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Le diable probablement Charles (Antoine Monnier) é um jovem estudante, inteligente ao ponto de dar explicações aos seus colegas, mas em ruptura. Desiludido com a vida, com os outros, com a sociedade e com os conhecimentos adquiridos, Charles rejeita universidade, política, religião e psicanálise. Pelo meio, Charles é alvo do interesse amoroso de várias mulheres, como Alberte (Tina Irissari) e Edwige (Laetitia Carcano), as quais sabem que para ele são apenas uma passagem, pois a falta de interesse no que quer que seja leva Charles a contemplar o suicídio.

Análise:

Novamente com Pasqualino de Santis na fotografia, Robert Bresson estreou em 1977 aquele que seria o seu penúltimo filme, e o terceiro com argumento seu. Naquilo que se poderia chamar uma nova história de suicídio, depois de “Amor e Morte” (Mouchette, 1967) e de “Uma Mulher Meiga” (Une femme douce, 1969), “Le Diable Probablement” é mais um relato de um protagonista ascético que se distancia do mundo em seu torno, para encetar um caminho de queda, tanto interior quanto exterior.

Esse protagonista, é Charles (Antoine Monnier), que logo nos primeiros momentos nos surge como vítima de suicídio, ou talvez assassinato. Contando a história em analepse, o filme leva-nos ao jovem Charles, um nihilista, que abandonou os estudos, embora fosse um estudante brilhante que os colegas ainda procuram como ajuda, e que passa o tempo como vagabundo, entre as suas amantes – por exemplo Alberte (Tina Irissari) e Edwige (Laetitia Carcano) –, e debates de revolucionários de esquerda, nos quais ele acredita cada vez menos. A incapacidade de decidir entre o amor de Alberte e de Edwige tolhe-o, e leva-o a confessar-se a Michel (Henri De Maublanc), ele próprio enamorado de Alberte. Outra forma de se redescobrir surge quando Charles aceita em consultar o psicanalista Dr. Mime (Régis Hanrion), o qual ele espanta pelos seus ideiais de não-acção, devido à sua descrença na humanidade e na vida em geral. Por fim, e incapaz de decidir o que quer para si, Charles decide que, à luz do que acontecia na antiga Roma, o seu caminho é o suicídio, com ajuda de alguém de confiança. Escolhe um companheiro de rua, Valentin (Nicolas Deguy), que, a seu pedido, o mata no cemitério de Père Lechaise.

Naquilo que é, de certo modo, uma história ainda mais minimalista que o minimalista Bresson nos tinha habituado, “Le Diable Probablement” parte de um facto – o suicídio de Charles – para nos falar da sua vida. Só que, se em “Uma Mulher Meiga” (que começa com o suicídio da protagonista), temos uma longa descrição do que seria a sua vida até ao momento fatídico, no filme de 1977 essas descrições mais completas estão ausentes, e temos apenas um retrato de um dia a dia simples e sem eventos de maior.

Charles não acredita em nada, por isso não tem objectivos. Vive os seus dias como vagabundo, e procura algum sentimento nas relações amorosas. Mas o facto de nenhuma o convencer de que é mais importante que as outras, é para si prova de que nenhuma vale a pena. Em seu torno, estudantes, rebeldes e desajustados dedicam-se a causas, onde o factor ecológico é ponto relevante no filme. Mas nada convence Charles, que vê nessas causas fugas de quem quer desesperadamente pertencer e acreditar nalguma coisa, algo que lhe continua a parecer impossível.

Fiel ao seu estilo, Bresson volta a usar actores que se limitam a recitar sem interpretar (note-se inclusivamente quantas vezes as cenas que sugerem movimentos de personagens o fazem enquadrando apenas as pernas de quem chega ou se afasta, e nunca os rostos), e cenários que, embora fazendo uso da cidade e vários interiores, continuam simplistas, e pouco marcantes na definição dos momentos. O tema volta a ser o de um ascetismo que passa por uma viagem interna em direcção a uma certa transcendência, ou, em último caso, em direcção a uma verdade interior obrigatoriamente dilacerante em relação ao que rodeia o protagonista.

Com muitos olhares para pequenos filmes que retratam a decadência do planeta e ataques ecológicos, desde as armas nucleares, a derrames petrolíferos, devastações florestais e todo o tipo de episódios que levam à degradação climática (assistimos à matança à paulada de focas bebés e vemos vítimas de envenenamentos por mercúrio), dir-se-ia que Bresson chama atenção para a morte num sentido lato, a morte física do planeta, e mesmo a interior, onde as discussões (políticas, religiosas) a que Charles assiste não passam de ilusões de quem nada tem para dizer. É ainda também uma morte da fé (não falta um literal assalto a uma caixa de esmolas), da crença no que quer que seja, como Charles confessa ao seu psicanalista. Como se Bresson mostrasse que a morte está ao virar da esquina e toda a nossa actividade é inútil perante ela. Algo que o seu cinema parece sempre definir, pois se para Bresson teatralidade e encenação realista não cabem no cinema, também no seu filmes os debates políticos e religiosos, a exposição científica ou o raciocínio da psicanálise são campos vazios sem nada para oferecer.

Este retrato apocalíptico da juventude, numa atmosfera de pós-Maio de 68 não caiu bem quer junto do público quer junto da crítica, e o filme foi um rotundo fracasso, como Bresson a ser acusado de reaccionário. Ainda assim, o filme venceu o Urso de Prata, o prémio especial do júri do Festival de Cinema de Berlim.

Antoine Monnier em "Le diable probablement" (1977), de Robert Bresson

Produção:

Título original: Le diable probablement [título inglês: The Devil Probably]; Produção: Sunchild Productions / G.M.F. Productions; Produtor Executivo: Marc Maurette; País: França; Ano: 1977; Duração: 92 minutos; Distribuição: Gaumont (França); Estreia: 15 de Junho de 1977 (França).

Equipa técnica:

Realização: Robert Bresson; Produção: Stéphane Tchalgadjieff, Daniel Toscan du Plantier; Produtor em Linha: Alain Depardieu; Argumento: Robert Bresson; Música: Philippe Sarde; Orquestração: R. P. Martin; Fotografia: Pasqualino De Santis [cor por Eastmancolor]; Montagem: Germaine Artus; Design de Produção: Eric Simon; Figurinos: Jackie Budin; Caracterização: Christine Fornelli.

Elenco:

Antoine Monnier (Charles), Tina Irissari (Alberte), Henri de Maublanc (Michel), Laetitia Carcano (Edwige), Nicolas Deguy (Valentin), Régis Hanrion (Dr. Mime, Psicanalista), Geoffroy Gaussen (Livreiro), Roger Honorat (Comissário), Vincent Cottrel, Laurence Delannoy, Laetitia Martinneti, Martin Schlumberger, Thadee Klossowsky, Miguel Irissari, Nadine Boyer-Vidal, Roland De Corbiac, Dominique Lyon.

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