento comunitário rurais naquela região de Itália), em função daquilo que a natureza lhes permite. É claro que se nota que, em relação com os filmes de Rossellini, Visconti ou De Sica dos anos 40/50, “A Árvore dos Tamancos” tem situações encenadas, e uma montagem muito elaborada. Ainda assim, pelo modo de estar dos personagens, pela fotografia e planos lentos, muito do que nos chega parece naturalista e improvisado, na velha tradição do Neo-realismo.

“A Árvore dos Tamancos” mostra-nos um grupo de famílias dos arredores de Bergamo, cuja vida depende da terra. São famílias sem nada de seu, vivendo em casas emprestadas pelos senhorios da terra, que partilham com os animais (até porque o calor é um bem precioso numa zona muito fria), em quartos onde dormem casal e um ror de filhos, por vezes todos na mesma cama. Seguindo de mais perto a família de Batistì, conhecemos a rotina familiar, o trabalho na terra, o cuidar dos animais, e alguns momentos decisivos, como o conselho do padre Don Carlo para que Minec, o filho de seis anos, vá estudar (algo que é visto quase como uma maldição pela família), o nascimento de um novo bebé (ou mais uma boca para comer), ou o corte ilícito de uma árvore para da sua madeira se esculpir novos tamancos para substituir uns estragados para uma das crianças (acto que levará ao despedimento de Batistì).

Pelo meio assistimos às brincadeiras das crianças, cantorias de lenga-lengas tradicionais, reuniões nocturnas da comunidade para cantarem e ouvirem histórias, ou a outros episódios, como a estratégia do avô Anselmo para ter a colheita de tomate mais cedo que na estação certa, num segredo que partilha com a neta Bettina, ou o caso da vaca doente, que a viúva Runk pensa ter curado com água benta. Termos ainda o colérico Finard, que ao encontrar uma moeda de ouro a esconde no casco do cavalo, que a virá a perder, para desespero do homem que cai de cama doente, o que traz a curandeira para o salvar. Vemos o ciclo de plantação e colheita, a morte de animais e até um casamento, depois do mais casto dos cortejamentos, entre Stefano e Maddalena. Tudo sob o olhar dos patrões (com direito a dois terços da colheita), um ténue nascimento do socialismo, e a presença da Igreja, numa devoção profunda que se mistura com crendice popular.

Mesmo sem uma linha narrativa convencional, e com actores cuja forma de estar e prosódia se afasta em tudo do que esperamos de actores profissionais, há sempre um grande cuidado com o que se mostra e como Olmi (que, além de realizar, escreveu o argumento, foi director de fotografia e responsável pela montagem) o mostra. No lento explanar das situações do quotidiano (onde a música pastoral de Bach surge quase como uma ligação ao transcendente), com ilustrações realistas dos vários momentos da vida rural e comportamentos dos camponeses, há algo de comovente no existencialismo puro e simples que liga aquelas pessoas à vida e à natureza. Com a planície bergamasca como protagonista, falado em bergamasco, o filme é por isso também, uma homenagem às raízes do autor, como se só naquele dialecto (que não é fácil de compreender pela maioria dos italianos) se atingisse uma maior ligação com a realidade que se pretendia mostrar.

Exemplo cabal de como sem pretensiosismos se consegue grande cinema, até num quase documentarismo que é apenas uma homenagem a um certo modo de vida, “A Árvore dos Tamancos” surpreendeu, e ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o César de Melhor Filme de Língua Estrangeira.

Imagem de "A Árvore dos Tamancos" (L'albero degli zoccoli, 1978), de Ermanno Olmi

Produção:

Título original: L’albero degli zoccoli; Produção: RAI Radiotelevisione Italiana / Ital-Noleggio Cinematografico; Produtores Executivos: ; País: Itália; Ano: 1978; Duração: 178 minutos; Distribuição: Ital-Noleggio Cinematografico (Itália); Estreia: (EUA), (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Ermanno Olmi; Argumento: Ermanno Olmi; Música: Johann Sebastian Bach; Fotografia: Ermanno Olmi [cor por Gevacolor]; Montagem: Ermanno Olmi; Design de Produção: Enrico Tovaglieri; Direcção Artística: ; Cenários: Franco Gambarana; Figurinos: Francesca Zucchelli; Caracterização: Guiliana DeCarli; Direcção de Produção: Attilio Torricelli.

Elenco:

Luigi Ornaghi (Batistì), Francesca Moriggi (Batistina), Omar Brignoli (Minec), Antonio Ferrari (Tuni), Teresa Brescianini (Viúva Runk), Giuseppe Brignoli (Anselmo), Carlo Rota (Peppino), Pasqualina Brolis (Teresina), Massimo Fratus (Pierino), Francesca Villa (Annetta), Maria Grazia Caroli (Bettina), Battista Trevaini (O Finard), Giuseppina Langalelli (A Esposa Finarda), Lorenzo Pedroni (O Avô Finard), Felice Cervi (Uslì), Pierangelo Bertoli (Secondo), Brunella Migliaccio (Olga), Giacomo Cavalleri (Brena), Lorenza Frigeni (A Esposa de Brena), Lucia Pezzoli (Maddalena, Filha dos Brena), Franco Pilenga (Stefano, Noivo de Maddalena), Guglielmo Badoni (Pai do Esposo), Laura Lecatelli (Mãe do Esposo), Carmelo Silva (Don Carlo), Mario Brignoli (Senhorio), Emilio Pedroni (Feitor), Vittorio Capelli (Fritkì), Francesca Bassurini (Luca Maria), Lina Ricci (Mulher das Rezas).