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El TopoEl Topo (Alejandro Jodorowsky), é um pistoleiro, vestido de negro que atravessa o deserto na companhia do seu filho completamente nú (Brontis Jodorowsky). Após o ritual de enterro dos objectos de criança, que tornam o filho um homem, juntos descobrem uma aldeia onde toda a gente e animais foram chacinados. El Topo encontra três bandidos que mata, e por um deles descobre que os culpados estão numa missão franciscana. Lá, eles sodomizam os monges, até El Topo chegar, matar o seu chefe, o Coronel (David Silva), e libertar os monges. Na partida, a mulher que servia o Coronel, vai com El Topo, que abandona o filho.

A mulher, Mara (Mara Lorenzio), incita El Topo a provar que a merece, matando os quatro mestres pistoleiros do deserto. El Topo procura-os e enfrenta-os um por um, sempre através de um duelo de ideias e vontades em que tem de usar subterfúgios para os matar. No final, a mulher de negro que os acompanhara, dispara contra El Topo, dando a escolher a Mara com quem quer ficar. Mara escolhe a mulher, e atinge El Topo, que é abandonado ferido, até um bando de deformados o levar.

Anos depois El Topo acorda numa caverna, onde é venerado com um salvador. Ali, aprende que está entre deformados, rejeitados da vila que fica no sopé da montanha. Promete tudo fazer para os tirar da caverna que os aprisiona, e sai com uma mulher anã. Os dois dirigem-se à vila, onde encontram enorme crueldade, com escravos a ser marcados com ferros em brasa, outros a ser mortos a sangue frio. A liga das senhoras de bem controla as actividades dos maridos, mas abusa dos escravos, e ignora o bar de prostituição. El Topo e a mulher anã ganham dinheiro com exibições de humor de rua, e serviços limpeza. Esse dinheiro é usado a comprar utensílios para escavar o túnel que liberte os deformados. Quando são levados à casa de prostituição, é-lhes pedido que tenham sexo em público. Sentindo vergonha por tal acto a mulher é incapaz de enfrentar El Topo, que assim decide casar com ela. Ao chegarem à igreja encontram um novo monge, que é o filho de El Topo, já adulto.

Por raiva do abandono, o filho quer matar El Topo, mas este convence-o a esperar que o túnel esteja pronto. Como os avanços são lentos, o filho passa a ajudar o pai tanto no trabalho de abrir o túnel, como a ganhar dinheiro na vila. Finalizado o túnel, o filho é incapaz de matar o pai. Os deformados precipitam-se para a aldeia, e são todos mortos à entrada. El Topo corre em sua salvação e é atingido, mas não morto. Pegando numa arma, mata todos os habitantes, e por fim imola-se no fogo. Ao mesmo tempo a sua mulher dá à luz, e segue com o filho de El Topo.

Análise:

“El Topo” é, à primeira vista um Western, mas muito diferente de qualquer outro Western até aí filmado. Produto da imaginação do autor vanguardista chileno (durante antes radicado em França) Alejandro Jodorowsky, que antes já filmara o também surrealista “Fando y Lis” em 1968, “El Topo” é uma história mística de busca da luz e conhecimento, e das consequências que isso tem sobre um homem. O mote é desde logo dado na apresentação da toupeira, animal que escava para procurar a luz, e com ela fica cega. De certo modo é isso que a história representa.

O filme segue a vida de um homem, chamado El Topo (o próprio Alejandro Jodorowsky), que se inicia como um justiceiro, mas através de uma série de episódios, muitas vezes simbólicos, vai encetar uma viagem de purificação e ascenção, que acabará com o seu próprio sacrifício, após se ter disposto a salvar um conjunto de pessoas.

Subdividido em capítulos de carácter bíblico, “El Topo” mostra uma forte influência religiosa, com temas judaico-cristãos e orientais, na base da sua filosofia. Esta (que tem a ver com as influências do próprio Jodorowsky) passa por um certo messianismo (El Topo surge como salvador no deserto, compara-se a Moisés, e faz milagres de encontrar comida e água), e continua no ascetismo com que ele renasce no interior da caverna (a cabeça rapada e túnica invocam o budismo), e na ascenção que busca no contacto com os mestres, que procuram atingir uma outra forma (o nirvana budista).

A violência e a sexualidade são outros dos temas recorrentes da obra (comuns ao surrealismo em geral), iniciada como uma série de combates à pistola. Em jeito de Western, El Topo desafia e vence todos os adversários, trazendo justiça a um mundo que eles vilipendiam (matando, usando, humilhando, profanando, sodomizando). Tal vale-lhe a admiração de Mara (Mara Lorenzio), que o segue, e a quem se dá. A fé de El Topo (que consegue encontrar comida e água no deserto, ao contrário de Mara), alia-se a imagens de conteúdo sexual, como a nudez e violação de Mara que, ao deixar de ser virgem, já pode também acreditar e assim a conseguir também comida e água (de notar como a rocha de onde brota água tem a forma de um pénis do qual jorra sémen).

A partir de então El Topo é desafiado a dar o passo seguinte, matar os quatro mestres, os quais nos surgem como ascetas, mestres de sabedoria, que contribuem para a iluminação de El Topo. Este mata-os para que ele próprio progrida e os substitua, mas fá-lo com pesar, no que não é compreendido por Mara, que aos poucos o troca por outra mulher. Por outras palavras, quanto mais El Topo sobe no caminho espiritual, mais Mara procura os prazeres carnais dados pela mulher desconhecida (exemplificados na tortura com chicote, e nos beijos apaixonados).

Tendo atingido a perfeição, ao matar os mestres (e absorver a sua sabedoria), El Topo é abandonado (as feridas que ostenta relembram as chagas de Cristo), e renasce no interior de uma caverna. Note-se aliás como o tema do enterro e renascimento é recorrente. Começamos com o enterro dos objectos do seu filho, que assim se torna um homem. Vemos depois o renascimento do Coronel (David Silva), que acorda como um bebé, e à medida que se veste se torna adulto e poderoso. A passagem de El Topo dá-se após o enterro dos quatro mestres. Temos depois o renascimento simbólico de El Topo, que acorda numa caverna (como um útero da mãe Terra), e na cerimónia de corte do cabelo e barba, vemos um parto simulado, com El Topo saindo de entre as pernas da velha anciã. O próprio filme termina com o nascimento do segundo filho de El Topo e o enterro do protagonista.

O tema da passagem é também evidente, com a educação e o crescimento do filho de El Topo (primeiro criança, depois adulto), o qual precisa matar o pai (analogia freudiana), para finalmente ter uma vida sua. O mesmo fizera El Topo, com os quatro mestres, que precisou matar para progredir como pessoa. O filme termina fechando um ciclo, em que o filho, veste agora as vestes de pistoleiro, cavalgando no deserto com um bebé atrás de si.

Crescimentos, mortes e renascimentos, são constantes rituais de passagem, episódios no caminho para novos estados de existência, o tal caminhar da toupeira em relação ao sol que a cegará.

A sátira de Jodorowsky vai ainda mais longe, mostrando-nos a hipocrisia humana, contida na cobardia e luxúria do Coronel e seus homens (retratados como cães), na violência da aldeia, na repressão de costumes que leva às depravações sexuais de homens e mulheres, e até na religião, aqui professada como um culto de falsos milagres (a roleta russa viciada), numa igreja marcada pelo símbolo do triângulo com um olho dentro, evocativo da maçonaria, e usado nas notas de dólares americanos.

Usando o surrealismo e simbolismo na forma de ligar episódios, e transmitir conceitos, Jodorowsky concebeu um filme excêntrico e complexo. Lembra por um lado um Fellini visualmente mais austero e parco em palavras. Mas o imaginário de Jodorowsky é original pela fotografia no deserto, temática sul-americana e sátira corrosiva. O uso da violência, muitas vezes sangrenta, a crueza das várias passagens, a escolha do grotesco, por exemplo no uso de pessoas deformadas como actores e figurantes, e as mensagens desconcertantes presentes em cada momento, fizeram com que o filme tenha sido fortemente criticado, tendo sido inclusivamente proibido no país de origem.

“El Topo” foi estreado no Museum of Metropolitan Art, em Nova Iorque, e acabou por chamar a atenção de John Lennon, que o defendeu como parte do movimento avant-garde em que ele próprio se inseriu. Com o seu patrocínio o filme teve uma distribuição alargada nos Estado Unidos, tornando-se um filme de culto, tendo vindo a influenciar inúmeros artistas. Hoje, é citado como influência de realizadores como David Lynch e Gore Verbinski, e músicos como Bob Dylan, Roger Waters e Peter Gabriel, entre outros artistas e autores.

Produção:

Título original: El Topo; Produção: Producciones Panicas; Produtor Executivo: Roberto Viskin; País: México; Ano: 1970; Duração: 120 minutos; Distribuição: Douglas Films (EUA); Estreia: 18 de Dezembro de 1970 (EUA).

Equipa técnica:

Realização: Alejandro Jodorowsky; Produção: Roberto Viskin; Argumento: Alejandro Jodorowsky; Música: Alejandro Jodorowsky; Orquestração: Nacho Mendez; Montagem: Federico Landeros; Fotografia: Rafael Corkidi (filmado em Technicolor); Direcção Artística: Alejandro Jodorowsky; Figurinos: Alejandro Jodorowsky.

Elenco:

Alejandro Jodorowsky (El Topo), Brontis Jodorowsky (Filho de El Topo, criança), José Legarreta (Moribundo), Alfonso Arau (Bandido #1), José Luis Fernández (Bandido #2), Alf Junco (Bandido #3), Gerardo Zepeda (Bandido #4), René Barrera (Bandido #5), René Alís (Bandido #6), Federico Gonzáles (Bandido #7), Vicente Lara (Bandido #8), Pablo Leder (Monge #1), Giuliano Girini Sasseroli (Monge #2), Cristian Merkel (Monge #3), Aldo Grumelli (Monge #4), Mara Lorenzio (Mara), David Silva (Coronel), Ignacio Martínez España (Homem sem braços), Eliseo Gardea Saucedo (Homem sem pernas), Héctor Martínez (Mestre #1), Paula Romo (Mulher de negro), Bertha Lomelí (Cigana, Mãe do Mestre #2), Juan José Gurrola (Master #2), Víctor Fosado (Mestre #3), Agustín Isunza (Mestre #4), Jacqueline Luis (Mulherzinha), Carlos Lavenant (Carrasco #1), Eliseo Pereda (Carrasco #2), Pablo Marichal (Escravo), Beatriz Beltrán Lobo (Senhora #1), Carmen Lamadrid (Senhora #2), Pepita González (Senhora #3), Cecilia Leger (Senhora #4), Elvira Agosti (Senhora #5), Antonio Álvarez (Prisoneiro #1), Rueben Gonzáles (Prisoneiro #2), Víctor Manuel Osorio (Prisoneiro #3), José Pérez Bustos (Prisoneiro #4), Eduardo Danel (Prisoneiro #5), Álvaro García (Prisoneiro #6), José Antonio Alcaraz (Xerife), Felipe Díaz Garza (Ajudante do Xerife), Patricio Pereda (Criança), Marcos E. Contreras (Pugilista #1), Arturo Silva (Pugilista #2), Robert John (Filho de El Topo, homem), Julián de Meriche (Padre), Valerie Tremblay (Mulher na igreja), José Luis González de León (Homem na igreja), Francisco González Salazar (Lojista), Pedro García (Homem com a cenoura).