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Picassos ÄventyrPablo Picasso (Gösta Ekman) nasce em Málaga, filho do pretenso artista Don José (Hans Alfredson) e da emotiva Doña Maria (Margaretha Krook). Cedo revelando talento artístico, Pablo é enviado pelo pai, primeiro para Madrid, onde estuda pintura, depois para Paris, onde o seu talento é inicialmente incompreendido, até, já sob orientação paterna, se tornar um nome conhecido mundialmente. Entre humor surreal e uma narrativa absurda, vamos conhecendo um olhar alternativo sobre a vida e os tempos do famoso pintor espanhol, entre Paris e os Estados Unidos, atravessando duas guerras mundiais.

Análise:

Nome grande da comédia na Suécia, sobretudo por ser parte da dupla Hasse & Tage, que formou com Hans “Hasse” Alfredson, o actor, argumentista e realizador Tage Danielsson realizou em nome próprio a comédia absurda “Picassos äventyr” (As Aventuras de Picasso), onde nos dá um olhar alternativo e muito mordaz sobre a vida e carreira do célebre pintor espanhol. O resultado foi uma obra que, curiosamente, atingiu algum sucesso em vários países europeus e que valeu a Tage Danielsson o prémio de Melhor Filme nos Guldbagge Awards da indústria sueca.

“As Aventuras de Picasso” conta-nos a vida de Pablo Picasso, narrada por um narrador de voz masculina, que se apresenta como Elsa Beskow. Através do filme, vemos o crescimento de Picasso em Málaga (Gösta Ekman), onde revela talento artístico esculpindo com a comida. Tal faz com que o pai Don José (Hans Alfredson) o leve para Madrid, dando-se no caminho o episódio onde salva a bela Dolores (Lena Olin) de dois atacantes, e recebe dela uma tinta mágica com que passa a assinar os seus trabalhos. A sua ida para França (depois de uma falsa morte do pai) não corre pelo melhor e a sua obra é inicialmente mal recebida. Com a morte da mãe (Margaretha Krook), o pai junta-se-lhe em Paris, passando a gerir-lhe a carreira, que prospera e o leva a conviver com todos os grandes artistas do seu tempo. O sucesso leva-o a ser apadrinhado pelo casal multimilionário Svensson-Guggenheim, sendo que Ingrid (Birgitta Andersson) começa a demonstrar uma obsessão com o pintor. Segue-se a participação nos ballets russos de Diaghilev (Yngve Gamlin), e a relação com a cantora finlandesa Sirkka (Lena Nyman). Viajando para os Estados Unidos, Picasso sofre com a lei seca da arte, negociando no mercado negro, até ser preso e condenado à morte na cadeira eléctrica, de onde escapa por uma falha na electricidade. De volta à Europa, rebenta a Segunda Guerra Mundial, e Don José torna-se oficial das SS, procurando inimigos da Alemanha nazi, que Picasso esconde em casa. Finda a guerra, Picasso e o pai vão para a Riviera, onde Pablo reencontra o seu amor de juventude, Dolores, agora já velha, com uma neta (também Lena Olin) que passa tempo com o pintor ensinando-lhe a sua mensagem de paz na Guerra Fria. Por fim, Picasso morre, bebendo a tinta mágica, e os seus quadros perdem as assinaturas, causando o Grande Crash da Pintura.

Com uma linguagem muito própria, seja a nível narrativo, de diálogos, de cenografia e interpretações, “As Aventuras de Picasso” começa logo por nos confundir pelas línguas usadas (10 no total). Com narração em sueco (consequentemente dobrada noutros países), a língua do próprio filme é inexistente. Isto é, é composta de palavras soltas, sem qualquer sintaxe, usando somente palavras chave, as quais são de línguas díspares, e muitas vezes usadas em significados mais simbólicos que factuais (por exemplo a Primeira Guerra Mundial é descrita como “Krash! Bom! Bang!”). A esse modo de falar alia-se a interpretação, a qual é comicamente exagerada e dada a momentos de burlesco (vemos sequências dignas do melhor Chaplin ou Keaton – por exemplo o salvamento de Dolores, a fuga aos avanços sexuais de Ingrid, e o esconderijo dos inimigos das SS). A narrativa é feita de episódios absurdos, a que se juntam vinhetas quase extra-narrativa (como o momento em que Hitler e Churchill têm um combate de pintura). Por fim temos uma cenografia que tanto faz uso de cenários naturais procurando espaços relevantes para a história, como usa interiores algo estilizados, e cenários de ruas que representam grandes cidades que são propositadamente adaptações da mesma estrutura e ângulos (na mesma rua de Tomelilla), mudando apenas detalhes para os fazerem parecer caricaturalmente Espanha, Inglaterra, França ou Estados Unidos. Acrescente-se ainda momentos em que os actores quebram a quarta parede e interagem com o narrador.

Pelo meio vamos vendo cenas tão insólitas como: Picasso a perder o cabelo de um momento para o outro, por usar um gel inventado pelo pai; a inspiração de “Che gelida manina” de Puccini, quando conhece uma empregada de mesa cujas mãos estão sempre geladas por servir vinho frio; ou dar uma festa em homenagem de Henri Rosseau, em que os convivas vêm mascarados de peças de mobiliário, e o homenageado acaba por sair a voar pela janela. A sequência da Lei Seca Americana surge-nos como um sketch típico de Monty Python (cujo humor inspira claramente todo o filme), e o surreal está sempre presente, por exemplo na cena em que Picasso foge da prisão, desenhando uma porta na parede, na saída pela janela de Rosseau, ou nas cenas em que o comboio e o navio que se afastam do ecrã… transversalmente.

Com todo o absurdo presente no filme, não deixa de haver uma clara mensagem satírica, seja para a citada atitude americana para com os artistas (numa sequência que chegou a ser censurada no mercado dos EUA), no modo de encarar a arte por parte dos milionários, passando pela futilidade das guerras, e mesmo à pseudo-intelectualidade por parte dos próprios artistas. Claro que isto pode ser atenuado pela comicidade de vermos, por exemplo, como Picasso chegou ao cubismo por acidente.

Mas acima de tudo, e com o condão de, de um modo absurdo, o filme nos dar um olhar muito interessante sobre a vida do pintor e o seu tempo, “As Aventuras de Picasso” destaca-se pela capacidade de inventar linguagens e modos de narrar. Veja-se por exemplo como a incompatibilidade entre Picasso e Sirka nos é mostrada no facto de ela cantar sempre a mesma melodia (a qual é, na verdade, uma receita de culinária), seja qual for o contexto, ou como a inspiração para Guernica é tornada uma secção de desenhos animados. É como se nenhum momento se repetisse, e o filme de Tage Danielsson fosse quase um compêndio de formas de humor e ensaios de linguagem visual. Tal frescura e imaginação tornam-no num objecto inigualável.

E se o filme segue a frase de que a arte é uma mentira que nos faz ver a verdade, curioso é que Gösta Ekman chegou a ser confundido com o próprio Picasso aquando no estrangeiro.

Os quadros pintados para o filme, por Per Åhlin, foram posteriormente vendidos em leilão, tendo angariado 222 220 coroas suecas. No entanto alguns ficaram com membros do elenco e equipa.

Gösta Ekman e Lena Olin em "Picassos äventyr" (1975), de Tage Danielsson

Produção:

Título original: Picassos äventyr [Título inglês: The Adventures of Picasso]; Produção: Svenska Ord / Svensk Filmindustri (SF); País: Suécia; Ano: 1978; Duração: 108 minutos; Distribuição: Svensk Filmindustri (SF) (Suécia); Estreia: 20 de Maio de 1978 (Suécia).

Equipa técnica:

Realização: Tage Danielsson; Produção: Staffan Hedqvist; Argumento: Hans Alfredson, Tage Danielsson, (com muitas ideias de) Gösta Ekman; Música: Gunnar Svensson; Fotografia: Tony Forsberg, Roland Sterner [cor por Eastmancolor]; Montagem: Jan Persson; Design de Produção: Hans Alfredson; Direcção Artística: Stig Boqvist; Cenários: Jan Andersson; Figurinos: Mona Theresia Forsén; Caracterização: Tina Johansson, Bengt Ottekil; Efeitos Especiais: Bengt Schöldström; Animação: Per Åhlin; Pinturas: Per Åhlin; Coreografia: Lisbeth Zachrisson; Direcção de Produção: Staffan Hedqvist.

Elenco:

Gösta Ekman (Picasso), Hans Alfredson (Don José), Margaretha Krook (Doña Maria), Lena Olin (Dolores), Wilfrid Brambell (Alice B. Toklas), Lennart Nyman (Henri Rousseau), Per Oscarsson (Apollinaire), Elisabeth Söderström (Mimi), Gösta Winbergh (Voz de Canto de Picasso), Birgitta Andersson (Ingrid Svensson-Guggenheim), Magnus Härenstam (Hitler), Sune Mangs (Churchill), Yngve Gamlin (Diaghilev), Lisbeth Zachrisson (Olga), Lena Nyman (Sirkka), Tom Younger (Superintendente), Rolv Wesenlund (Grieg), Sven Lindberg (Dr. Albert Schweizer), Toivo Pawlo (Elsa Beskow / Narrador).

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