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Cinema, Cinema italiano, Clara Calamai, Daria Nicolodi, Dario Argento, David Hemmings, Eros Pagni, Gabriele Lavia, Giallo, Giuliana Calandra, Glauco Mauri, Macha Méril, Piero Mazzinghi, Policial, Terror, Thriller
Numa conferência sobre percepção extra-sensorial, a conferencista alemã Helga Ulmann (Macha Méril) sente que alguém na sala está ligado a um passado de crime sangrento. Muito assustada com o que sente, Helga vai para o seu apartamento, mas alguém entra, e mata-a a golpes de cutelo. Esse crime é observado da praça defronte, onde Marcus Daly (David Hemmings), um pianista de jazz inglês a viver em Roma, conversava com o amigo Carlo (Gabriele Lavia). Interrogado pela polícia, e fotografado pela jornalista por Gianna Brezzi (Daria Nicolodi), que faz dele manchete de jornal, Marcus passa de testemunha a alvo do assassino, decidindo, com a ajuda de Gianna investigar o crime por conta própria.
Análise:
Depois do fracasso que constituiu a tentativa de mudança de rumo na carreira de Dario Argento, com a comédia “Cinco Dias em Milão” (Le cinque giornate, 1973), o autor italiano resolveu arrepiar caminho, voltando aos giallos com aquele que seria um dos seus maiores sucessos, “O Mistério da Casa Assombrada” (estranha tradução que, mais correctamente deveria ser “Vermelho Profundo”), escrito em parceria com Bernardino Zapponi, e contando desta vez na banda sonora, com um trabalho dos Goblin, que o passariam a acompanhar de então em diante.
Sem propriamente falar de uma, “O Mistério da Casa Assombrada” conta-nos a história de Marcus Daly (David Hemmings), um pianista de jazz inglês a viver em Roma, e que, numa noite, numa praça a falar com o amigo Carlo (Gabriele Lavia), testemunha um crime numa janela do edifício onde mora. A vítima é a alemã Helga Ulmann (Macha Méril), que estava na cidade para uma conferência sobre percepção extra-sensorial, durante a qual terá percebido estar na sala alguém com um passado de crime sangrento. Marcus acorre, mas é demasiado tarde. Depois, é interrogado pela polícia, mas estranha que um quadro tenha desaparecido da parece. Acompanhado – e incentivado – por Gianna (Daria Nicolodi), uma jornalista muito assertiva, que colocou foto dele no jornal, atraindo a atenção do assassino, Marcus, vai investigar por conta própria, a partir daquilo que Helga teria contado aos seus pares sobre a sensação que teve na conferência, e a história de um mito urbano chamada “A casa da criança que grita”. A pista leva-o a um livro, e, através deste, à sua autora e à fotografia de uma mansão. Com a morte por assassinato da autora do livro, Amanda Righetti (Giuliana Calandra), ao investigar a cena do crime, o professor Giordani (Glauco Mauri) acaba também assassinado. Descoberta finalmente a dita mansão, Marcus investiga-a, primeiro sozinho, encontrando um desenho de uma criança com uma faca sangrenta, depois com Gianna, ao descobrir na foto que uma janela foi tapada. Ao rebentar a parede, Marcus e Gianna descobrem um esqueleto, mas são atacados, e a casa é incendiada. Voltando ao local, Marcus descobre que a filha do caseiro tem um desenho igual ao que ele encontrara, e esta diz-lhe tê-lo visto na biblioteca da escola. Aí, Marcus e Gianna procuram nos arquivos de antigos alunos, e encontram o autor do desenho, Carlo, que entretanto apunhala Gianna, e, confessando os crimes, se prepara para matar Marcus a tiro, quando a polícia chega e o mata. Só que Marcus sabe que não poderia ser Carlo o assassino de Helga, pois estavam juntos quando ele ocorreu. Voltando ao apartamento para recordar a cena, Marcus recorda-se finalmente que o quadro que mudou era na realidade uma reflexão de um espelho, pelo qual ele viu a assassina escondida, Martha (Clara Calamai), a mãe de Carlo, que anos antes matara o marido brutalmente, o que fora testemunhado por Carlo, que ficou traumatizado desde então. Na violenta luta que se segue, Martha acaba decapitada pelo elevador do prédio.
Ao que consta, o regresso de Dario Argento ao giallo deveria ter o título “O Tigre de Dentes de Sabre”, mantendo a linha de ter o nome de um animal. Só que, por essa altura, já muitos autores o faziam, com base nos sucessos de Argento, pelo que o realizador optou por uma mudança de estilo, num filme que, segundo os autores terá sido inspirado por tipos de morte (ou ferimentos) com os quais o público se pudesse identificar por experiência própria: cortes em vidros, queimaduras, etc.
Em “O Mistério da Casa Assombrada” voltamos a ter protagonistas estrangeiros – agora o inglês David Hemmings, famoso por “Blow Up: História de um Fotógrafo ” (Blow Up, 1966), de Michelangelo Antonioni), desta vez novamente um músico – como em “Quatro Moscas de Veludo” (4 mosche di velluto grigio, 1971) –, sempre no modelo de que o protagonista é testemunha involuntário de um crime, sendo ignorado pela polícia, para investigar por conta própria tornando-se o alvo principal. Neste caso, as inovações são: um comissário policial (Eros Pagni) deliberadamente anedótico (cheio de tiques e situações de atrapalhação e más decisões, embora acabe por salvar o dia, chegando no momento exacto), e uma parceira para o protagonista. Esta é interpretada por Daria Nicolodi, parceira de Dario Argento, surpreendendo pela assertividade da sua personagem. Gianna é intrusiva (como boa jornalista que tenta ser), dominante e liberal, atrapalhando Marcus amiúde, tomando as rédeas e imiscuindo-se naquilo que ele quer apenas seu. A química entre os Hemmings e Nicolodi é, aliás, notável, trazendo um sentido de humor incisivo, como nunca se tinha visto num filme de Argento, até então (nem se voltaria a ver muito). As eternas discussões bem-dispostas entre ambos, as lutas de braço de ferro onde Gianna vence sempre, e a evolução da relação cheia de insinuações sexuais – note-se como a princípio ela lhe diz que ele parece nervoso o que deve ser por não ter namorada, para na manhã seguinte lhe dizer «agora já pareces mais calmo». O humor é aliás uma nota importante no filme, seja nas situações com a polícia, nos deliciosos diálogos entre Marcus e Gianna (e linguagem corporal, nos gestos com que Marcus vai expressando a sua insegurança), e situações como o minúsculo carro de Gianna, com um banco que descai fazendo-o sempre parecer mais baixo que ela (em mais uma pista sobre o seu complexo de inferioridade quando desafiado por uma mulher independente), uma porta que não abre, e saídas pelo tejadilho. Inesquecível também, é o primeiro encontro entre Marcus e Martha, num divertidíssimo diálogo quase absurdo.
Tais apontamentos cómicos não retiram peso à parte dramática. As mortes continuam macabras, e Argento inova nos métodos. O assassino usa, não apenas um enorme cutelo de talhante, a garantir muito sangue (com uma das mortes a terminar numa cabeça espetada nos vidros de uma janela – cada vez mais uma imagem de marca do realizador), como acaba por matar uma vítima queimando-a em água a ferver e outra desfazendo-lhe a boca contra esquinas de pedra. A peça final é a morte da própria criminosa, que fica com um colar preso na grade do elevador, que ao descer lhe arranca a cabeça. Tudo isto numa história de mistério de resolução sinuosa, onde não faltam os contornos freudianos habituais em Argento
Mais uma vez temos os planos de ponto de vista do criminoso (a câmara subjectiva pela qual vemos o que o criminoso vê, sem vermos quem ele é), como a bonita sequência de abertura no teatro, e as tradicionais luvas negras, mostrando-nos as mãos assassinas – sempre as do próprio Argento. Outro passo em frente é a qualidade da fotografia e da cenografia. Desde a atenção à cor (o vermelho do teatro, os mármores brancos, os contrastes sempre bem definidos entre cenas e locais), aos cenários, como o teatro e a decoração do apartamento de Helga (isto é, os quadros aterradores nas paredes), passando por alguns locais, como a praça muitas vezes filmada (Piazza CLN, em Turim), o bar que fica defronte, numa clara alusão à pintura de Edward Hopper “Nighthawks”, e a mansão final numa exuberante art nouveau (Villa Scott, em Turim).
Iniciando-se e terminando com cenas em flashback que nos dão a justificação dos crimes, “O Mistério da Casa Assombrada” lança ainda os habituais olhares de Argento para as franjas da sociedade, seja a vida nocturna, os músicos de jazz (que por o serem, como diz o comissário, não trabalham), ou a comunidade gay, na revelação de Carlo. Curiosamente, o seu amante, que vemos semi-travestido numa sequência, é interpretado por uma mulher: Geraldine Hooper.
Fundamental para o filme é ainda a banda sonora. Agora já sem Ennio Morricone, Dario Argento, pediu a Giorgio Gaslini que lhe compusesse temas jazz, mas insatisfeito, procurou uma abordagem mais moderna, primeiro tentando convencer os Pink Floyd – que então já haviam colaborado em “Zabriskie Point” (1970) de Michelangelo Antonioni – acabando por se decidir pela música da banda italiana Goblin, que com ele colaboraria em vários filmes.
“O Mistério da Casa Assombrada” (que foi reeditado versões mais curtas para o mercado norte-americano) tornar-se-ia um sucesso imediato em Itália, sendo ainda hoje considerado um dos melhores filmes de Dario Argento. Internacionalmente, a grande descoberta do cinema de Argento dar-se-ia dois anos depois com “Suspiria” (1977), o que levou a que, nalguns mercados, este filme viesse depois a ser promovido como “Suspiria 2”, mesmo que nada ligue os dois filmes.
Produção:
Título original: Profondo Rosso [Título inglês: Deep Red]; Produção: Rizzoli Film / Seda Spettacoli; Produtor Executivo: Claudio Argento; País: Itália; Ano: 1975; Duração: 127 minutos; Distribuição: Cineriz (Itália); Estreia: 7 de Março de 1975 (Itália), 3 de Dezembro de 1976 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Dario Argento; Produção: Salvatore Argento; Argumento: Dario Argento, Bernardino Zapponi; Música: Giorgio Gaslini, Goblin; Fotografia: Luigi Kuveiller [filmado em Tachniscope, cor por Eastman]; Montagem: Franco Fraticelli; Design de Produção: Giuseppe Bassan; Cenários: Armando Mannini; Figurinos: Elena Mannini; Caracterização: Giuliano Laurenti; Efeitos Especiais: Germano Natali, Carlo Rambaldi; Direcção de Produção: Angelo Iacono.
Elenco:
David Hemmings (Marcus Daly), Daria Nicolodi (Gianna Brezzi), Gabriele Lavia (Carlo), Macha Méril (Helga Ulmann), Eros Pagni (Comissário Calcabrini), Giuliana Calandra (Amanda Righetti), Piero Mazzinghi (Bardi), Glauco Mauri (Professor Giordani), Clara Calamai (Marta), Aldo Bonamano (Pai de Carlo), Liana Del Balzo (Elvira), Vittorio Fanfoni (Polícia a Tirar Notas), Dante Fioretti (Fotógrafo da Polícia), Geraldine Hooper (Massimo Ricci), Jacopo Mariani (Jovem Carlo), Furio Meniconi (Rodi), Fulvio Mingozzi (Agente Mingozzi), Lorenzo Piani (Polícia das Impressões Digitais), Salvatore Puntillo (Agente da Polícia), Piero Vida (Polícia Gordo), Nicoletta Elmi (Olga), Gino La Monica (Dobragem de Voz de David Hemmings) [não creditado], Isa Bellini (Dobragem de Voz de Clara Calamai) [não creditada], Wanda Tettoni (Dobragem de Voz de Liana Del Balzo) [não creditada], Renato Cortesi (Dobragem de Voz de Geraldine Hooper) [não creditado], Corrado Gaipa (Dobragem de Voz de Furio Meniconi) [não creditado], Emanuela Rossi (Dobragem de Voz de Nicoletta Elmi) [não creditada].