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Yotsuya KaidanSem senhor a quem servir, o samurai Iyemon Tamiya (Tatsuya Nakadai) está condenado à pobreza, pelo que o sogro (Yasushi Nagata) ordena o regresso a casa da filha Oiwa (Mariko Okada), para a dar à prostituição. Numa discussão Iyemon mata o sogro, enquanto o seu amigo Naosuke (Kanzaburō Nakamura) mata o noivo de Osode (Junko Ikeuchi), irmã de Oiwa, por ciúmes. Ambos vão culpar ladrões e viver com as respectivas pretendidas, mas cedo Iyemon decide que para voltar a ter um senhor precisa de casar com alguém mais rico. Com a sua nova noiva Oume (Mayumi Ōzora), Iyemon planeia a morte da esposa, só que esta voltará como fantasma, para o atormentar e todos aqueles que causaram os seus males e os da sua irmã.

Análise:

“Tōkaidō Yotsuya”, a peça de teatro kabuki escrita no início do século XIX, por Tsuruya Nanboku, é talvez a mais reputada das histórias de fantasmas passadas no remoto passado dos samurais. A peça teve como mais famosa adaptação cinematográfica, o filme da Shintoho “The Ghost of Yotsuya” (Tōkaidō Yotsuya Kaidan, 1959), realizado pelo famoso Nobuo Nakagawa. Em 1965 foi a vez de Shirō Toyoda a trazer ao grande ecrã, no filme “Illusion of Blood” (Yotsuya Kaidan), produzido pela Toho.

Tal como a peça que o inspira, “Illusion of Blood” contém todos os elementos do terror clássico japonês, situando-se, como habitualmente, no período Edo, com os samurais a tornarem-se ronins (samurais sem senhor), em decadência de estilo de vida e valores, com maus tratos às mulheres, e a consequente atmosfera de vingança além-túmulo.

Interpretado pelo célebre Tatsuya Nakadai, este é Iyemon Tamiya, um samurai que, sem ter nada de seu, vê a sua esposa Oiwa (Mariko Okada) ser ordenada de volta a casa do seu pai (Yasushi Nagata) disposto a entrega-la à prostituição, como já fizera com a sua outra filha Osode (Junko Ikeuchi), também pretendida por um samurai que está ausente (Mikijirō Hira). Numa altercação com o pai de Oiwa, Iyemon mata-o. Em simultâneo, o criado Naosuke (Kanzaburō Nakamura), vê na queda de Osode uma oportunidade, e quando o pretendente desta regressa de surpresa, Naosuke mata-o à traição. Em cumplicidade, Iyemon e Naosuke culpam ladrões pelas mortes, e juram vingar as duas mulheres, casando com elas.

Sem dinheiro, e já pai, Iyemon cansa-se da sua vida com Oiwa, e começa a cortejar Oume (Mayumi Ōzora), filha de um rico e influente pai (Eitarō Ozawa), e juntos começam a envenenar Oiwa, que morre com o rosto horrivelmente disforme. A partir de então o fantasma de Oiwa vai começar a surgir a Iyemon, que em desespero acaba por matar a nova esposa e sogro, bem como a Naosuke, que inadvertidamente revela a Osode os seus crimes, acabando por morrer por eles.

Com uma história algo complexa e rebuscada (onde temos quase uma duplicação do enredo com Iyemon por duas vezes a matar esposas e sogros), somos levados ao mundo dos samurais, mas um mundo de decadência, perda de importância, honra e valores. É um pouco o paralelo com o Japão do pós-guerra, na sua longa travessia para sair das feridas da derrota militar, a braços com a subjugação a influências externas, e à perda da importância da tradição milenar. Nesse mundo movem-se personagens quase sempre ambíguos e de moral inconstante. Se Iyemon e Naosuke são oportunistas, capazes de matar para obter as vantagens pretendidas, os dois sogros de Iyemon não são menos condenáveis (um chantageando o samurai e levando as filhas à prostituição, o outro ajudando a envenenar Oiwa), Oume é cúmplice na morte de Oiwa, a mãe de Oume tenta tirar vantagens da morte do marido, Takuetsu e a esposa gerem um bordel com alegria e conivência de todos, e mesmo as duas irmãs, vítimas da história, não vêem a prostituição como algo degradante.

Nesta quase amoralidade, é o crime de morte e a maldade contra as mulheres que causam motivos para vingança. Esta surge, mais uma vez, na forma de espíritos femininos, que aqui não parecem agir ostensivamente, antes provocando acções com o desespero que ajudam a criar. São, por isso, os perpetradores dos crimes que serão os seus próprios carrascos, quando a loucura os fizer matar aqueles que queriam consigo, e acabando por provocar as suas próprias mortes.

Com interpretações propositadamente exageradas, “Illusion of Blood” vale pela sinuosidade do enredo, embora se perca um pouco no momento de assustar, onde as reacções dos protagonistas nem sempre parecem coincidir com a ameaça apresentada, e os efeitos nem sempre resultam (os ratos chegam a ser risíveis). Ainda assim, mercê de uma cuidada mise-en-scène, e uma cenografia que, como habitualmente, consegue criar em estúdio um certo irrealismo luminoso de céus pintados, e bosques artificiais, o filme de Shirō Toyoda é mais um bom exemplo do terror de fantasmas japonês, com um pé no drama moral e outro no conto de fadas.

Mariko Okada e Junko Ikeuchi em "Illusion of Blood" (Yotsuya Kaidan, 1965) de Shirō Toyoda

Produção:

Título original: Yotsuya Kaidan; Produção: Toho Film (Eiga) Co. Ltd. / Tokyo Film; País: Japão; Ano: 1965; Duração: 105 minutos; Distribuição: Toho Company (Japão), Frank Lee International; Estreia: 25 de Julho de 1965 (Japão).

Equipa técnica:

Realização: Shirō Toyoda; Produção: Ichirō Satō, Hideyuki Shiino; Argumento: Toshio Yasumi [a partir da peça de Nanboku Tsuruya]; Música: Tôru Takemitsu; Fotografia: Hiroshi Murai [filmado em Tohoscope, cor por Eastman]; Montagem: Chizu Hirose; Design de Produção: Hiroshi Mizutani.

Elenco:

Tatsuya Nakadai (Iyemon Tamiya), Mariko Okada (Oiwa), Junko Ikeuchi (Osode), Mayumi Ōzora (Oume), Keiko Awaji (Omaki), Eitarō Ozawa (Pai de Oume), Masao Mishima (Takuetsu), Mikijirō Hira (Yomoshichi Satō), Kanzaburō Nakamura (Naosuke), Eijirō Tōno (Sacerdote), Yasushi Nagata (Pai de Oiwa), Yûsuke Takita (Comprador de Espadas), Shinichi Nakano (Homem da Loja de Arroz), Sen Yano (Kohei), Toru Uchida (Mercador de Roupas Usadas), Kinji Omino (Shōzaburō Okuda), Akiko Nomura (Mulher de Takuetsu), Shōtarō Nakamura (Gengo).

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