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The Serpent's EggNa República de Weimar, a Alemanha entre as guerras, Abel Rosenberg (David Carradine) é um artista de circo desempregado, de origem judia, que descobre que o irmão Max se suicidou. Inseguro e em fúria contra a crescente miséria e violência política, Abel refugia-se na bebida, e procura a esposa de Max, Manuela (Liv Ullmann), que trabalha num cabaré. Acossados pela polícia, e expulsos do local onde moram, o par vai encontrar refúgio numa casa do sinistro Hans Vergerus (Heinz Bennent), que lhes oferece emprego num hospital onde se processam estranhas experiências científicas.

Análise:

Com conhecidos problemas com as finanças suecas (envolvendo a sua companhia Cinematograph, e a sua subsidiária suíça Persona), Ingmar Bergman passou, a meio dos anos 70, um período de pesadelo, com constantes visitas das autoridades, o interesse mórbido da imprensa, e mesmo uma estadia de horas na prisão, que lhe valeram um esgotamento nervoso. Cansado de tudo o que estava a passar, Bergman decidiu ir para o estrangeiro, para ter paz, enquanto os seus advogados tentavam resolver a situação. Este exílio voluntário levou-o à Alemanha, onde Ingmar Bergman trabalhou por alguns anos, no Teatro de Munique. Foi nesse período que realizou o seu primeiro filme fora da Suécia, com dinheiro vindo de fora, da parte do conhecido produtor Dino De Laurentiis (que lhe possibilitou o maior orçamento e equipa técnica que jamais tivera), filmando em inglês, com actores estrangeiros, como já havia feito com “O Amante” (The Touch, 1971), embora este seja parcialmente falado em sueco.

Com a acção a decorrer em 1923, Ingmar Bergman transporta-nos à decadência e crise da República de Weimar no período entre as duas guerras mundiais. É um período de instabilidade política que leva ao surgimento de partidos radicais (o comunista e o nazi), carências e depressão económica, que, por outro lado, contrastam com uma forte fuga para o mundo boémio típico dos anos 20. Nele move-se o imigrante americano Abel Rosenberg (David Carradine), um artista de circo sem emprego, cujo irmão Max acabou de se suicidar. Abel procura a cunhada, Manuela (Liv Ullmann), artista de cabaré e prostituta, que o tenta ajudar a subsistir. Perante condições cada vez mais difíceis, e enquanto Abel é considerado suspeito de várias mortes que ocorreram no bairro, o duo é ajudado pelo antigo conhecido, Hans Vergerus, que os emprega num seu hospital, que se virá a descobrir, conduz experiências proibidas com humanos.

Filmando a noite alemã, numa atmosfera de constante pesadelo e neurose, Bergman inspirou-se no Expressionismo Alemão, em particular no clima de paranoia de “Matou” (M, 1931) de Fritz Lang. Por outro lado, fazendo uso da cor garrida e da música, Bergman pisca o olho à vida dos cabarés berlinenses, recordando o conhecido “O Anjo Azul” (Der blaue Engel, 1930) de Josef von Sternberg, filme que projectou Marlene Dietrich para a ribalta.

O que fica é uma espécie de noir, com um anti-herói (Carradine) por quem dificilmente sentiremos simpatia, perdido num mundo que não compreende e que o tritura. O seu Abel é facilmente irritável (e irritante), constantemente em luta psicológica consigo próprio, colérico, sempre com álcool a mais e à beira do precipício. Tal explicar-se-á mais tarde pelas infames experiências de Hans Vergerus, que exemplificam o pesadelo que estava a cair sobre a Alemanha. É aliás nesse sentido que funciona o título (tirado de uma linha de “Júlio César” de Shakespeare), como explicado por Vergerus, significando o mal que, embora ainda em gestação, está já à vista de todos, isto é o nazismo. O filme alude ainda ao Putsch de Munique, de 1923, tentativa falhada de Adolf Hitler de uma revolução violenta.

Cheio de imagens fortes (da violência física ao desmembramento de um cavalo real, para alimentar os famintos alemães), “O Ovo da Serpente” destaca-se ainda pelo modo distinto de Bergman filmar, evitando os planos fixos e os close-ups, filmando maioritariamente planos médios, com muitos travellings, e cenas de exteriores. O filme é um claro retrato da crise social alemã dos anos 20, com a fuga para o extremismo político e o mal que estava a chegar da parte do então ainda incipiente partido Nazi. É por isso um filme negro, neurótico, violento e pessimista, onde tudo nos chega pelos olhos, já de si cansados e amedrontados, de Abel, um personagem, que, para mais exacerbar a sua posição frágil, é de origem judia.

Falado em inglês e alemão, embora com os textos em alemão (as rusgas policiais, e as canções de cabaré) não traduzidos ou legendados, “O Ovo da Serpente”, que procura em estilo o que perde em emoção e tensão, seria sempre um filme mal compreendido, quer pela crítica, quer pelo público. Por uma vez, a própria Liv Ullman parece desperdiçada, num filme onde não encontra o seu lugar, o que ajudou ainda mais a votar o filme ao fracasso, afastando cada vez mais Ingmar Bergman do circuito comercial de cinema.

Liv Ullman e David Carradine em "O Ovo da Serpente" (The Serpent’s Egg / Das Schlangenei, 1977) de Ingmar Bergman

Produção:

Título original: The Serpent’s Egg / Das Schlangenei; Produção: Dino De Laurentiis Corporation / Rialto Film / Bavaria Film [não creditada] / Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) [não creditada]; Produtor Executivo: Horst Wendlandt; País: RFA; Ano: 1977; Duração: 119 minutos; Distribuição: Paramount Pictures (EUA); Estreia: 26 de Outubro de 1977 (Suécia), 27 de Julho de 1978 (Cinema Londres, Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Ingmar Bergman; Produção: Dino De Laurentiis; Produtor Associado: Harold Nebenzal; Argumento: Ingmar Bergman; Música: Rolf A. Wilhelm; Fotografia: Sven Nykvist [cor por Eastmancolor]; Montagem: Petra Von Ölffen Jutta Hering; Design de Produção: Rolf Zehetbauer; Direcção Artística: Werner Achmann, Friedrich Thaler, Herbert Strabel [não creditado]; Figurinos: Charlotte Flemming; Caracterização: Franz Göbel, Babette Juli, Susi Krause, Raimund Stangl; Efeitos Especiais: Karl Baumgartner, Dieter Ortmeier; Coreografia: Heino Hallhuber; Direcção de Produção: Georg Föcking.

Elenco:

Liv Ullmann (Manuela Rosenberg), David Carradine (Abel Rosenberg), Gert Fröbe (Inspector Bauer), Heinz Bennent (Hans Vergerus), James Whitmore (O Padre), Glynn Turman (Monroe), Georg Hartmann (Hollinger), Edith Heerdegen (Frau Holle), Fritz Strassner (Dr. Soltermann), Hans Quest (Dr. Silbermann), Paula Braend (Frau Hemse).