
Depois de um ciclo dedicado ao Neo-realismo italiano, vamos agora olhar para a geração seguinte, o cinema de autor que herdou a batuta de Rossellini, Visconti e De Sica, isto é, os realizadores italianos que nos anos 60 e 70 ganharam notoriedade com um cinema pessoal e de vanguarda. O ciclo inicia-se com o texto introdutório de Hugo Gomes.
Texto de Hugo Gomes
Autor do blogue Cinematograficamente falando
Colaborador do website c7nema
Em “Il Conformista” (O Conformista), Jean-Louis Trintignant compõe um agente à paisana ao serviço dos ideais do fascismo, ele é descrito como um homem de fraca vontade submetido à ideologia imposta e dominante numa Itália em silenciosa resistência. Nos primeiros minutos da obra de Bertolucci, o nosso protagonista é levado ao seu «criador», pronto para a derradeira proposta. Seria Trintignant um valioso membro para a instalação ou preservação destas mesmas doutrinas? Curiosamente quem recebe o nosso «herói» fala, literalmente, numa disposição de abraçar o sistema fascista. E é aí que consiste o ponto fulcral dos autores e filmes deste ciclo, o não-medo, o tom, por vezes inquisidor, de assumir uma época histórica e um sistema politica de há 2 décadas como fascismo, sabendo perfeitamente que o mais fascista dos fascistas nunca reconhecerá o seu «reino» como uma ditadura, nem sequer apelidá-lo de forma tão radicalmente literal.
Nesse sentido, as primeiras aventuras do chamado Neo-realismo italiano perfeitamente apostaram nessa, referida, resistência silenciosa. Rossellini, descrito erradamente de «pioneiro» desse mesmo movimento, orquestrava as suas críticas cinematográficas numa altura em que o fascismo respirava, vivendo a sua grandiloquência de fachada, sem ceder ao menor sinal de enfraquecimento, sendo que, em obras como “Roma, Cidade Aberta”, era subliminarmente visível essa queda ideológica e social. «O Rei Morreu, Longa Vida ao Rei!», diriam se o cenário fosse monárquico. Contudo, o Neo-realismo puro dos anos 40 perdera o seu toque de sofisticação, tornara-se obsoleto, decadente com a realidade imposta e pior de tudo, fossilizado num estilo explorado à exaustão.
Enquanto que Rossellini, que fora visto como um cúmplice desse mesmo regime (que numa leitura abstracta poderíamos induzir a personagem de Trintignant como uma alusão ao mesmo), outros realizadores transitórios teriam que contornar as suas veias neo-realistas, ou como os casos de Federico Fellini e Luchino Visconti, transformá-los em algo mais, sem com isso descartar por completo as suas experiências na pureza do movimento mais italiano dos movimentos italianos. Fellini já gradualmente experienciava essa distância, associando as suas alegorias oníricas com o realismo formal de «déjà vu», para além da satirização quase burlesca com que esboçava a imagem da burguesia italiana. Vischonti, por sua vez, abraçava gradualmente uma plasticidade que o levaria a exercícios interessantes de reflexão político-social (como verão no decorrer deste ciclo).
Mas os anos 60 foram cruciais para uma nova geração que surgiria sob essa passada assombração de tempos negros. Por um lado Antonioni como um dos mais inventivos, quer narrativos, quer estéticos desta «ninhada», e o mais agressivo, Bertolucci, de olhos voltados para o país vizinho – França – com especial atenção ao ressurgimento das novas linguagens cinematográficas, a dita nouvelle vague para ser mais exacto, aquela ascensão de «sangue novo» em discórdia com o cinema velho. Também não esquecer da visão polivalente de Pasolini, a poesia emanada e filmada como uma barreira transposta, e como não poderia deixar de ser, o autor do filme politicamente mais agressivo deste ciclo, de fazer corar o próprio Bertolucci, que é o sempre controverso “Salò o le 120 giornate di Sodoma”.
Mas não é a ofensiva o único filtro de concentrar uma crítica politica, o humor assumiu também essa via, e ao contrário do senso comum, não menos simpática. Dino Risi e Marco Ferreri foram os maestros dessa quota revolucionária, ensinando que com gargalhadas é possível exorcizar uma Itália. E no fundo, estes “filhos do Neo-realismo” não são mais que exorcistas prontos para expulsar demónios que muitos tentam esconder por baixo dos seus respectivos «tapetes».
Textos adicionais
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