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Ti piace Hitchcock? Giulio (Elio Germano) é um estudante de cinema em Turim, onde, da sua janela, se entretem a observar as vizinhas. Encontrando uma delas, Sasha (Elisabetta Rocchetti) no videoclube que frequenta, Giulio ouve-a discutir o filme “O Desconhecido do Norte-Expresso”, de Hitchcock, com Federica (Chiara Conti), uma outra rapariga que o procurava. Quando a mãe de Sasha é brutalmente assassinada, numa noite em que Sasha estava ausente, Giulio lembra-se do filme e acredita que Sasha e Federica estão a reviver o filme, trocando crimes, algo que ele vai passar a procurar comprovar obsessivamente.

Análise:

Único filme de Dario Argento feito directamente para televisão, dada a fama do realizador, que no seu país natal é muitas vezes apelidado de Hitchcock italiano, “Do You Like Hitchcock?” acabou por ser apresentado em vários festivais de cinema. O filme teve co-produção Italo-espanhola, com a participação da italiana RAI e da estação catalã TV3.

“Do You Like Hitchcock?” centra-se na figura de Giulio (Elio Germano), um estudante de cinema – que já em pequeno se metera em sarilhos por coscuvilhar terceiros – que nos momentos de ócio espia as vizinhas da sua janela. Uma delas, Sasha (Elisabetta Rocchetti) frequenta o mesmo videoclube, e Giulio ouve-a a discutir o filme “O Desconhecido do Norte-Expresso”, de Hitchcock, com uma outra cliente, de nome Federica (Chiara Conti). A morte da mãe de Sasha num dos dias seguintes lança o imaginativo Giulio na ideia de que as raparigas copiaram o filme, com Federica a matar a mãe de Sasha para depois Sasha matar alguém ligado a Federica. A obsessão com a ideia leva Giulio a invadir a casa de Sasha, a confessar ao amigo Andrea (Iván Morales) do videoclube as suas suspeitas, e a perseguir Federica, pondo em risco a sua vida. Como resultado, Giulio não só acaba com uma perna partida, como vê a namorada (Cristina Brondo) deixá-lo por não aguentar mais as suas obsessões. Mas quando Andrea tenta matar Giulio, supostamente a mando de Sasha – resultando na morte dele próprio e prisão de Sasha – Arianna volta para Giulio, e é ela quem repara em movimentos estranhos na casa de Sasha. Chamada a polícia, Arianna e o inspector encarregado do caso (Edoardo Stoppa) confrontam Federica, a qual, depois de gorada a tentativa de suicídio, conta que foi ela a matar a mãe de Sasha, exactamente como Giulio descrevera.

Numa assumida homenagem ao cinema de Alfred Hitchcock, Dario Argento parte de vários filmes do mestre inglês para construir a sua história, que, por isso mesmo, tem sempre algo de divertido, mesmo que o tom do enredo seja pesado e trágico. À cabeça está logo “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954), com Giulio, o protagonista, a deixar o olhar (e às vezes os binóculos) perder-se nas janelas defronte à sua, principalmente quando uma bela mulher é mais generosa na forma como (não) veste. Depois temos “Um Desconhecido no Norte-Expresso” (Strangers on a Train, 1951), que Giulio vê duas mulheres discutir no clube de vídeo que frequenta, e que julga – acertadamente, como veremos no final – servir de inspiração para assassinatos trocados. Pelo meio brinca-se com a hipótese de um assassino contratado como em “Chamada Para a Morte” (Dial M For Murder, 1954), as perseguições de Giulio de scooter, através de uma cidade que parece deambular à sua frente, são evocativas de “A Mulher que Viveu Duas Vezes” (Vertigo, 1958), tal como o é a sequência final da suspensão no cimo do prédio, e a peruca que esconde a identidade da assassina. Temos ainda uma cena de crime numa banheira, numa piscadela de olhos a “Psico” (Psycho, 1960) e, para fechar o ciclo, um regresso a “Janela Indiscreta” quando Giulio fica de perna engessada em casa, e a namorada vai espiar o local do crime. Existem várias outras referências mais escondidas – nem que seja gritar o nome “Blackmail” – que requerem vários visionamentos para serem encontradas.

E as referências cinematográficas não se ficam por aqui. Com um clube de vídeo no centro da acção, os cartazes de Hitchcock rivalizam os de “O Mestre do Jogo” (Il cartaio, 2004), a então mais recente obra de Argento para cinema, e de “Scarlet Diva” (2000), realizado por Asia Argento e produzido pelo pai Dario e pelo tio Claudio. Por fim, temos ainda o protagonista Giulio como estudante de cinema a fazer uma tese sobre cinema expressionista alemão, com muitas referências (no diálogo, nos cartazes mostrados, e nalguns excertos em vídeo) a Fritz Lang, F. W. Murnau e Paul Wegener.

Cinefilia à parte, “Do You Like Hitchcock?” é um thriller a meio caminho entre a obra de Hitchcock e a de Argento, aqui sem que o realizador italiano mostre preocupações com sangue e mortes macabras –embora tenha uma bem sangrenta –, mas continuando a tecer uma história de mistério ao seu estilo, com volte-faces que nos vão adiando o encontrar do criminoso (note-se a curiosidade de luvas brancas substituírem as habituais luvas pretas dos assassinos de Argento). Com um argumento bem urdido – bem melhor do que aqueles a que Argento nos vinha habituando nas últimas décadas – algum humor na forma realista como os personagens se tratam (em particular Giulio, a namorada e o amigo Andrea) e uma particular atenção com o atar de todas as pontas, o filme resulta numa experiência interessante. Talvez a sequência inicial, com um pequeno Giulio já dado ao voyeurismo, a espiar duas possíveis bruxas na floresta, seja um pouco carta do baralho, sem se perceber bem a sua ligação ao filme. Mas o filme vale pelo desenrolar do enredo, e por algumas das cenas de suspense, cuja melhor das quais será porventura aquela que mostra um Giulio ferido por uma queda, a tentar montar a sua scooter, enquanto chove copiosamente, e alguém o persegue ameaçadoramente.

O filme tem ainda a curiosidade de ter banda Sonora de Pino Donaggio, o qual já trabalhara com Brian De Palma noutra das mais famosas homenagens a Hitchcock: “Vestida para Matar” (Dressed to Kill, 1981).

Elisabetta Rocchetti em "Do You Like Hitchcock?" (Ti Piace Hitchcock?, 2005), de Dario Argento

Produção:

Título original: Ti Piace Hitchcock?; Produção: Opera Film / Genesis Motion Pictures / Rai Trade / Institut del Cinema Català (ICC) / Televisió de Catalunya (TV3); Produtores Executivos: Claudio Argento (Opera Film), Miguel Ángel González (Institut del Cinema Català); País: Itália / Espanha; Ano: 2005; Duração: 94 minutos; Distribuição: Rai Fiction (Itália), Rai Trade (Internacional); Estreia: 19 de Março de 2005 (Festival de Bruxelas, Bélgica), 1 de Julho de 2005 (TV – Itália).

Equipa técnica:

Realização: Dario Argento; Produção: Carlo Bixio, Joan Antoni González, Fabrizio Zappi (RAI); Argumento: Dario Argento, Franco Ferrini; Música: Pino Donaggio; Fotografia: Frederic Fasano; Montagem: Walter Fasano; Design de Produção: Francesca Bocca, Valentina Ferroni; Figurinos: Fabio Angelotti; Caracterização: Rosabella Russo; Efeitos Especiais: Sergio Stiveletti’s Apocalypse; Efeitos Visuais: Marcello Buffa; Direcção de Produção: Giorgio Turletti.

Elenco:

Elio Germano (Giulio), Chiara Conti (Federica Lalli), Elisabetta Rocchetti (Sasha Zerboni), Cristina Brondo (Arianna), Iván Morales (Andrea), Edoardo Stoppa (Inspector), Elena Maria Bellini (Mãe de Giulio), Horacio José Grigaitis (Inspector), Giuseppe Lo Console (Patrão de Federica’s Boss), Milvia Marigliano (Mãe de Sasha), Giampiero Perone (Noivo da Mãe de Giulio), Antonio Mazzara (Homem da Limpeza), Anna Varello (Médico), Carla Gambino, Lorenzo Federici, Alessandra Magrini, Emanuela Cuglia.

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