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Cinema, Comédia Dramática, Drama, Edna Ferber, Flora Robson, Florence Bates, Gary Cooper, Ingrid Bergman, Jerry Austin, John Warburton, Romance, Sam Wood
Após a morte da sua mãe, desterrada em Paris, a jovem Clio Duvaine regressa à sua casa de infância em Nova Orleães, disposta a redimir o nome materno, casando com alguém rico e respeitável e forçando os familiares, que nunca a aceitaram, a engolir o seu orgulho. Mas o plano começa a desmoronar quando Clio se apaixona pelo cowboy, aventureiro texano, bem abaixo do nível aristocrático dela, Clint Maroon (Gary Cooper). Se por um lado o casal sente atracção mútua, por outro as colisões são evidentes, e Clint parte para Saratoga, para continuar a ganhar dinheiro, deixando Clio sem motivação para continuar na cidade onde ninguém a quer.
Análise:
Ao mesmo que a Warner Bros rodava o popular “Por Quem os Sinos Dobram” (For Whom the Bell Tolls, 1943), a produtora preparou de imediato um filme de orçamento mais baixo, mas que capitalizasse o momento que aquela adaptação de Hemingway criou. Este foi “Saratoga”, segundo a obra de Edna Ferber, com realização do mesmo Sam Wood, e com os mesmos protagonistas – Gary Cooper e Ingrid Bergman – como o par que se encontra num momento de adversidade, e vai deixar que o amor os una contra tudo e todos. A diferença era que, agora, era a personagem feminina a ditar o rumo da história.
E essa personagem é Clio Dulaine (Ingrid Bergman), que volta a Nova Orleães com os criados Angelique Buiton (Flora Robson) e Cupidon (Jerry Austin), para tomar posse da casa que herdou, e de certo modo vingar a imagem da mãe, que fora corrida da cidade por ter uma relação com o patriarca dos Dulaine, os quais ainda dominam a cidade. A chegada de Clio, que usa de todos os meios para se fazer notar, é mal recebida, o que a diverte, tanto quanto encontrar na figura do cowboy texano, Coronel Clint Maroon (Gary Cooper), o homem rico e respeitável com quem casar. Só que este não mostra ser rico, nem aceita as motivações de Clio, e após um breve namoro, ele deixa-a para tratar de negócios em Saratoga. Desiludida, Clio aceita uma proposta dos Dulaine para deixar a cidade, e vai ela também para Saratoga, onde congemina para atrair a atenção do milionário solteirão Bartholomew Van Steed (John Warburton). Em Saratoga, Clio reencontra também Maroon, que vai criticando as opções dela, ao mesmo tempo que prepara a sua própria vingança, ao lado de Van Steed, contra os capitalistas do caminho-de-ferro. O resultado é um ataque às linhas de ferro, comandado pelo próprio Maroon, durante o qual Clio percebe que é a ele que ama, esquecendo quaisquer projectos de riqueza ou de orgulho pessoal.
Parece quase estranho que “Por Quem os Sinos Dobram” e “Saratoga” sejam produtos da mesma casa, equipa de realização e actores, dada a disparidade em termos de qualidade, importância, e mesmo da forma como um e outro filme se levam a sério. Onde o primeiro é sério, pesado, com um papel político incisivo (mesmo que Sam Wood o tivesse aguado), o segundo – tendo o seu lado político na questão das riquezas acumuladas na corrupção da corrida pelos caminhos-de-ferro (o “Trunk” do título refere-se à palavra usada para troço de caminho-de-ferro) – é leve, e sempre a piscar o olho à comédia, com diversos momentos de quase slapstick – geralmente envolvendo o anão Jerry Austin – não procurando ser mais que uma pequena sátira de costumes, com um lado de comédia romântica. Afinal temos dois protagonistas que colidem constantemente, até perceberem que não têm alternativa senão ficarem juntos.
Reportando-se a tempos idos, o filme é também toldado por uma atmosfera muito retrógrada aos olhos de hoje, e que já parecia fora de tempo num mundo que saía da Segunda Guerra Mundial. Afinal veja-se: temos o elogio da sociedade antiga e patriarcal (subliminarmente esclavagista) de Nova Orleães, feita de uma aristocracia crioula, descendente do colonialismo franco-hispânico, e inspirada numa certa superioridade parisiense; temos a relação de Clio com os empregados (eles próprios submissos como escravos); temos o todo-poderoso coronel sulista, que faz com que este seja certamente o filme em que mais vezes se diz «where I come from» (de onde eu venho), num elogio ao tradicionalismo ancestral; temos a infame presença de Flora Robson como negra de cara pintada, uma prática então já caída em desuso e associada ao racismo de outros tempos; temos, por fim, a conclusão, na qual Clio grita a plenos pulmões que nunca mais desafiará Clint, tornando-se submissa (e sua propriedade).
Neste contexto, a chegada de Clio a Nova Orleães é um verdadeiro furacão. Não só pelo desafiar do status quo – nunca chegamos a saber explicitamente que reputação a sua mãe ganhou, mas suspeitamos que esta não fosse nada agradável –, como pela própria Ingrid Bergman, nunca vista com tal energia e capacidade de transfiguração: de ingénua maquinadora, a engenhosa manipuladora, de alegre e quase alienada figura de carisma de fora deste mundo, a personagem trágica vulnerável, tocada por uma dor incontornável. Esse furacão Clio (ou furacão Ingrid) é a força do filme, mesmo que por vezes levado ao exagero, numa realização que não sabe manter o equilíbrio, deixando que os personagens se caricaturizem e as situações – por exemplo a luta surda das velhas senhoras (Florence Bates e Ethel Griffies) – sejam pouco mais que anedóticas.
Exemplos desse desequilíbrio são toda a sequência política, que surge quase como um outro filme, e a conclusão apressada, onde tudo fica bem, sem explicações, só porque tem que acabar bem. De resto, servido por boas interpretações, um humor para toda a família, e cenários em interiores bem cuidados e de belo efeito, “Saratoga” mantém-se como um exemplo cabal do que era o studio system de Hollywood.
Graças à popularidade dos protagonistas, e mesmo que, com a necessidade de dar ênfase a filmes de guerra, “Saratoga” tenha sido posto na gaveta até 1945, o filme foi um sucesso. Curiosamente, embora controverso, o papel de Flora Robson valeu-lhe uma nomeação aos Oscars, ela que ficara conhecida como a rainha Elizabeth de “O Gavião dos Mares” (The Sea Hawk, 1940), protagonizado por Errol Flynn, o qual fora primeira aposta (com Olivia de Havilland) de Jack Warner para este filme. O filme conta ainda com algumas sequências filmadas por Don Siegel, após desentendimento entre Sam Wood e o produtor Hal B. Wallis.
Produção:
Título original: Saratoga Trunk; Produção: Warner Bros.; Produtor Executivo: Jack L. Warner; País: EUA; Ano: 1945; Duração: 135 minutos; Distribuição: Warner Bros.; Estreia: 21 de Novembro de 1945 (EUA), 11 de Março de 1946 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Sam Wood; Produção: Hal B. Wallis; Argumento: Casey Robinson [a partir do romance homónimo de Edna Ferber]; Música: Max Steiner, William Lava (música adicional) [não creditado]; Orquestração: Bernhard Kaun; Direcção Musical: Leo F. Forbstein; Fotografia: Ernest Haller [preto e branco]; Montagem: Ralph Dawson; Design de Produção: Joseph St. Amand; Direcção Artística: Carl Jules Weyl; Cenários: Fred M. MacLean; Figurinos: Leah Rhodes; Caracterização: Perc Westmore; Efeitos Especiais: ; Efeitos Visuais: ; Direcção de Produção: Lonnie D’Orsa[não creditado].
Elenco:
Gary Cooper (Coronel Clint Maroon), Ingrid Bergman (Clio Dulaine), Flora Robson (Angelique Buiton), Jerry Austin (Cupidon), John Warburton (Bartholomew Van Steed), Florence Bates (Sophie Bellop), Curt Bois (Augustin Haussy), John Abbott (Roscoe Bean), Ethel Griffies (Clarissa Van Steed), Marla Shelton (Mrs. Porcelain), Helen Freeman (Mrs. Nicholas Dulaine), Sophie Huxley (Charlotte Dulaine), Fred Essler (Monsieur Begue), Louis Payne (Raymond Soule), Sarah Edwards (Miss Diggs), Adrienne D’Ambricourt (Avó Dulaine), Jacqueline deWit (Guilia Forosini).