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Les amants de Montparnasse Amedeo Modigliani (Gérard Philipe), pintor italiano, vive em Paris no período entre as guerras. Entre o álcool e noites boémias, Modigliani tenta em vão vender os seus desenhos, ajudado pelo amigo Léopold Zborowsky (Gérard Séty), que lhe vai incutindo bom senso e pagando algumas contas. Do outro lado está Beatrice Hastings (Lilli Palmer), escritora e crítica literária inglesa, que o vê como um objecto seu, usando-o sexualmente, e financiando-o pontualmente. Mas quando Modigliani conhece a estudante de pintura Jeanne Hébuterne (Anouk Aimée), por quem se apaixona imediatamente, dispõe-se a mudar o seu comportamento para merecer uma vida feliz ao lado daquela que é a sua nova musa.

Análise:

Co-produção franco-italiana, com dedicatória a Max Ophüls – o qual o começou a dirigir, mas morreu logo no início –, “O Vagabundo de Montparnasse” conta-nos – em jeito clássico, ignorando o nascimento da Nouvelle Vague que então acontecia em França – a história de Amedeo Modigliani, pintor italiano que viveu a parte final da sua vida em Paris, mostrando-nos de forma ficcional a sua relação com as mulheres que lhe inspiraram a pintura nessa fase: Beatrice Hastings e Jeanne Hébuterne.

O filme mostra-nos Amedeo Modigliani (Gérard Philipe) em Paris, numa vida boémia de auto-destruição, entre noites de álcool, e desprendimento emocional na cama da escritora Beatrice Hastings (Lilli Palmer), que aprecia a dependência financeira que ele tem dele, e parece estimular esse ciclo vicioso em que Modigliani a procura e pinta. Apenas com o amparo do amigo Léopold Zborowsky (Gérard Séty), que lhe vai tentando vender os quadros e ajudando a pagar as contas, Modigliani muda completamente quando conhece a estudante de pintura Jeanne Hébuterne (Anouk Aimée), por quem se apaixona. Quando os pais desta proíbem a relação, a trancam e por fim a levam numa viagem, Modigliani colapsa novamente, desta vez com perigo para a sua vida, sendo levado para Nice para descansar e recuperar. É aí que Jeanne, fugida dos pais, se lhe reúne, e os dois passam a viver juntos em felicidade. Em Paris, Zborowsky consegue uma exposição para Modigliani na galeria de Madame Weil (Marianne Oswald), mas, embora muita gente acorra, ninguém compra e os quadros são retirados das montras, pois as autoridades consideram-nos pornográficos. Apenas o crítico Morel (Lino Ventura) os aprecia, mas explica que prefere esperar que Modigliani morra em desgraça para os comprar mais baratos. Tal não demora muito, pois ferido no orgulho, e depois de uma frustrada venda a um milionário americano, que apenas procura imagens para publicitar os seus produtos, Modigliani decide fazer dinheiro rapidamente tentando vender desenhos de bar em bar, mas em vão. O pintor acaba por morrer nas ruas de Paris, apenas com conhecimento de Morel que, sem avisar ninguém do sucedido, acorre a casa de Modigliani e compra os quadros todos a Jeanne, pagando a pronto.

Num retrato romântico da solidão e incompreensão de um artista, condenado a ser ostracizado, caindo na bebida, e afastando todos os que o poderiam ajudar, “O Vagabundo de Montparnasse” mostra-nos uma Paris fria feita de becos sujos e tabernas pobres. É onde se movimenta Amedeo Modigliani, cujo retrato, como o filme nos diz no início é aqui fantasiado com base em acontecimentos reais, mas sem pretender ter rigor histórico.

Ainda assim, dois factores prevalecem, transportando-nos para últimos dias e a vida do pintor italiano. Um deles é a importância das suas musas, as mulheres que mais vezes ele retratou nesta fase da sua vida. A segunda é a relação do meio artístico com o artista, aqui representada no cinismo e oportunismo de Morel. Começando pelas mulheres da vida de Modigliani neste filme, temos dois pólos opostos. Primeiro, a inglesa Beatrice Hastings, escritora, poetiza, crítica literária, que usa da dependência do álcool (e do dinheiro) de Modigliani para o cultivar como um objecto seu, e onde vemos mesmo sugestões de fetiches sexuais e sado-masoquismo (físico e psicológico). No outro pólo está Jeanne Hébuterne, mais jovem e inocente, verdadeiramente apaixonada e altruísta, que procura apenas encaminhá-lo para uma felicidade sadia, onde a sua pintura possa ser reconhecida. Poderão talvez, os críticos de arte, procurar nos quadros de Modigliani diferenças nos retratos das duas mulheres que sugiram estas diferenças de personalidade.

Por fim, como dito atrás, temos a relação do artista incompreendido com o mundo, e mais concretamente com o mundo artístico, da galeria onde as pessoas só vão pelas bebidas e canapés, ao milionário americano (na sequência mais jocosa do filme), que colecciona malas de viagem com tudo o que lá couber, mas cuja falta de sensibilidade enoja o pintor que prefere a pobreza ao dinheiro que lhe suje a arte. Por fim temos, claro, o crítico Morel, imagem do cinismo e oportunismo, que, como abutre, espera a morte de Modigliani para com ela fazer dinheiro.

Pela câmara de Jacques Becker, a tal sujidade e decadência dos becos pobres de Paris e cheiro a vinho barato, torna-se, aos poucos, a decadência de valores daqueles que circundam em torno de Modigliani (principalmente Beatrice e Morel), da sua incompreensão que o vota ao isolamento e à incapacidade de relações normais, mesmo quando alguém o ama, como é o caso de Jeanne e do amigo Zborowsky. Falha de carácter ou simplesmente o peso do génio, fica ao critério de cada um decidir.

Amedeo Modigliani morreu em 1920, com 36 anos, de tuberculose. Gérard Philipe, o actor que lhe deu vida neste filme, viria a morrer um ano depois da sua estreia, em 1959, também com 36 anos.

Anouk Aimée, Gérard Philipe e Gérard Séty em "O Vagabundo de Montparnasse" (Les amants de Montparnasse, 1958) de Jacques Becker

Produção:

Título original: Les amants de Montparnasse [Título alternativo: Montmarnasse 19]; Produção: Franco London Films / Astra Cinematografica / Sandro Pallavicini I.N.C.); País: França / Itália; Ano: 1958; Duração: 104 minutos; Distribuição: Les Acacias, Cocinor; Estreia: 4 de Abril de 1958 (França), 23 de Janeiro de 1959 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Jacques Becker; Produção: Sandro Pallavicini, Henry Deutschmeister [não creditado]; Argumento: Michel-Georges Michel [a partir do seu próprio romance “Les Montparnos”]; Música: Paul Misraki; Direcção Musical: Jacques Météhen; Fotografia: Christian Matras [preto e branco]; Montagem: Marguerite Renoir; Design de Produção: Jean d’Eaubonne; Figurinos: Georges Annenkov, Jacques Heim (vestidos); Caracterização: Yvonne Fortuna; Direcção de Produção: Ralph Baum.

Elenco:

Gérard Philipe (Amedeo Modigliani), Lilli Palmer (Beatrice Hastings), Anouk Aimée (Jeanne Hébuterne), Lea Padovani (Rosalie), Gérard Séty (Léopold Zborowsky), Lino Ventura (Morel),
Lila Kedrova (Anna Zborowsky), Arlette Poirier (Lulu), Pâquerette (Madame Salomon, a Porteira), Marianne Oswald (Berthe Weil), Judith Magre (A Prostituta Junto ao Café), Denise Vernac (Madame Hébuterne), Robert Ripa (Marcel), Jean Lanier (Monsieur Hébuterne), Carole Sands [como C. de Rieux] (Madame Dickson), Jany Clair (A Bela), Antoine Tudal (Cendrars), Bruno Balp (O Talhante Modelo), Nadine Alari (Dobragem de Voz de Lea Padovani) [não creditada].

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