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Out of the PastSinopse:

Jeff Bailey (Robert Mitchum), dono de uma estação de serviço numa pacata cidade de província, é procurado por um gangster que lhe vem recordar o passado, e tentar levá-lo para pagar um favor ao seu antigo patrão.

Bailey fora outrora Markham, um detective privado contratado para encontrar Kathie (Jane Greer), a companheira do gangster Whit Sterling (Kirk Douglas), que o alvejara e roubara. Jeff encontrara Kathie no México, mas acabara por se apaixonar por ela e os dois decidiram fugir. Cedo os homens de Whit descobriram Jeff e Kathie, e perante a adversidade, Jeff viu Kathie colocar a sua sobrevivência pessoal acima do amor.

Agora o passado encontra Jeff, e Whit chama-o de volta. Mas Jeff sabe que mais que pagar um favor, terá uma teia bem enredada de ciladas de que se livrar.

Análise:

A partir de um livro de Geoffrey Holmes, que também escreveu o argumento, Jacques Tourneur, célebre realizador de filmes de terror, realizava para a RKO o primeiro dos seus vários Noir.

Como é saliente no título original, “O Arrependido” traz-nos um dos temas típicos do Noir: o homem que procura fugir a um passado que insiste em ajustar contas com ele. Nesse sentido o filme lembra-nos “Assassinos” (The Killers, 1946) de Robert Siodmak, já que em ambos os filmes um homem se refugia do seu passado, numa pequena aldeia remota, sob um nome falso, curiosamente ambas as vezes como dono de uma estação de serviço.

O título funciona duplamente. Jeff foge do passado que o colocava a trabalhar para o gangster Whit Sterling (Kirk Douglas), mas foge ainda das recordações de um amor traído por Kathie (Jane Greer). Um e outro acabaram por torná-lo o homem duro e impenetrável que é hoje, que se procura reconstruir na simplicidade da vida na província e do amor da inocente Ann (Virginia Huston).

A exposição do passado é o pretexto para mais um flashback, com narração na primeira pessoa por parte de Mitchum, num dos clichès do Noir. Através dela podemos mais facilmente identificar-nos com o protagonista, e perceber as suas razões. Mas nem por isso esqueceremos que também ele é tocado pela amoralidade, já que sempre soube os erros que cometia, e as leis que desafiava, limitando-se a fazer o que é preciso.

São poucas, aliás, as personagens que saem ilesas em “O Arrependido”. Temos o gangster Whit, interpretado por Kirk Douglas, que comanda negócios ilícitos, engana o fisco, e usa métodos pouco recomendáveis para se livrar dos problemas. Os seus homens (como Joe Stephanos) seguem ordens e não hesitam em usar a violência. O companheiro de Jeff, Fisher, que quando o encontra passa imediatamente à chantagem. Eels, o advogado, não só ajuda Whit na fraude como o chantageia por isso. A sua secretário Meta Carson, não hesita em trair o patrão a troco de dinheiro.

De facto, para encontrarmos alguém que esteja inocente, temos que deixar a cidade, e ver o contraste nas figuras da aldeia onde Jeff se refugia. Desde Ann que o ama incondicionalmente, ao miúdo que o acompanha, e lhe é leal, até mesmo a Jim, que por amor a Ann fará qualquer sacrifício. Não admira por isso que Jeff tenha trocado um mundo de podridão social, por este, mais simples em que os sentimentos são puros, mas onde ainda assim se sente deslocado, como é visível na forma fria com que aceita o amor de Ann, longe da paixão mais escaldante que sentira por Kathie.

Mas para além de Robert Mitchum, que com o seu detective a braços com ciladas vindas do passado, se mostra imperturbável, ostentando confiança, rolos de fumo, e uma gabardina típica da iconografia Noir, há ainda a destacar a personagem Kathie. Kathie (Jane Greer) é a sombra do passado de Jeff, na forma de uma clássica mulher fatal. É a mulher que de caso profissional passou a caso passional. A mulher por quem Jeff se perde, por quem é deixado para trás, e por quem carrega culpas que não são suas. Numa notável interpretação, Jane Greer consegue, tal como faz aos restantes personagens, apanhar-nos desprevenidos, tomando as decisões mais inesperadas, numa constante fuga para a frente, que mostra que a sua sobrevivência está acima de tudo.

Consciente de quem é, e sem se envergonhar disso, a manipuladora Kathie, sem nunca perder a compostura, tenta arrastar os outros consigo. Como diz a Jeff, numa das frases que melhor simbolizam o Noir “Nenhum de nós presta, por isso nos merecemos um ao outro.” Essa frase encaixaria em quase todos os Noir clássicos, mostrando o assumir resignado da baixa condição moral dos personagens.

Jacques Torneur dirige um filme com um enredo complicado, e excelentes interpretações de Mitchum, Greer e Douglas. Fiel à linguagem Noir, o filme é visualmente feito da noite urbana, sombras de inspiração expressionista, ângulos de câmara inquietantes, e do fumo do tabaco que chega, por vezes, a parecer mais eloquente que os próprios diálogos.

O filme tem sido considerado um clássico do género, e uma nova versão foi filmada por Taylor Hackford como “Vidas em Jogo” (Against All Odds, 1984), com Jeff Bridges, Rachel Ward e James Woods nos principais papéis.

Produção:

Título original: Out of the Past; Produção: RKO Radio Pictures, Inc.; Produtor Executivo: Robert Sparks; País: EUA; Ano: 1947; Duração: 97 minutos; Distribuição: RKO Radio Pictures; Estreia: 13 de Novembro de 1947 (EUA), 20 de Julho de 1951 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Jacques Tourneur; Produção: Warren Duff; Argumento: Geoffrey Holmes [baseado no seu livro “Build My Gallows High”]; Fotografia: Nicholas Musuraca (preto e branco); Direcção Artística: Albert S. D’Agostino, Jack Okey; Efeitos Especiais: Russell A. Cully; Cenários: Darrell Silvera; Caracterização: Gordon Bau; Música: Roy Webb; Direcção Musical: C. Bakaleinikoff; Montagem: Samuel E. Beetley; Figurinos: Edward Stevenson.

Elenco:

Robert Mitchum (Jeff Bailey/Markham), Jane Greer (Kathie Moffat), Kirk Douglas (Whit Sterling), Rhonda Fleming (Meta Carson), Richard Webb (Jim), Steve Brodie (Jack Fisher), Virginia Huston (Ann Miller), Paul Valentine (Joe Stephanos), Dickie Moore (O Miúdo), Ken Niles (Leonard Eels).