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Indiscreet Anna Kalman (Ingrid Bergman), é uma conhecida actriz de teatro, em baixo após mais uma desilusão amorosa, quando, através da irmã (Phyllis Calvert) e do cunhado (Cecil Parker), conhece o galante diplomata Philip Adams (Cary Grant). Embora, logo à partida, Philip advirta Anna de que é casado, os dois envolvem-se romanticamente, e o que poderia ser uma aventura de uma noite, torna-se uma relação séria, com o casal a passar junto e apaixonadamente todo o tempo possível. Mas quando tudo parecia bem nesta relação sem hipótese de futuro, Anna descobre que Philip mentiu desde o início, e é de facto solteiro.

Análise:

Filmado em Inglaterra, pela Grandon Productions Ltd., para a americana Warner Bros., “Indiscreto” foi o filme que reuniu Ingrid Bergman e Cary Grant doze anos depois de “Difamação” (Notorious, 1946), de Alfred Hitchcock. Realizado e produzido pelo consagrado Stanley Donen, o filme – uma comédia romântica – baseava-se na peça teatral “Kind Sir”, de Norman Krasna, cujo texto o próprio adaptou para o cinema.

“Indiscreto” conta a história de Anna Kalman (Ingrid Bergman), uma mulher sofisticada, actriz de teatro de renome, que não tem tido muita sorte com o sexo masculino. Já resignada a não casar, Anna conhece Philip Adams (Cary Grant), um diplomata norte-americano que o seu cunhado Alfred Munson (Cecil Parker), membro do governo britânico, está a tentar recrutar para a NATO. A química instantânea entre Anna e Philip, depois de um serão num banquete de Estado, é abalada quando este lhe diz que é casado. Vencendo a relutância mútua, ambos concordam com uma relação sem amarras, onde o casamento de Philip não seja questionado. Tudo parece correr bem entre ambos, até Philip ser chamado a Nova Iorque para uma longa estadia. Nas vésperas, enquanto Anna se entristece pela separação, a irmã Margaret (Phyllis Calvert) conta-lhe o que descobrira pelo marido: Philip não é casado, e usa essa mentira para evitar um casamento. Vendo que tem sido enganada, Anna decide vingar-se de Philip, fingindo ter um amante no quarto quando este a tenta surpreender na noite do seu aniversário. Só que Philip chega para contar a verdade e pedir Anna em casamento, e todos os planos dela caiem por terra, com o par a fazer finalmente as pazes.

Em 1958, ninguém duvidaria do sucesso da dupla Bergman-Grant, depois dos excelentes resultados artísticos de 1946 em “Difamação”. E se, então, o filme de Hitchcock quebrava barreiras de «decência» com a vida dissoluta da personagem de Bergman, que acaba contratada pelo seu amante (Grant) para servir de isco sexual numa história de espionagem (já para não falar na cena em que o par tem um dos beijos mais famosos da história do cinema), o filme de Stanley Donen consegue também a sua quota parte de facadas no moralismo do então cada vez mais em queda Código de Hays.

Sendo um drama romântico, de tom leve, e por vezes cómico, “Indiscreto” parte de um contexto que poderá ter feito corar alguns rostos nas salas de cinema do seu tempo. É que o par romântico decide ir para a frente numa relação adúltera, na qual ele é casado, e ela, sabendo-o, aceita o facto. É claro que essa situação é falsa, e os espectadores terão descansado no final quando descobriram que Philip era, afinal, um solteirão inveterado, que inventava que era casado apenas para se livrar do casamento. Mas tal não coloca os protagonistas numa situação mais fácil, pois não só viviam como marido e mulher sem o serem, como a descoberta da verdade dá azo a algumas situações cómicas onde a lógica parece invertida – como bem o repetem o casal de observadores Alfred e Margaret –, por exemplo com Anna a dizer que se sente enganada porque Philip não é casado, preferindo que ele o fosse, pois assim a relação deles teria sido assente numa verdade.

Este quebrar das regras da chamada decência acaba por ser o trunfo de “Indiscreto”, numa escrita inteligentíssima de Norman Krasna. Embora nunca vejamos o par junto na cama, mas sempre em camas de apartamentos diferentes, é-nos mostrado como Philip subia sorrateiramente ao apartamento de de Anna para passar a noite com ela; temos insinuações suficientes para perceber o carácter sexual da relação; e como se não bastasse, temos mesmo, a dada altura, o grito desesperado de Anna, dizendo que quer um homem.

Mas, enganos à parte – e a sequência do confronto final, além de ponto fulcral do enredo, é também o momento mais divertido do filme – o que temos é uma história de muita elegância. Esta não está só nos vestidos de Ingrid Bergman (cortesia de Christian Dior), mas também numa cenografia exuberante (a mão de Donen, habituado à alta coreografia de grandes musicais, vê-se nesse ponto), e diálogos cheios de duplos significados, com um humor muito fino, que nos faz questionar, mesmo que em tom leve, a natureza do casamento e das relações em geral. A dupla de protagonistas, mostrando já o chegar da idade, mostra-se completamente à vontade, por vezes deixando-se levar em longos planos-sequências quase como se fosse uma peça de teatro, e com um final arrebatador que chega a lembrar as saudosas screwball comedies, em que o próprio Grant tantas vezes brilhou décadas antes.

E, relembrando que é o teatro a origem desta história, Stanley Donen mantém a unidade espacial, com quase todo o filme a decorrer no apartamento de Anna ou nas escadarias que lhe dão acesso (com notórias excepções como as cenas do banquete e do baile escocês). Completamente cinematográfico foi o uso da técnica do ecrã dividido (uma das primeiras vezes na história do cinema), por onde vemos Anna e Philip a falar ao telefone, ambos deitados nas suas respectivas camas com gestos que se complementam, como se de facto estivessem juntos.

Apesar do seu material algo contraditório, o filme foi bem aceite, sendo nomeado para vários prémios. “Indiscreto” teve um remake para televisão, em 1988, realizado por Richard Michaels a partir do mesmo argumento de 1958, e com Robert Wagner e Lesley-Anne Down nos principais papéis.

Cary Grant e Ingrid Bergman em "Indiscreto" (Indiscreet, 1958), de Stanley Donen

Produção:

Título original: Indiscreet; Produção: Warner Bros. / Grandon Productions Ltd.; País: Reino Unido / EUA; Ano: 1958; Duração: 100 minutos; Distribuição: Warner Bros.; Estreia: 26 de Junho de 1958 (EUA), (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Stanley Donen; Produção: Stanley Donen; Produtor Associado: Sydney Streeter; Argumento: Norman Krasna [a partir da sua própria peça de teatro “Kind Sir”]; Música: Richard Rodney Bennett, Ken Jones; Canção-título: Sammy Cahn, Jimmy Van Heusen; Direcção Musical: Muir Mathieson; Fotografia: Freddie Young [como Frederick A. Young] [cor por Technicolor]; Montagem: Jack Harris; Direcção Artística: Donald M. Ashton; Cenários: John Graysmark [não creditado]; Figurinos: Christian Dior [Ingrid Bergman], Quintino (Cary Grant); Caracterização: John O’Gorman; Direcção de Produção: Roy Parkinson.

Elenco:

Cary Grant (Philip Adams), Ingrid Bergman (Anna Kalman), Cecil Parker (Alfred Munson), Phyllis Calvert (Mrs. Margaret Munson), David Kossoff (Carl Banks), Megs Jenkins (Doris Banks).

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