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Bruce Ritchey, Burt Lancaster, Cinema, Drama, Gena Rowlands, John Cassavetes, Judy Garland, Steven Hill
“Uma Criança à Espera” mostra-nos uma escola para crianças com deficiências mentais, à qual acabou de chegar o jovem Reuben Widdicombe (Bruce Ritchey). Talvez por ser menos “diferente” do que as outras crianças, Reuben entra em choque com o método austero advogado pelo director, o Dr. Matthew Clark (Burt Lancaster), o qual sabe que nada de bom espera estas crianças no exterior e decide que só enrijecendo-os lhes pode dar ferramentas de sobrevivência. Opinião diferente tem a recém-chegada Jean Hansen (Judy Garland), cuja maior empatia a leva a criar laços afectivos com os alunos, em particular com Reuben, que vê nela uma substituta dos progenitores.
Análise:
Depois da má experiência sentida com a Paramount Pictures, seria para a United Artists que John Cassavetes realizaria o seu terceiro, numa produção do conhecido Stanley Kramer. Habituado a dar-nos dramas intimistas de forte componente emocional, temas sociais difíceis de abordar, Kramer viu na atitude directa e despida de preconceitos da realização de Cassavetes um veículo para as suas ideias. Mas o resultado não seria do agrado do realizador, que mais tarde viria a renegar este filme, declarando-o como sendo mais de Kramer do que seu.
“Uma Criança à Espera” fala-nos de uma escola especial para onde são enviados, em regime de internato (muitas vezes com quase total abandono dos pais) crianças com deficiências cognitivas. Nele acompanhamos a chegada do pequeno Reuben (Bruce Ritchey), através de cujos olhos assistimos ao regime austero imposto pelo director Dr. Matthew Clark (Burt Lancaster), o qual acredita que só não facilitando dará ferramentas úteis às crianças. A novidade é a chegada de uma nova professora, Jean Hansen (Judy Garland), a qual se apieda dos pequenos, e vai querer criar laços com eles, trazendo humanidade onde apenas se impõe disciplina.
Assim que começamos a ver “Uma Criança à Espera” apercebemo-nos do porquê dos ressentimentos de John Cassavetes, pois logo desde a cena inicial (a dramática chegada de Reuben à sua nova escola) é claro que o filme irá manipular-nos para nos causar fortes emoções. Como sabemos, Kramer pertencia à nova escola de Hollywood responsável por criar a partir da década de 1950 um conjunto de filmes marcados por temas difíceis e socialmente contemporâneos, como são exemplos a metáfora do Macarthismo em “O Vento Será a Tua Herança” (Inherit the Wind, 1960) e a denúncia do racismo em “Adivinha Quem Vem Jantar” (Guess Who’s Coming to Dinner, 1967). “Uma Criança à Espera” insere-se nesta linha com a abordagem do tema das crianças com deficiências, sem uma forma de acompanhamento adequada, ostracizadas pela sociedade, e por vezes pelos próprios pais.
Só que, para Cassavetes, mesmo que o tema fosse interessante, a forma dramática de o explanar não era aquilo que pretendia. Com dois actores da Hollywood clássica como protagonistas – Burt Lancaster e Judy Garland –, seria de esperar que o melodrama estivesse presente. E ele está. Dos grandes planos aos focos no rosto de Garland, da forma de montar cada sequência ao uso da banda sonora, tudo no filme remete para o cinema clássico, algo que veio a desagradar profundamente ao realizador.
Filmado num verdadeiro instituto para crianças com deficiências cognitivas, o filme destaca-se pela presença das crianças que não fingem, mas se limitam a ser elas próprias, com todas as suas dificuldades. Dessa inocência transparece ainda uma alegria natural de viver, de quem não tem consciência de ser diferente e tenta aproveitar da melhor forma o pouco que tem de seu. Isso é particularmente visível na sequência da peça interpretada pelas crianças da escola, momento de verdadeira e sincera emoção. Em contraste, destaca-se a figura de Reuben Widdicombe (Bruce Ritchey), o menino que, como a personagem de Burt Lancaster nos diz, por ser menos “diferente” que os restantes, sente ainda mais essa diferença e sofre ainda mais o abandono. É por ele que a Miss Hansen de Judy Garland vai lutar, ao ponto de trazer os pais à escola, apenas para testemunhar um segundo abandono.
Com uma Judy Garland emotiva, de lágrima no canto do olho e olhar que denota uma empatia que talvez não seja a melhor ferramenta naquela escola, e um Burt Lancaster sempre uma força da natureza, austero e convicto de que só com mão de ferro se consegue algo das crianças, o filme decide-se entre as formas diferentes de ver e tratar as crianças, sem que nenhuma esteja propriamente errada ou signifique falta de amor ou preocupação por elas. Mas, como referido, estes debates, conjuntamente com a história triste de Reuben, levam frequentemente o filme no sentido do melodrama. Não espanta por isso a revolta de Cassavetes, o qual terá inclusivamente sido despedido quando o filme passou à pós-produção.
Destaque final para a presença de Gena Rowlands (no papel da mãe de Reuben), a esposa de Cassavetes. Então mais conhecida como actriz de televisão, Rowlands tinha aqui um dos seus primeiros filmes para cinema, e o primeiro dirigido pelo marido, com quem viria a trabalhar numa dezena de filmes.
Produção:
Título original: A Child Is Waiting; Produção: Stanley Kramer Productions [como Larcas Productions]; País: EUA; Ano: 1963; Duração: 100 minutos; Distribuição: United Artists; Estreia: 9 de Janeiro de 1963 (EUA), Abril de 1981 (TV, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: John Cassavetes; Produção: Stanley Kramer; Produtor Associado: Philip Langner; Argumento: Abby Mann; Música: Ernest Gold; Fotografia: Joseph LaShelle [preto e branco]; Montagem: Gene Fowler Jr., Robert C. Jones; Design de Produção: Rudolph Sternad; Cenários: Joseph Kish; Figurinos: Joe King, Howard Shoup (Judy Garland); Caracterização: George Lane; Direcção de Produção: Nate H. Edwards.
Elenco:
Burt Lancaster (Dr. Matthew Clark), Judy Garland (Jean Hansen), Gena Rowlands (Sophie Widdicombe), Steven Hill (Ted Widdicombe), Paul Stewart (Goodman), Gloria McGehee (Mattie), Lawrence Tierney (Douglas Benham), Bruce Ritchey (Reuben Widdicombe), John Marley (Holland), Bill Mumy (Rapaz que conta as pérolas de Jean), June Walker (Mrs. McDonald), Elizabeth Wilson (Miss Fogarty).