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Too Late Blues Por entre a vida dos clubes nocturnos de jazz e blues, Ghost (Bobby Darin), Red (Seymour Cassel), Charlie (Cliff Carnell), Pete (Richard Chambers) e Shelley (Dan Stafford) têm uma banda que aceita todo o tipo de contratos, por vezes tocando para quase ninguém. Exigindo sempre mais do seu agente Benny (Everett Chambers), Ghost vem a conhecer a protegida deste, Jess (Stella Stevens), da qual se enamora. Essa relação vai provocar o ciúme de Benny, e este vai fazer tudo para cortar as asas à banda e criar dissensões entre o idealista Ghost e os seus bem mais pragmáticos colegas.

Análise:

Depois de ter dado nas vistas com o seu filme de estreia “Sombras” (Shadows, 1961), John Cassavetes teve contrato com uma major de Hollywood, a Paramount Pictures, para produzir o seu segundo filme. Escrito em parceria com Richard Carr, “Prisioneiros da Noite” é mais uma história de descobertas pessoais, num ambiente de músicos de jazz, clubes nocturnos e festas entre a geração dos anos sessenta. Embora pensado para incluir Montgomery Clift e Gena Rowlands nos papéis principais, estes acabaram por ser atribuídos a actores pouco conhecidos, como havia já acontecido em “Sombras”.

No original “Too Late Blues”, o filme de Cassavetes acompanha as desventuras de uma banda de jazz e blues, liderada por Ghost (Bobby Darin). Tocando em clubes pouco frequentados, a banda sonha com voos mais altos, enquanto bebe no bar do amigo grego Nick Bubalinas (Nick Dennis). A oportunidade surge quando o empresário Milt Frielobe (Val Avery) os convida para uma gravação. Só que, por essa altura, Ghost começou a namorar a pretendente a cantora Jess Polanski (Stella Stevens), a qual era uma protegida do agente da banda, Benny Flowers (Everett Chambers). A inclusão de Jess na gravação aumenta os ciúmes de Benny, o qual vai mostrando cada vez mais a sua raiva para com Ghost. Tudo colapsa uma noite no bar de Nick, quando Benny incentiva um bêbedo (Vince Edwards) a desafiar Ghost por Jess. Ghost acobarda-se e esconde-se da luta que se segue, e na vergonha que sente depois, repudia Jess, a qual procura consolo com Charlie (Cliff Carnell), outro dos músicos da banda. Nas discussões subsequentes, Ghost abandona a banda, e acaba por conseguir emprego apenas por se tornar gigolô de uma milionária (Marilyn Clark). Passado algum tempo, farto da sua posição, Ghost implora a Benny que o coloque noutro lugar, mas este nega-se, continuando a sua vingança. Ghost acaba por deixar tudo e voltar às origens, encontrando Charlie, que lhe indica Jess, a qual é agora prostituta. Depois de a confrontar e levar consigo, Ghost vai ver a sua antiga banda, pedindo-lhes desculpa, enquanto eles o ignoram e Jess começa a cantar com eles.

Novamente focando-se na noite urbana dos clubes musicais e gerações jovens, um pouco sem rumo, o segundo filme realizado por John Cassavetes distingue-se do primeiro por um maior formalismo, e menor peso do improviso e da componente experimental. A cena de abertura, no entanto, relembra-nos essa origem, com uma banda que toca para um conjunto de miúdos negros (numa sala de aulas?), com o enredo a dar lugar à descrição do ambiente. Mas depois passamos a uma história mais clássica, cheia de dramatismo, algo bastante evitado em “Sombras”.

Tal como nesse filme, a história gira em torno de duas coisas: a descoberta sentimental e a luta pela integridade artística em meios musicais marginais. Desta vez temos uma banda de jazz e blues, onde a figura predominante é o pianista Ghost, com sonhos claros e pouca vontade de compromisso. Tal levá-lo-á à colisão com os colegas, os quais lhe dizem no final “olha para aquilo que temos”, significando que o pouco, mas real, é bem melhor que sonhos que não levam a nada. Em contradição, nas lutas pelos seus sonhos, Ghost acaba em pianista desprezado em restaurantes e outras espeluncas, e só porque tem o patrocínio de uma mulher que o trata como gigolô.

Na vertente amorosa da história temos a relação entre Ghost e Jess. A princípio revelando-se um cavalheiro, Ghost salva a influenciável Jess das mãos do cínico Benny, prometendo-lhe uma vida de amor. Mas quando se vê humilhado aos olhos dela, Ghost é demasiado fraco para aceitar a sua fraqueza e, não sabendo como reagir, repudia-a, matando-lhe os sonhos. Em suma este “Blues tardio” (traduzindo à letra o título original) pode não só referir as horas tardias dos clubes, como principalmente a descoberta demasiado tardia de Ghost quanto aos seus erros em relação a Jess, aos companheiros e aos seus sonhos musicais.

A crítica directa ao mundo artístico (certamente num paralelo ao que Cassavetes conhecia do cinema), onde só comprometendo valores se abre caminho para o sucesso, é clara no papel do agente interpretado por Everett Chambers, figura de cinismo, oportunismo e muitos maus fígados para com aqueles que o desafiam. Com a ideia do abandono e isolamento na atitude central de Ghost, o filme volta a dar uma ferroada no racismo (veja-se novamente a sequência inicial), com as constantes menções da má reputação que a banda ganhava por tocar para, e se associar a, negros.

Beneficiando de uma partitura de David Raksin (a qual estabelece o tom do filme), e agora lançado por uma major, e pela primeira vez com distribuição a sério, Cassavetes viu o seu filme ser incompreendido pelo seu público. Tal deveu-se, entre outras coisas, à forma solta de contar a história, a um leque de actores desconhecido (a interpretação de Bobby Darin foi mesmo muito criticada) e a uma mensagem muito negra, de final marcadamente triste. O próprio Cassavetes fez notar publicamente o seu desalento com o filme, culpando a sua inexperiência em lidar com uma grande produtora. Mas como os seus outros filmes, “Prisioneiros da Noite” é um filme emotivo, simples e honesto, preso a gente simples capaz de más decisões e de sofrer devido a elas.

Bobby Darin, Stella Stevens e Everett Chambers em "Prisioneiros da Noite" (Too Late Blues, 1961), de John Cassavetes

Produção:

Título original: Too Late Blues; Produção: Paramount Pictures; País: EUA; Ano: 1961; Duração: 101 minutos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia: 7 de Novembro de 1971 (França), 7 de Novembro de 1972 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: John Cassavetes; Produção: John Cassavetes; Argumento: Richard Carr, John Cassavetes; Música: David Raksin; Fotografia: Lionel Lindon [preto e branco]; Montagem: Frank Bracht; Direcção Artística: Hal Pereira, Tambi Larsen; Cenários: Sam Comer, James W. Payne; Figurinos: Edith Head; Caracterização: Wally Westmore; Efeitos Visuais: John P. Fulton.

Elenco:

Bobby Darin (John ‘Ghost’ Wakefield), Stella Stevens (Jess Polanski), Everett Chambers (Benny Flowers), Nick Dennis (Nick Bubalinas), Vince Edwards (Tommy Sheehan), Val Avery (Milt Frielobe), Marilyn Clark (Condessa), James Joyce (Reno Vitelli), Rupert Crosse (Baby Jackson), Mario Gallo (Engenheiro de Som), Alan Hopkins (Skipper Camez), Cliff Carnell (Charlie), Richard Chambers (Pete), Seymour Cassel (Red), Dan Stafford (Shelley).

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