Etiquetas

, , , , , , , , , , , , , ,

Meet Mr. LuciferSam Hollingsworth (Stanley Holloway), um pequeno actor de teatro de vaudeville, quase sempre embriagado, um dia bate com a cabeça no alçapão onde subia para representar o seu papel de diabo, e vai ter ao Inferno, à presença do titular Mr. Lucifer (também Holloway). Este explica a Sam que a sua nova invenção – a televisão – não está a infernizar a humanidade tanto quanto era suposto. Com a ajuda de Sam, um aparelho televisivo vai passar de mão em mão entre um grupo de inocentes vizinhos, prejudicando as suas vidas e criando grande confusão em todo o bairro.

Análise:

Primeiro e único filme realizado pelo pouco conhecido Anthony Pelissier para a Ealing, “Meet Mr. Lucifer” tem o seu guião baseado numa peça de teatro, e funciona como uma alegoria com um toque de fantasia, o que se afasta um pouco das narrativas mais directas a que a Ealing nos vinha habituando. Com um elenco de actores conhecidos, encabeçado por Stanley Holloway, o filme passou algo despercebido junto do público, sendo hoje uma das comédias da Ealing mais esquecidas.

A história tem como catalisador Sam Hollingsworth (Stanley Holloway), um actor de vaudeville, que, quase sempre embriagado, um dia bate com a cabeça quando se preparava para subir pelo alçapão para representar o seu papel de diabo, e vai ter ao Inferno, à presença de Mr. Lucifer (também Holloway). Aí, é-lhe dito por um diabo desiludido, que todas as gerações têm invenções suas para infernizar as vidas das pessoas, mas a mais recente, a televisão, não está a ter o efeito pretendido. Por isso o diabo pede ajuda a Sam, o qual vai dar uma mãozinha numa série de eventos encadeados. Tudo começa com a reforma de Mr. Pedelty (Joseph Tomelty), que recebe um aparelho de televisão como prenda de despedida. Deixando-se fascinar pelo mundo novo que lhe entra em casa, Pedelty vai recebendo cada vez mais vizinhos, que querem usufruir dos serões televisivos. Com a necessidade de servir bem os convidados, a despesa de Pedeldy sobe tanto que a filha Patricia (Barbara Murray) o obriga a ceder o aparelho. Este vai parar a casa dos vizinhos de cima, o casal Jim (Jack Watling) e Kitty Norton (Peggy Cummins). Jim trabalha numa farmácia com o austero colega Hector McPhee (Gordon Jackson), onde se torna gerente devido à morte do dono. Para tal, Jim tem de estudar para completar o curso, o que se torna impossível pelas festas diárias em frente da TV. Mais uma vez, quem o compreende é apenas a vizinha Patricia Pedelty, e os dois trocam um beijo, testemunhado pela patroa, a viúva Mrs. Macdonald (Jean Cadell), o que vai causar uma separação entre Jim e Kitty, e o despedimento daquele. Jim, em jeito de vingança, dá o aparelho televisivo ao odiado colega Hector, e este passa a tomar conta da farmácia. Em casa Hector apaixona-se platonicamente pela cantora Lonely Hearts Singer (Kay Kendall), cujas presenças e ausências na programação levam a grandes mudanças de humor e a perdas na farmácia. Ciente disso, Mrs. Macdonald resolve perdoar Jim, o qual se reconcilia com Kitty, enquanto Mr. Pedelty se apercebe que vai receber uma visita dos antigos patrões e precisa de ter o aparelho de TV para mostrar. A busca leva todos a casa de Hector, que já se barricou e inferniza os vizinhos contra qualquer ruído que o distraia. Satisfeito, o diabo envia Sam para o ponto em que se encontrava na sua peça de teatro.

Com direito a sequência e personagens fantasistas (o titular Mr. Lucifer), e com o cabeça de cartaz Stanley Holloway a ter um papel bastante curto (não deixando de mostrar a sua propensão para personagens permanentemente alcoolizados), “Mr. Lucifer” afasta-se um pouco das histórias simples de um homem (ou criança) ou pequena comunidade contra um status quo social. No entanto, continuamos no campo da metáfora de denúncia da máquina trituradora do progresso ou de sociedades demasiado mecanizadas para recordar os valores naturais de coexistência, humildade e solidariedade entre pares. E, desta vez, o “inimigo” é a televisão, instrumento demoníaco, segundo a sátira da Ealing.

Com excelentes interpretações a disfarçar um enredo algo confuso (a premissa não se verifica), numa produção abaixo do normal da Ealing, em vez de uma história directa, temos aqui um conjunto de episódios separados. Estes são ligados quer pela presença manipuladora do mafarrico, quer, essencialmente, por se tratar de um conjunto de vizinhos cujas vidas se tocam a toda a hora. É a tal Inglaterra pura de que a Ealing tanto nos fala, onde vizinhos entram pela casa uns dos outros, onde o casamento de uns é acarinhado por tantos, ou onde o infortúnio do senhor idoso leva todos a correr ao seu lado. É a Inglaterra dos valores, na qual o ábaco de Mr. Pedelty ainda vence a máquina de calcular dos colegas mais novos, e as boas maneiras na farmácia dão mais lucro que o negócio mais austero. É essa mesma inocência que leva Mr. Pedelty a retribuir os cumprimentos televisivos, falando para os locutores como se estes estivessem em sua casa, e que leva Hector McPhee a vestir-se e perfumar-se para assistir ao seu programa, como se a cantora estivesse só com ele.

Mas é claro – é essa a tese do filme – que a televisão vai modificar hábitos, fazer as pessoas perder o bom senso e tornar comportamentos desregrados e irascíveis colocando muito em risco. Mas, com o humor subtil da Ealing, decisões inocentes das personagens e uma conclusão de completa entreajuda, tudo vai acabar bem, mesmo que no inferno o Diabo cante vitória. É como se a Ealing nos dissesse que o Diabo anda por aí, mas por apego aos verdadeiros valores o povo inglês tem ainda hipótese de se ver livre dele.

A um outro nível, hoje o filme recorda, com alguma nostalgia, a experiência dos primeiros anos de televisão, pelo seu fascínio, pela reunião de vizinhos em casa de quem tivesse um aparelho, e pelo tipo de programas, que iam dos conselhos práticos, a magazines de novos conhecimentos e, claro, ao folclore e música popular que entrava pelas casas dentro.

Gordon Jackson e Kay Kendall em "Meet Mr. Lucifer" (1953), de Anthony Pelissier

Produção:

Título original: Meet Mr. Lucifer; Produção: Ealing Studios, Michael Balcon Productions; Produtor Executivo: Michael Balcon [não creditado]; País: Reino Unido; Ano: 1953; Duração: 83 minutos; Distribuição: General Film Distributors (GFD) (Reino Unido); Estreia: 23 de Novembro de 1953 (Reino Unido), (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Anthony Pelissier; Produção: Monja Danischewsky; Argumento: Monja Danischewsky [a partir da peça “Beggar My Neighbour” de Arnold Ridley]; Diálogos Adicionais: Peter Myers, Alec Grahame; Direcção Musical: Dock Mathieson; Fotografia: Desmond Dickinson [preto e branco]; Montagem: Bernard Gribble; Direcção Artística: Wilfred Shingleton; Figurinos: Anthony Mendleson; Caracterização: Harry Frampton, Harry Wilton; Efeitos Especiais: Sydney Pearson; Efeitos Visuais: Geoffrey Dickinson.

Elenco:

Stanley Holloway (Sam Hollingsworth / Mr. Lucifer), Peggy Cummins (Kitty Norton), Jack Watling (Jim Norton), Barbara Murray (Patricia Pedelty), Joseph Tomelty (Mr. Pedelty), Humphrey Lestocq (Arthur), Gordon Jackson (Hector McPhee), Jean Cadell (Mrs. Macdonald), Kay Kendall (Lonely Hearts Singer), Charles Victor (Mr. Elder), Olive Sloane (Mrs. Stannard), Ernest Thesiger (Mr. Macdonald), Olga Gwynne (Principal Boy), Joan Sims (Fada), Ian Carmichael (Man Friday), Raymond Huntley (Mr. Patterson), Frank Pettingell (Mr. Roberts (as Frank Pettingel), Irene Handl (Senhora com o Cão), Gladys Henson (Senhora no Autocarro), Roddy Hughes (Billings), Eliot Makeham (Edwards), Bill Fraser (Chefe de Orquestra), Dandy Nichols (Mrs. Clarke), Molly Hamley-Clifford (Mrs. Ensor), Toke Townley (Trompetista), Fred Griffiths (Removal Man), Herbert C. Walton (Cliente Cockney no Pub), Gilbert Harding (O Próprio), Philip Harben (O Próprio), MacDonald Hobley (O Próprio), David Miller (O Próprio).

Advertisement