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The Lavender Hill MobEmpregado bancário toda uma vida, Henry Holland (Alec Guinness) é conhecido por duas coisas, uma obsessiva atenção ao detalhe e uma lealdade sem limites, atributos importantes na sua função de supervisão e transporte de barras de ouro do seu banco. Por isso, ninguém suspeitaria que por detrás da aparência resignada e monótona de Holland, se tenha vindo a formar um plano de roubo. Falta apenas saber como fazer sair os lingotes do país, o que Holland resolve quando conhece o novo vizinho, Pendlebury (Stanley Holloway), o qual fabrica estatuetas como pisa-papéis que envia para serem vendidas no estrangeiro.

Análise:

Novamente saído da pena de T. E. B. Clarke, e dirigido por Charles Chrichton, dois dos nomes mais bem sucedidos dos Ealing Studios, surgia em 1951 um dos seus filmes mais conhecidos. À luz do que acontecera no anterior – e muito bem-sucedido – “Oito Vidas por um Título” (Kind Hearts and Coronets, 1949), de Robert Hamer, “Roubei Um Milhão” era também protagonizado por Alec Guinness.

Contado em flashback na primeira pessoa, a partir do Brasil, o filme mostra-nos a vida de Henry Holland (Alec Guinness), um empregado bancário responsável pelo transporte de barras de ouro do seu banco. Conhecido como pessoa sem méritos nem ambição, de vida monótona e repetitiva, Holland vive numa casa arrendada, que condivide com outros inquilinos. É na chegada ao prédio do novo inquilino Pendlebury (Stanley Holloway) que Holland vê a oportunidade com que sempre sonhou. Pendlebury tem uma fundição, onde fabrica pequenas estatuetas em chumbo, que exporta como souvenirs. Confrontado a iminência de uma transferência, Holland e Pendlebury decidem avançar com o plano, recrutando dois ladrões de bairro: Lackery Wood (Sidney James) e Shorty Fisher (Alfie Bass). O plano passa por dar pistas falsas à polícia, facilitando um assalto, por Lackery e Shorty, com Holland fingir-se vítima. Depois há que derreter o ouro na fundição de Pendlebury e torná-lo em pisa-papéis em forma de Torre Eifel, e enviar para França, para onde Holland e Pendlebury viajam para os recolher e vender, longe das suspeitas de Inglaterra. Só que, à chegada, o par percebe que, por engano, os pisa-papéis foram postos à venda, e seis já foram vendidos. Com medo de serem descobertos, o par consegue recuperar cinco, perseguindo o sexto até Inglaterra, onde uma menina o entrega numa feira técnicas científicas da Polícia. Holland rouba a estatueta à vista de todos, e tem de fugir com Pendlebury, num carro de Polícia. Finda a perseguição, Holland escapa com as seis estatuetas, e voltamos ao ponto inicial do filme, no Brasil. Terminada a narrativa, Holland e o seu interlocutor levantam-se, mostrando-nos Holland algemado, pois fora finalmente apanhado pela justiça.

Hoje considerado um dos grandes clássicos da comédia inglesa, “Roubei Um Milhão” destaca-se pela elegância e humor subtil, características habituais em Alec Guinness. Contando a história em analepse, mas surpreendendo-nos no final, o filme caminha a ritmo lento, na descrição da rotina de um bancário sem qualquer tipo de interesse (Guinness), insuspeito mentor de um plano genial. Essa composição de pessoa simples, aborrecida, que nunca colocou uma vírgula fora do sítio, gozado pelos colegas pela extrema devoção aos detalhes, não só jogam perfeitamente com a interpretação pausada de Guinness, como constituem um contraste delicioso entre o que dele se espera e o que vem a acontecer. Empregado exemplar, o Holland de Guinness seria sempre o último suspeito, o que lhe garante posição para enganar a Polícia à sua vontade.

Mas, elaborado e posto em prática o plano, tudo começa a correr mal, com o humor a surgir das necessidades de improviso perante a contrariedade. Depois de uma divertida escolha dos seus cúmplices, estes acabam por se precipitar, abandonando a suposta “vítima” Holland, que tem de se fingir molestado sozinho, rebolando no chão, e caindo, sem querer, no rio. Segue-se a viagem a França e descoberta do erro das estatuetas, que leva Holland e Pendlebury a perseguirem meninas de escola, com quem têm mais trabalhos que teriam com adultos (afinal, não são as crianças mais espontâneas e menos preconceituosas nas suas avaliações?), incluindo uma escalada pelas escadarias da Torre Eiffel. Por fim, temos a sequência do roubo “nas barbas da Polícia”, e de uma perseguição automóvel, na qual um polícia chega a requisitar o carro roubado sem saber que o persegue.

Com algum (moderado) slapstick, muitos enganos e uma mão cheia de situações rocambolescas, o humor de “Roubei Um Milhão” provém essencialmente da forma de Alec Guinness (bem secundado por Stanley Holloway) lidar com as situações. Estas divertem-nos por serem inesperadas, numa total inversão de estereótipos, surpreendendo sempre as intenções do par de larápios que nunca deixa de ter a nossa simpatia. O sucesso da fórmula (isto é, o planear de um golpe perfeito que ao ser executado corre mal) tornou-se modelo para aquilo que se viria a chamar “comédia criminal” e que nas décadas seguintes tantos exemplos de (bons e maus) filmes nos deu.

Vencedor do Oscar de Melhor Argumento da Academia de Hollywood, “Roubei Um Milhão” conseguiu ainda os BAFTA de Melhor Filme e Melhor Actor (Guinness). O filme é ainda notável por ter as primeiras presenças no grande ecrã de Audrey Hepburn e Robert Shaw, em curtíssimas aparições.

Stanley Holloway e Alec Guinness em "Roubei Um Milhão" (The Lavender Hill Mob, 1951), de Charles Crichton

Produção:

Título original: The Lavender Hill Mob; Produção: Ealing Studios, J. Arthur Rank Organisation; País: Reino Unido; Ano: 1951; Duração: 78 minutos; Distribuição: General Film Distributors (GFD) (Reino Unido), Universal Pictures; Estreia: 28 de Junho de 1951 (Reino Unido), 6 de Janeiro de 1952 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Charles Crichton; Produção: Michael Balcon; Produtor Associado: Michael Truman; Argumento: T. E. B. Clarke; Música: Georges Auric; Direcção Musical: Ernest Irving; Fotografia: Douglas Slocombe [preto e branco]; Montagem: Seth Holt; Direcção Artística: William Kellner; Figurinos: Anthony Mendleson; Caracterização: Ernest Taylor, Harry Wilton; Efeitos Especiais: Sydney Pearson; Efeitos Visuais: Geoffrey Dickinson, Bryan Langley; Direcção de Produção: Slim Hand.

Elenco:

Alec Guinness (Henry Holland), Stanley Holloway (Alfred Pendlebury), Sidney James (Lackery Wood), Alfie Bass (Shorty Fisher), Marjorie Fielding (Mrs. Chalk), Edie Martin (Miss Evesham), John Salew (Parkin), Ronald Adam (Turner), Arthur Hambling (Wallis), Gibb McLaughlin (Godwin), John Gregson (Farrow), Clive Morton (Sargento na Estação), Sydney Tafler (Clayton), Marie Burke (Senora Gallardo), Audrey Hepburn (Chiquita), William Fox (Gregory), Michael Trubshawe (Embaixador Britânico), Ann Heffernan (Rapariga do Quiosque), Jacques B. Brunius (Polícia Alfandegário), Eugene Deckers (Polícia Alfandegário), Paul Demel (Polícia Alfandegário), Andreas Malandrinos (Polícia Alfandegário), Cyril Chamberlain (Comandante), Tony Quinn (Sub-Comandante), Moultrie Kelsall (Detective), Christopher Hewett (Inspector Talbot), Meredith Edwards (P. C. Williams), Patrick Barr (Inspector- Detective), David Davies (Polícia na Cidade).