Etiquetas

, , , , , ,

Opening Night Myrtle Gordon (Gena Rowlands) é a estrela de uma peça teatral intitulada “The Second Woman”. Quando testemunha a morte por atropelamento da fã Nancy (Laura Johnson), que acorria a pedir um autógrafo, Myrtle fica perturbada, começando a ver aparições de Nancy, que questiona o seu caminho. Fruto disso, Myrtle começa a mostrar desinteresse na peça que fala de uma mulher mais velha, na qual ela não se revê. Isso leva-a a começar a mudar o texto, a falhar entradas, a ter ataques de violência em palco e a chegar mesmo a colapsar, levando todos à sua volta a pensar que ela deve ser substituída.

Análise:

Nona longa-metragem de John Cassavetes, “Noite de Estreia” une os mundos do cinema e do teatro como metáforas de vida. Mais uma vez, o filme foi protagonizado por Gena Rowlands, a esposa de Cassavetes, sendo este o sexto filme em que tal aconteceu. Mais uma vez, também, Cassavetes encontrou problemas de distribuição, com exibições limitadas no circuito independente, num filme que só em 1991, já depois da morte do seu autor, conseguiu um contrato de distribuição mais geral.

“Noite de Estreia” leva-nos ao teatro, na peça fictícia “The Second Woman”, que acompanhamos em diversas sequências. Esta é interpretada por Myrtle Gordon (Gena Rowlands), uma estrela assediada pelos fãs, que um dia testemunha o atropelamento mortal de Nancy (Laura Johnson), uma jovem que tentava obter um autógrafo. A partir de então, Myrtle vai ver Nancy aparecer-lhe frequentemente, o que ela assume ser uma manifestação da sua juventude que tem algo para lhe dizer. Com essa conclusão, Myrtle vai ficar cada vez mais descontente com a peça que interpreta, pois esta fala de uma mulher mais velha com quem Myrtle sente nada ter em comum, e cuja imagem transmite algo pernicioso para as mulheres em geral. O estado de Myrtle deteriora-se, bebendo, falhando ensaios, desviando-se do texto em palco, falando com o público a meio da peça, tendo exibições de violência e colapsando em palco. Com todos à sua volta, como a autora Sarah Goode (Joan Blondell), o encenador Manny Victor (Ben Gazzara), o produtor David Samuels (Paul Stewart) ou um dos seus parceiros de palco Maurice Aarons (John Cassavetes) a tentarem incutir-lhe algum auto-controlo, e por vezes a terem que repudiar os avanços românticos dela, começa a colocar-se a hipótese de a actriz ser substituída. Myrtle vai tentando tudo, desde ir ao funeral de Nancy, até contactar uma médium e, por fim, lutar fisicamente contra o fantasma de Nancy, estrangulando-a até esta desaparecer. Por fim, e após mais uma exibição em que um dos actores, Gus Simmons (John Tuell) é deixado a falar sozinho porque Myrtle não entra no seu tempo, esta volta ao palco, e mesmo que a peça saia dos carris, o público gosta, terminando num aplauso de triunfo da actriz.

Unindo cinema e teatro, dir-se-ia que Cassavetes invade um pouco o espaço de Ingmar Bergman. Se as sequências de teatro nos são mostradas com tempo, colocando-nos na posição do espectador, fica desde logo a pergunta do quanto essa peça extravasa para o filme, isto é, para a vida das personagens. É o acidente e morte de Nancy que começa a quebrar barreiras: a barreira da sanidade de Myrtle, a barreira entre teatro e vida real, e sobretudo a barreira que ela quer colocar entre si própria e a personagem que interpreta. Por isso, quando sobe ao palco, Myrtle é cada vez menos a sua personagem (mulher mais velha, envolvida num estranho triângulo amoroso) e é cada vez mais ela própria (mulher que não se quer considerar velha, pois vive sozinha e nunca teve filhos).

Se quisermos abstrair-nos um pouco de Myrtle, podemos ainda ver o filme como uma reflexão de Cassavetes (aliás recorrente, se pensarmos nos seus dois filmes anteriores) sobre a sua relação com a sua obra, a aceitação (ou falta dela) pelo público e a forma como se via a si próprio num momento em que, com 48 anos, já não era um jovem realizador, a mostrar primeiras obras. Nesta ideia, o filme seria um diálogo entre si próprio e uma sua imaginada versão mais jovem que o desafiava a seguir por caminhos mais originais. Por outro lado ainda, temos o jogo entre peça escrita (com todo o peso e expectativa de quem a ela está ligada: autora, encenador, produtor, actores) e o resultado final, fruto da personalidade da protagonista, aquilo que atravessa e dá de si, para tornar o resultado final em algo que escapa completamente das mãos dos seus autores.

Com o próprio Cassavetes como um dos actores, e o restante elenco (onde se conta pela terceira vez Ben Gazzara) relegado para uma posição subalterna, é Gena Rowlands quem brilha, deixando-nos a sua amargura entre prazer e culpa, entre profissionalismo e irreverência, com dúvidas sobre quem é e sobre qual o seu papel criativo, ou o quanto este condiciona a sua vida pessoal.

Apesar da má recepção em solo estadunidense, “Noite de Estreia” foi escolhido para passar em Cannes fora da competição, e deu a Gena Rowlands um Urso de Ouro no Festival de Berlim de 1978.

A título de curiosidade, note-se a presença de Peter Falk, Seymour Cassel e Peter Bogdanovich entre o público do teatro.

Gena Rowlands em "Noite de Estreia (Opening Night, 1977), de John Cassavetes

Produção:

Título original: Opening Night; Produção: Faces Distribution; Produtor Executivo: Sam Shaw; País: EUA; Ano: 1977; Duração: 144 minutos; Distribuição: Faces Distribution; Estreia: 25 de Dezembro de 1977 (Los Angeles, EUA), 25 de Junho de 1993.

Equipa técnica:

Realização: John Cassavetes; Produção: Al Ruban; Produtor Associado: Mike Lally; Argumento: John Cassavetes; Música: Bo Harwood; Direcção Musical: Booker T. Jones; Fotografia: Al Ruban [cor por Metrocolor]; Montagem: Tom Cornwell; Design de Produção: Bryan Ryman; Direcção Artística: Bryan Ryman; Figurinos: Aleka Corwin [como Alexandra Corwin-Hankin]; Caracterização: Susan A. Cabral; Direcção de Produção: Foster H. Phinney, Ed Ledding.

Elenco:

Gena Rowlands (Myrtle Gordon), Ben Gazzara (Manny Victor), John Cassavetes (Maurice Aarons), Joan Blondell (Sarah Goode), Paul Stewart (David Samuels), Zohra Lampert (Dorothy Victor), Laura Johnson (Nancy Stein), John Tuell (Gus Simmons), Ray Powers (Jimmy), John Finnegan (Bobby), Louise Lewis [como Louise Fitch] (Kelly), Fred Draper (Leo), Katherine Cassavetes (Vivian), Lady Rowlands (Melva Drake), Carol Warren (Carla), Briana Carver (Lena), Angelo Grisanti (Charlie Spikes), Meade Roberts (Eddie Stein), Eleanor Zee (Sylvia Stein), David Rowlands (Porteiro), Sharon Van Ivan (Shirley), Jimmy Christie (Agente Noticioso), James Karen (Paquete), Jimmy Joyce (Barman), Sherry Bain (Empregada de Bar), Sylvia Davis Shaw (Empregada do Hotel), Peter Lampert (Maitre d’).