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Antonella Vitale, Cinema, Cinema italiano, Cristina Marsillach, Daria Nicolodi, Dario Argento, Gótico, Gótico Italiano, Giallo, Ian Charleson, Terror, Thriller, Urbano Barberini, William McNamara
Quando se ensaia uma nova apresentação da ópera “MacBeth” de Verdi, a soprano Mara Czekova abandona os ensaios por não concordar com as soluções cénicas do encenador Marco (Ian Charleson), sendo atropelada de seguida. Quem a deve substituir é a jovem Betty (Cristina Marsillach), a qual triunfa logo na primeira noite, mas percebe que é seguida por um assassino que tortura quem dela se aproxima, forçando-a a testemunhar os crimes, amarrada, e com agulhas sob os olhos impedindo-a de os fechar. Sentindo a sua vida em perigo, Betty foge de local em local, seja a casa de Marco, a Ópera, ou o seu apartamento. Mas por onde passa a constante é sempre a ameaça sobre si, e a morte dos que a acompanham.
Análise:
Continuando na sua tradição do giallo de propensões macabras e sangrentas, Dario Argento inspirava-se no clássico “O Fantasma da Ópera” para uma adaptação muito livre que mantinha a saga de morte no universo da ópera, através de um assassino misterioso, e sua mórbida obsessão por uma diva em ascensão.
Esta era Betty (Cristina Marsillach), uma jovem soprano que, de um dia para o outro, ganha o papel principal numa representação de MacBeth, de Verdi, porque a soprano titular sofreu um acidente ao atravessar uma estrada. Relutante, Betty aceita o lugar, e brilha na sua estreia, para, nessa noite, na cama do seu amante, e assistente de palco, Stefano (William McNamara), ser atacada, amarrada, e forçada a assistir (com agulhas apontadas às pálpebras para que estas não fechem os olhos) à morte do rapaz. Betty foge, e percebe desde aí que alguém a persegue. As mortes sucedem-se e o Inspector Alan Santini (Urbano Barberini) coloca um polícia em casa de Betty, mas este surge morto, substituído pelo assassino, que mata a empresária de Betty (Daria Nicolodi), e volta a ameaçar a jovem. Finalmente, o encenador, Marco (Ian Charleson), tem um plano, baseado na ideia de que os corvos presentes na encenação da peça, e já antes atacados pelo assassino, o reconhecerão e revelarão. Assim, na apresentação seguinte, enquanto Betty canta no palco, os corvos são soltos, e dirigem-se ao inspector Santini, que reconhecem como assassino, arrancando-lhe um olho. Na confusão que se segue, Alan Santini consegue levar Betty com ele para uma sala, onde lhe confessa ter sido amante da sua mãe, também ela soprano famosa, e vítima voluntária do seu sadismo sexual. Agora, Santini tentava repetir isso com Betty, mas gorada a tentativa decide imolar-se pelo fogo. Com Betty amarrada e vendada, Alan incendeia a sala, mas o salvamento chega a tempo. Mais tarde, já longe, e vivendo com Marco nas montanhas, Betty descobre nas notícias que o corpo imolado não era o de Alan, o qual continua vivo. Este surge, mata Marco, e captura Betty, a qual o engana dizendo que quer fazer com ele o que a mãe fazia. Apanhando-o desprevenido-o agride-o e imobiliza-o a tempo de a polícia o capturar.
Segundo se diz, Dario Argento tentou encenar a ópera MacBeth, de Giuseppe Verdi, numa experiência que correu tão mal, que ele imaginou um encenador desastrado como personagem de um filme de terror, onde tudo descambava em tragédia (note-se como, no filme, no encenador Marco é escarnecido por ser pessoa do cinema). Por outro lado, uma piada sua, de que as pessoas que fechavam os olhos nas cenas mais horripilantes dos seus filmes deviam ser forçadas a mantê-los abertos, nem que fosse com agulhas, inspirou as mais icónicas imagens do filme, usadas amiúde nos seus cartazes promocionais.
E se o romance gótico “Le Fantôme de l’Opéra”, de Gaston Leroux, publicado em 1909, é o ponto de partida para a história de Argento – com o contexto do mundo da ópera, os caminhos secretos nos bastidores de um teatro, e um assassino misterioso que provoca acidentes com vista a proteger e promover a carreira de uma jovem soprano, todas as semelhanças acabam nessa premissa. Nas mãos de Argento, a motivação inicial é apenas pasto para uma história de crime, mistério e um subtexto de perversões sexuais, para não falar já de uma narrativa onde subliminarmente nos é trazida uma linha onírica.
Este onirismo é notado, por exemplo, nos sonhos recorrentes de Betty, que incluem personagens misteriosas, e um misto de sexo e crime, que se revelará como, mais que um sonho, uma reminiscência da vida da sua mãe, dada a prazeres sadomasoquistas. O próprio meio labiríntico dos bastidores do teatro, com todas as escadas em espiral, corredores sinuosos e salas decrépitas ajuda a criar uma atmosfera de pesadelo. Mas aquilo que talvez mais marque a estética de “Opera” talvez seja o uso extenso da chamada câmara subjectiva que nos dá o olhar de um personagem. Se esta linguagem visual era já típica de Argento, em “Opera” ela surge reforçada. Temos, por exemplo o olhar da soprano Mara Czekova, logo nos créditos iniciais, pela qual vemos apenas um corvo, e depois, num longo plano-sequência, é-nos dado a ver toda a orquestra, teatro, e pessoas que a ela se dirigem, quando Czekova (sem que alguma vez a vejamos) sai intempestivamente do teatro. Voltamos a ter esta câmara subjectiva em cada investida do assassino, nalguns momentos de desespero de Betty e, muito notoriamente, no voo e ataque dos corvos, sobre o teatro, na sequência que tudo vai revelar.
Mesmo que o argumento deixe muito a desejar – por exemplo como podemos acreditar que o manequim queimado pudesse passar pelo corpo de Santini mais que 5 minutos –, “Opera” tem, do seu lado, um salto em frente na capacidade de Argento assustar os seus espectadores. Entre as sequências mais icónicas do filme estão: os célebres acorrentamentos de Betty, com agulhas debaixo dos olhos apontadas às pálpebras (com algum sangue a escorrer delas); a morte de Stefano apunhalado na garganta, vendo-se o punhal no interior quando ele abre a boca de dor; e a morte de Mira, que ao espreitar no visor da porta é baleada através dele, vendo-se a bala a transpô-lo, acertar-lhe num olho e sair pela nuca (diz-se que Daria Nicolodi, então a separar-se de Dario Argento, apenas aceitou participar no filme pelo entusiasmo por esta cena).
Sempre atento ao lado visual, Argento consegue em “Opera” manter cada cenário como ameaçador – seja a sala de costura, ou apartamento de onde Betty foge pelo condutor de ventilação – graças à riqueza do dècor, e aos seus habituais travellings em que deixa a câmara viajar lentamente, e em voo rasante, de encontro a algo que não sabemos o que é. Neste filme percebe-se uma preocupação com o motivo do círculo: o olho do corvo no plano inicial, os olhos ameaçados por agulhas, os espelhos circulares, o visor da porta que nos traz a imagem do exterior, etc. Sendo ainda a ideia dos corvos, os seu grasnar ameaçador voos furtivos e ataque final – quiçá uma homenagem a “Os Pássaros” (The Birds, 1963), de Alfred Hichcock – uma das imagens mais fortes que o filme transmite.
Giallode contornos góticos – não apenas pela origem da matéria de inspiração, mas pelo próprio peso do passado das personagens, e modo decadente de lidar com ele e espaços envolventes – “Opera” é mais uma entrada de Argento nos mistérios em torno de um serial killer, de motivações prosaicas, é certo, mas com um piscar de olhos ao onirismo, nem que seja pela estética utilizada, e soluções escapistas da protagonista.
O filme foi um sucesso em Itália, e a Orion comprou-o para distribuição nos Estados Unidos com uma nova montagem de apenas 89 minutos, com o nome ” Terror at the Opera”. Por divergências com Dario Argento, essa versão passou directamente ao mercado de vídeo.
Produção:
Título original: Opera [Títulos em inglês: Opera / Terror at the Opera; Produção: ADC Films / Cecchi Gori Group Tiger Cinematografica / RAI Radiotelevisione Italiana; Produtor Executivo: Ferdinando Caputo; País: Itália; Ano: 1987; Duração: 103 minutos; Distribuição: Compagnia Distribuzione Internazionale (CDI) (Itália); Estreia: 19 de Dezembro de 1987 (Itália), 11 de Agosto de 1989 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Dario Argento; Produção: Dario Argento; Co-Produção: Mario Cecchi Gori, Vittorio Cecchi Gori; Argumento: Dario Argento, Franco Ferrini; Argumento: Dario Argento; Música: Brian Eno, Roger Eno, Steel Grave, Claudio Simonetti, Bill Wyman; Fotografia: Ronnie Taylor [cor por Technicolor]; Montagem: Franco Fraticelli; Design de Produção: Davide Bassan; Direcção Artística: Gian Maurizio Fercioni; Cenários: Valeria Paoloni; Figurinos: Lia Francesca Morandini; Caracterização: Rosario Prestopino; Efeitos Especiais: Renato Agostini; Cenografia: Giovanni Veneri (Parma Theatre Chorus); Efeitos Visuais: ; Direcção de Produção: Alessandro Calosci.
Elenco:
Cristina Marsillach (Betty), Ian Charleson (Marco), Urbano Barberini (Inspector Alan Santini), Antonella Vitale (Marion), Daria Nicolodi (Mira), William McNamara (Stefano), Coralina Cataldi-Tassoni (Giulia), Barbara Cupisti (Signora Albertini), Antonino Iuorio (Baddini), Carola Stagnaro (Mãe de Alma), Francesca Cassola (Alma), Maurizio Garrone (Maurizio, O Cuidador dos Corvos), Cristina Giachino (Maria, Assistente do Director), György Gyõriványi (Miro), Bjorn Hammer (Polícia), Peter Pitsch (Assistente de Mara Czekova), Sebastiano Somma (Polícia), Elizabeth Norberg-Schulz (Voz de Soprano – Lady Macbeth), Paola Leolini (Voz de Soprano – Lady Macbeth), Michele Pertusi (Voz de Baixo – Banquo), Andrea Piccini (Voz de Barítono – Macbeth), Dario Argento (Narrator na Versão Italiana) [não creditado], Michele Soavi (Inspector Daniele Soave) [não creditado].