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La Sindrome di Stendhal Anna Manni (Asia Argento) é uma detective de Roma, que está em Florença, na pista de um serial killer. Quando, na Galeria dos Ufizzi, Anna sofre uma crise de Síndrome de Stendhal, o assassino (Thomas Kretschmann) vai ganhar um interesse especial nela, perseguindo-a, raptando-a, violando-a e forçando-a a testemunhar alguns dos seus crimes. Fugida do seu raptor, Anna não se vai sentir mais a mesma, comportando-se de forma estranha e alheada perante os que lhe eram próximos, sentido-se enlouquecer cada vez mais, no pânico de voltar a ser atacada.

Análise:

Com a reputação de ser o primeiro filme italiano a usar CGI (imagem gerada por computador), “Viagem ao Inferno” foi um pouco um quebrar do padrão repetitivo do thriller de Dario Argento, num filme que representou uma subida de valores de produção, e em que o realizador voltava a contar com a filha Asia como protagonista (depois de terem sido consideradas Bridget Fonda e Jennifer Jason Leigh), reunindo-se novamente a Ennio Morricone, com quem não trabalhava desde 1971 em “Quatro Moscas de Veludo” (4 mosche di velluto grigio) e contando na fotografia com o grande Giuseppe Rotunno, um técnico que fizera nome com Federico Fellini e outros grandes cineastas italianos dos anos 50, 60 e 70, criando uma reputação lhe abriria portas nos Estados Unidos. Este filme seria o seu último trabalho de ficção

Nele, temos a história de Anna Manni (Asia Argento), a partir do momento em que entra nos Ufizzi de Florença em busca de algo, quando se sente assoberbada por toda a arte, o que a faz desmaiar e ferir-se. Acordando amnésica, Anna redescobre o seu nome, e que é uma detective, e nessa noite, novamente presa a um quadro, sente-se viver as suas memórias de polícia em Roma, na busca de um serial killer. Mas este, Alfredo Grossi (Thomas Kretschmann), está já no seu quarto, fascinado pelo facto de ela também sentir como ele. Afredo viola Anna até esta perder os sentidos, e acordar a tempo de ver outra vítima ser violada e morta. De volta a Roma, Anna sente-se pouco à vontade com os seus colegas, e repudia o namorado Marco (Marco Leonardi), refugiando-se na casa paterna em Viterbo. Mas também aí Alfredo a encontra e volta a raptá-la, torturá-la e violá-a. Anna, desta vez, consegue libertar-se e mata Alfredo, mandando o seu corpo para um rio. Enquanto a polícia tenta encontrar o corpo, Anna volta a Roma, retomando as sessões de terapia com o seu analista Dr. Cavanna (Paolo Bonacelli), e voltando a apaixonar-se, agora pelo estudante de arte francês Marie (Julien Lambroschini). Quando Marie é brutalmente assassinado, Anna acredita que Alfredo voltou para a reclamar como sua, mas quando recebe a notícia de que o corpo de Alfredo foi finalmente encontrado, Anna acusa o Dr. Cavanna de ser ele agora o assassino, e mata-o. Quem percebe a verdade é Marco, que Anna mata de seguida, assumindo que é Alfredo que está dentro dela e a obriga a agir assim. Anna é encontrada a vaguear na rua, e presa então pela polícia.

Baseado no livro homónimo de Graziella Magherini, cuja leitura, segundo Dario Argento, lhe lembrou experiências da infância na Grécia, quando se sentiu assoberbado pelas emoções de ver as obras de arte da antiguidade, “Viagem ao Inferno” usa a existente condição conhecida como Sídrome de Stendhal, a qual se reflecte num transtorno psicossomático causado pela exposição a obras de arte. Partindo dessa ideia, o filme inicia-se nos Ufizzi, de Florença (e Dario Argento foi até hoje o único cineasta autorizado a filmar no interior deste museu), onde a protagonista Anna (Asia Argento) tem um colapso ao começar a sentir que as obras de arte comunicam com ela, e tudo o que elas representam se apodera dela em simultâneo, desmaiando, ferindo a boca na queda, e sonhando estar no fundo do mar, beijando um peixe.

Inicialmente amnésica, Anna vai-se relacionando sempre de modo violento com as obras de arte que vê, em sequências que ganham forma onírica. Por exemplo, é observando “The Nightwatch” de Rembrandt (um quadro que retrata um corpo policial), que Anna se vai ver transportada pelo quadro para as ruas de Roma, onde relembra os eventos que a levaram a Florença e o crime que investiga.

E, ao contrário do habitual em Dario Argento, em “Viagem ao Inferno”, descobrimos o assassino logo no início, quando este ataca várias vezes Anna. Não temos, desta vez, a habitual investigação policial que nos dará no final a solução do mistério, com um dos rostos que já tínhamos antes encontrado. Agora, mais que procurar um misterioso assassino, o que testemunhamos é o efeito desses crimes em Anna.

Perseguida, violada várias vezes, traumatizada por testemunhar brutais assassínios e mutilações, Anna vai perceber que está a perder a razão aos poucos. Tal manifesta-se logo no momento em que, ainda no hospital, corta o cabelo, para depois se passar a vestir de modo mais masculino. Rejeita o namorado Marco (também polícia), e chega a simular que o viola, como se ela fosse um homem. E ao voltar à terra de infância sente-se novamente deslocada. Anna acaba por sentir-se voltar a viver, só depois da morte de Alfredo, quando conhece Marie (curiosamente nome feminino, como se a inversão de géneros se mantivesse, e Anna fosse agora o homem), para se perceber que os crimes continuam, porque Anna absorveu agora a mente de Alfredo.

E, neste sentido, é fácil pensarmos em “Psico” (Psycho, 1960, de Alfred Hitchock). Mas Dario Argento vai mais longe na sua necessidade de nos chocar com a sua violência sangrenta. Desde uma cara desfeita por uma bala, pela qual o assassino consegue até espreitar, até às vezes em que ele corta propositadamente o lábio de Anna, o sangue em “Viagem ao Inferno” não é só uma consequência macabra dos crimes, ele é um objectivo fetichista, intimamente ligado com o acto sexual. E, desta vez, é o sexo que move os crimes, e Anna (tal como o assassino antes dela) define-se pela forma de se relacionar com o sexo (violada primeiro, traumatizada depois, enojada do próprio namorado, e apaixonada mais tarde por um homem com nome de mulher). Devido a isso, “Viagem ao Inferno” acaba por ser o filme de Dario Argento onde acompanhamos um maior desenvolvimento de uma personagem, que acontece como uma verdadeira viagem, com muito deixado à nossa imaginação. Afinal, pense-se, por exemplo que iniciando-se a narrativa num momento em que Anna ganha amnésia, quanto das suas perturbações mentais e relação com o assassino não poderia já vir de trás?

Aliando a sua conhecida originalidade na forma de tratar cada plano, com uma maior qualidade no tratamento técnico da imagem, Dario Argento conta ainda com interessantes efeitos especiais (a bala que perfura o rosto, o quadro que se derrete para deixar Anna entrar), para nos dar uma história onde as perturbações mentais são sinónimo de uma viagem, que usa a arte como uma espécie de portal entre estados, momentos e locais. São as várias sequências em que a personagem de Asia Argento contracena com uma obra de arte (e elas estão sempre presentes, ou não se passasse a história em Itália), que tudo muda, real e irreal perdem fronteiras, e ilusão, amnésia, fetichismo ou esquizofrenia tornam-se actores principais, com o auge do terror pessoal de Anna a dar-se quando rodeada de grotescos graffitis.

Como quase sempre acontece com o cinema de Argento, o filme tem tido defensores e detractores, os primeiros elogiando a fotografia e aspectos visuais do filme na mão sempre hábil de Argento para criar atmosferas e suspense – com a câmara subjectiva agora não se prendendo com o assassino, mas com o olhar perturbado de Anna –, e os segundos lamentando o excesso de sadismo, os buracos no argumento, e interpretações que deixam algo a desejar (afinal, Anna para uma detective, parece pouco mais que uma menina em pânico – Asia Argento vai bem melhor nos momentos de contenção e de dor contemplativa que nos de exteriorização). Ainda assim, “Viagem ao Inferno” é habitualmente descrito como um dos últimos bons trabalhos do realizador italiano.

Talvez por isso, Dario Argento planeou uma sequela de “Viagem ao Inferno”, mas a impossibilidade de contar com Asia Argento fê-lo mudar o nome da personagem para Anna Mari, a qual seria protagonizada por Stefania Rocca em “O Mestre do Jogo” (Il cartaio, 2004).

A versão italiana de “Viagem ao Inferno” conta com duas cenas extra, nas quais Anna fala com uma das vítimas de Alfredo, e fala com a mãe de Marie, depois da morte deste. Para além disso o filme sofreu vários cortes nalguns mercados, geralmente relacionados com as sequências de violação.

Asia Argento em "Viagem ao Inferno" (La sindrome di Stendhal, 1996), de Dario Argento

Produção:

Título original: La sindrome di Stendhal [Título inglês: The Stendhal Syndrome]; Produção: Medusa Film / Cine 2000; País: Itália; Ano: 1996; Duração: 120 minutos; Distribuição: Medusa Distribuzione (Itália), Miramax (EUA); Estreia: 26 de Janeiro de 1996 (Itália), Abril de 1998 (Vídeo, Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Dario Argento; Produção: Dario Argento, Giuseppe Colombo; História: Dario Argento, Franco Ferrini [a partir do romance “La sindrome di Stendhal” de Graziella Magherini]; Argumento: Dario Argento; Música: Ennio Morricone; Fotografia: Giuseppe Rotunno [cor por Technicolor]; Montagem: Angelo Nicolini; Design de Produção: Massimo Antonello Geleng; Figurinos: Lia Francesca Morandini; Caracterização: Gloria Pescatore; Efeitos Especiais de Caracterização: Franco Casagni; Efeitos Especiais: Sergio Stivaletti; Direcção de Produção: Walter Massi.

Elenco:

Asia Argento (Detective Anna Manni), Thomas Kretschmann (Alfredo Grossi), Marco Leonardi (Marco Longhi), Luigi Diberti (Inspector. Manetti), Paolo Bonacelli (Dr. Cavanna), Julien Lambroschini (Marie), John Quentin (Pai de Anna), Franco Diogene (Marido de uma das Víctimas), Lucia Stara (Lojista), Sonia Topazio (Vítima em Florença), Lorenzo Crespi (Giulio), Vera Gemma (Mulher Polícia), John Pedeferri (Engenheiro Hidráulico), Veronica Lazar (Mãe de Marie, Mario Diano (Médico Legista), Eleonora Vizzini (Anna, em Criança), Maximilian Nisi (Luigi), Leonardo Ferrantini (Alessandro), Sandro Giordano (Fausto), Cinzia Monreale (Mulher de Alfredo Grossi), Michele Kaplan (Filho de Alfredo Grossi), Antonio Marziantonio (Segurança no Museus de Belas Artes).