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Un conte de NoëlQuando é diagnosticado a Junon (Catherine Deneuve), a matriarca dos Vuillard, uma forma de cancro que só será curada com um transplante de medulla óssea, os seus familiares directos dispõem-se a testar a compatibilidade, com os resultados positivos a recaírem no neto Paul (Emile Berling), e no filho Henri (Mathieu Amalric), há seis anos ostracizado da família, por a colocar em problemas financeiros. Tal leva ao primeiro Natal familiar em que Henri estará presente, para desagrado de alguns, como a irmã Elizabeth (Anne Consigny), mãe de Paul.

Análise:

O premiado cineasta francês Arnaud Desplechin, aqui já com uma carreira que lhe valeu reconhecimento da parte da crítica, dava-nos em 2008 um filme de Natal que era tudo menos isso. Sem qualquer fantasia associada, ou mesmo glorificação da quadra, “Um Conto de Natal” é a história de uma família normal, com vários problemas no seu seio, e que, o forçar de uma reunião natalícia vem funcionar como uma panela de pressão prestes a rebentar. Insistindo num naturalismo que lhe é habitual, Desplechin fez questão de filmar o seu filme em Roubaix – de onde é natural – e usando, quando possível actores não profissionais, como, por exemplo a equipa médica das sequências do hospital.

E este conto de Natal, que é, afinal, uma história de uma complicada família, forçada a enfrentar os seus problemas, é a história dos Vuillard, amargurados, desde a morte do pequeno Joseph aos quatro anos, que fez de Elizabeth (Anne Consigny) a triste filha mais velha, de Henri (Mathieu Amalric) o problemático filho do meio, e de Ivan (Melvil Poupaud), o despreocupado filho mais novo, concebido na esperança de ser dador compatível com o irmão, mas nascido demasiado tarde. E se, entretanto, as atitudes de Henri acabam por pôr em causa a estabilidade finceira da família, esta só o salva da prisão com uma condição imposta pela irmã Elizabeth, que ele nunca mais visite a casa de família. Anos passam, e a doença da matriarca Junon (Catherine Deneuve) revela que só um dador de medula óssea poderá salvá-la. Feitos os testes, há duas pessoas compatíveis com Junon, o neto Paul (Emile Berling), filho de Elizabeth, e em luta com distúrbios psicológicos, e Henri, o filho que Junon desprezou.

Chega o Natal a Roubaix, e Henri é, pela primeira vez em seis anos, convidado, para desagrado de Elizabeth. Henri nunca esconde o seu mal-estar, e os desacatos começam, entre conversas sobre o futuro, preparativos de Natal, ou brindes à mesa. Um por um, todos os elementos da família se vão deixando arrastar nesta atmosfera de conflito. Paul, temeroso com o seu próprio estado, e fascinado pelo tio que mal conhece; Fauvia (Emmanuelle Devos), namorada de Henri, que se diverte a conhecer quem é verdadeiramente o namorado; Elizabeth, que vê na escolha do filho como dador um triunfo sobre o irmão; e Abel (Jean-Paul Roussillon), o pai de família, e o apaziguador-mor que todos amam e respeitam. Pelo meio conhecemos a história de Sylvia (Chiara Mastroianni), esposa de Ivan, e mãe dos pequenos Basile e Baptiste (Thomas e Clément Obled) – que, confirmando a tendência para a genialidade da família, encenam uma pequena peça de teatro para todos –, a qual foi em tempos alvo da atenção de Henri, Ivan e do primo destes, o pintor Simon (Laurent Capelluto). Descobrindo que ficou com Ivan, porque os três a jogaram e assim decidiram, Sylvia comove-se com o amor que Simon ainda lhe têm, e dá-se-lhe numa noite como compensação. Exteriorizadas todas as divergências, e aplacados os ódios, a família separa-se em paz aparente, com Junon e Henri a dirigirem-se ao hospital para o programado transplante, que nem se sabe se será bem-sucedido.

Longo, algo pomposo, e deliberadamente poético, “Um Conto de Natal” é uma história de uma teia complexa de relações multi-partidas, muitas disfuncionalidades, espectros de dor e perda, e acima de tudo uma confissão de fraquezas humanas, as quais, muitas vezes só encontram companhia na presença daqueles que menos queremos ter por perto. Tudo isto com o Natal como pano de fundo: motivo para as decorações, as conversas de memórias antigas; evocação daqueles que já não estão presentes; e o fausto possível de uma série de refeições num casarão de família que também já tanto viu e tem para contar. Brilhante pelo gerir dos tempos e espaços, “Um Conto de Natal” seduz pela riqueza do décor, tanto como pela dinâmica sempre viva de todo o elenco.

Com a morte sempre presente (a do pequeno Joseph, que abre o filme, e a de Junon, que se perspectiva), o peso do sangue (o familiar que poderá unir ou não Henri e Elizabeth; e o fisiológico com o qual Henri poderá salvar a mãe) e a memória do passado, naquilo que ele é condição para o que somos (veja-se mais uma vez a situação de Henri, ou a história de Sylvia), todo o filme é um longo desfiar de um novelo de linhas que ora se tocam, ora se cruzam, ora se distanciam, para logo se voltarem a enredar.

Filmado com tempo, deixando a câmara correr pela casa quase como personagem extra, e não evitando passagens poéticas no modo de filmar e compor as sequências (note-se o uso da íris), Desplechin parece tão apaixonado pela trama, que deixa que as personagens conduzam o filme, seja nos momentos mais dramáticos como um violento jantar, seja nas mais simples, como uma correria de Basile e Baptiste pela casa, seja ainda nas mais inocentes, como a peça de teatro da família, ou um serão à luz das estrelas, onde nada irá acontecer.

Habituado a filmar histórias familiares, Desplechin mostra-nos que elas podem ser também isto, um Natal conflituoso, do qual se evolui, mas se sai sempre sem soluções milagrosas, mesmo que a nível pessoal muitos tenham dado saltos em frente, se calhar apenas para confirmarem que nada é simples, nada tem solução, mas tudo segue em frente. Talvez, no final, Desplechin nos queira dizer que, mais que o sangue é esse partilhar de passado, presente e futuro, de misérias, alegrias, tristezas e histórias inesquecíveis que faz a família aquilo que ela é: disfuncional porque viva, sofredora e ansiosa de algo mais.

Emile Berling, Mathieu Amalric e Catherine Deneuve em "Um Conto de Natal" (Un conte de Noël, 2008), de Arnaud Desplechin

Produção:

Título original: Un conte de Noël [Título inglês: A Christmas Tale]; Produção: Why Not Productions / France 2 Cinéma / Wild Bunch / Bac Films / Canal+ / CinéCinéma / Centre National du Cinéma et de l’Image Animée / C.R.R.A.V. Nord Pas de Calais / Région Nord-Pas-de-Calais / Sofica UGC 1; Produtora Executiva: Martine Cassinelli; País: França; Ano: 2008; Duração: 144 minutos; Distribuição: ; Estreia: 16 May 2008 (Festival, de Cannes, França) 21 de Maio de 2008 (França), 21 de Maio de 2009 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Arnaud Desplechin; Produção: Pascal Caucheteux; Produtor Associado: ; Argumento: Arnaud Desplechin, Emmanuel Bourdieu [inspirado em “La Greffe”, de Jacques Asher e Jean-Pierre Jouet]; Música: Grégoire Hetzel; Orquestração: Grégoire Hetzel; Fotografia: Eric Gautier; Montagem: Laurence Briaud; Design de Produção: Daniel Bevan; Direcção Artística: ; Cenários: Caroline Dessimond; Figurinos: Nathalie Raoul; Caracterização: Sylvie Aid; Efeitos Especiais: Olivier de Laveleye, Marie Pierre Francx; Efeitos Visuais: Jacques Bled; Direcção de Produção: Benoît Pilot, Isabelle Tillou.

Elenco:

Catherine Deneuve (Junon Vuillard), Jean-Paul Roussillon (Abel, marido de Junon), Anne Consigny (Elizabeth Dédalus, filha mais velho de Abel e de Junon), Mathieu Amalric (Henri Vuillard, filho do meio de Abel e de Junon), Chiara Mastroianni (Sylvia Vuillard, mulher de Ivan), Melvil Poupaud (Ivan Vuillard, filho mais novo de Abel e de Junon), Emmanuelle Devos (Faunia, namorada de Henri), Hippolyte Girardot (Claude Dédalus, marido de Elizabeth), Laurent Capelluto (Simon, sobrinho de Junon’s, o primo pintor), Emile Berling (Paul Dédalus, filho de Elizabeth e de Claude), Françoise Bertin (Rosaimée Vuillard, amiga da mãe de Abel), Samir Guesmi (Spatafora, amigo da família em Roubaix), Thomas Obled (Basile ‘Baz’ Vuillard, filho de Ivan e de Sylvia), Clément Obled (Baptiste, filho de Ivan e de Sylvia), Azize Kabouche (Doctor Zraïdi, o oncologista).

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