Etiquetas

, , , , , , , , , , ,

The Love LotteryRex Allerton (David Niven) é um actor de cinema mundialmente famoso, mas cansado da fama e das legiões de fãs que o assolam por todo o lado. Procurando primeiro papéis mais significativos, Rex começa a ter sonhos desesperantes, e temendo a loucura retira-se para uma vila de Itália onde procura ter umas férias incógnito. Só que, sem perceber, Rex acaba vítima dos esquemas de André Amico (Herbert Lom), que com a ajuda da bela Jane Dubois (Anne Vernon) o leva a aceitar tornar-se um prémio de casamento de uma lotaria internacional que vai mobilizar milhares de mulheres pelo mundo inteiro, para ciúme de Jane, que entretanto se apaixonara por ele.

Análise:

Se o termo “Ealing Comedies” algo vago quando se trata de definir um género ou estética, pois uma produtora não faz um género, de “Grito de Indignação” (Hue and Cry, 1947), Charles Crichton, até “Meet Mr. Lucifer” (1953), de Anthony Pelissier, percebia-se alguma recorrência temática e estilística. Tudo isso muda com o filme “A Lotaria do Amor”. Embora filmado na Inglaterra, usando os estúdios da Ealing e alguns actores “da casa”, “A Lotaria do Amor” parece-nos antes um filme de Hollywood que um filme da idiossincrática produtora de Michael Balcon. Tudo começa com a escolha da estrela David Niven para protagonista, no uso da Technicolor, filmagens em Itália e sobretudo o uso de um argumento que em nada se refere às lutas do inglês comum na Inglaterra dos pequenos ou provincianos do pós-guerra.

Pelo contrário, “A Lotaria do Amor” remete-nos para Hollywood, para o mundo do cinema e para o glamour das vidas das estrelas. Em particular a do actor Rex Allerton (David Niven), um galã de cinema em busca de se ligar a algo mais genuíno, longe da mecanização dos seus papéis de estrela. Assolado por sonhos em que se vê constantemente assediado por fãs, Rex começa a temer pela sua sanidade, e por isso decide retirar-se. A produtora aconselha-lhe umas férias, e Rex vai, incógnito para a vila italiana de Tremaggio Mas nem aí é deixado em paz, pois quando a companhia de uma bela mulher – Jane Dubois (Anne Vernon) – o leva a perder 30 000 libras num casino, Rex descobre que Jane trabalha para o enigmático André Amico (Herbert Lom), um mafioso do jogo internacional que propõe a Rex uma forma de sair da sua dívida: aceitar participar como prémio de uma lotaria. Esta é um sucesso internacional com mulheres de todo o mundo a comprarem os bilhetes que fazem sonhar com o prémio. Enquanto espera o fatídico dia Rex passa o tempo com Jane, e os dois apaixonam-se, e tentam casar às escondidas, o que é sempre boicotado por manadas de fãs enviadas por Amico. A lotaria vai premiar a inglesa Sally (Peggy Cummings), a qual viaja para casar com Rex, para descobrir que, por detrás da fama, Rex é apenas uma pessoa normal. Com ela vai também o seu pretendente Ralph (Gordon Jackson), que ao confrontar Rex com ciúmes consegue ganhar finalmente o amor de Sally.

A história de Rex Allerton, a segunda maior estrela da sua produtora, apenas atrás de Fang, o cão maravilha, é obviamente uma sátira ao star system de Hollywood e à imensa sedução que as estrelas do celulóide exerciam sobre a sociedade do seu tempo. Com muitos aspectos alegóricos, o filme de Charles Crichton dá-nos várias sequências de sonhos, com momentos de fantasia, alguns deles como se fossem pequenos musicais, levando-nos a diferentes cenários (e guarda-roupas). A piada da atracção internacional da estrela Rex leva-nos ainda a outros cenários internacionais, como a Rússia (inclusivamente com diálogos em russo) ou a África, onde tribos africanas discutem a figura de Rex.

Pelo meio temos o Rex do sempre aristocrático David Niven, estrela relutante, entre o medo de enlouquecer e o pavor das fãs, cansado e em busca de diversões mais pueris, como sair à noite e apaixonar-se. De peripécia em peripécia, guiado por encontros fortuitos que não passam de planos do maquiavélico Amico (quem mais podia ser que o conhecido Herbert Lom?), o filme ganha contornos de comédia romântica. Nela temos o par (Rex e Jane) que se conhece num logro de Amico, temos confronto inicial, enamoramento, dificuldades, e final feliz.

Sem muito que o distinga (a sátira a Hollywood parece algo insipiente, passem algumas piadas pontuais bem conseguidas), “A Lotaria do Amor” conseguiu indispor que o acolheu como novidade, e quem o rejeitou por isso mesmo. Perdia-se a unidade temática da Ealing e não se ganhava um filme que rivalizasse com aquilo que dizia satirizar. Criticava-se, sobretudo, o ridículo da premissa, mas bastariam umas décadas para passarmos a ter concursos televisivos a oferecer casamentos aos participantes vencedores. Pela positiva, restam principalmente as interpretações (Niven, Cummins, Vernon, Lom, Jackson… e um discreto cameo sem palavras de Humphrey Bogart), as quais vale sempre a pena olhar, e as imagens sobre o Lago di Como. Mas o filme passaria à história como aquele em que a Ealing tentou mudar de caminho, e ao qual o próprio Michael Balcon chamou o pior filme da produtora.

Como curiosidade acrescente-se que o filme teve estreia na Nova Zelândia, por ocasião de uma visita da rainha Isabel II.

Herbert Lom e David Niven em "A Lotaria do Amor" (The Love Lottery, 1954), de Charles Crichton

Produção:

Título original: The Love Lottery; Produção: Ealing Studios, Michael Balcon Productions; Produtor Executivo: Michael Balcon; País: Reino Unido; Ano: 1954; Duração: 84 minutos; Distribuição: General Film Distributors (GFD) (Reino Unido); Estreia: 21 de Janeiro de 1954 (Reino Unido), 24 de Junho de 1954 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Charles Crichton; Produção: Monja Danischewsky; Argumento: Harry Kurnitz [a partir de uma história de Charles Neilson Gattey e Zelma Bramley Moore]; Diálogos e Cenas Adicionais: Monja Danischewsky; Música: Benjamin Frankel; Direcção Musical: Dock Mathieson; Fotografia: Douglas Slocombe [cor por Technicolor]; Montagem: Seth Holt; Design de Produção: Thomas N. Morahan; Figurinos: Anthony Mendleson; Caracterização: Harry Frampton, Harry Wilton; Coreografia: Freddie Carpenter; Efeitos Especiais: Sydney Pearson; Efeitos Visuais: Geoffrey Dickinson; Direcção de Produção: Jack Rix.

Elenco:

David Niven (Rex Allerton), Peggy Cummins (Sally), Anne Vernon (Jane Dubois), Herbert Lom (André Amico), Charles Victor (Jennings), Gordon Jackson (Ralph), Felix Aylmer (Winant), Hugh McDermott (Rodney Wheeler), Stanley Maxted (Oliver Stanton), June Clyde (Viola), John Chandos (Gulliver Kee, O Chinês), Theodore Bikel (Parsimonious), Sebastian Cabot (Suarez), Eugene Deckers (Vernet), Andreas Malandrinos (Fodor), Nicholas Stuart (Locutor de Rádio Americano), Michael Ward (Receptionista do Hotel), Helena Pickard (Mãe de Sally), Marcel Poncin (Padre), Alexis Chesnakov (Homem Russo), Nelly Arno (Mulher Russa), Gabrielle Blunt (Doreen), Mark Baker (Maxie), Boscoe Holder (Feiticeiro), John Glyn-Jones (Príncipe Boris).

Advertisement