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Angela Schmid, Christa Berndl, Cinema, Cinema alemão, Clare Boothe Luce, Comédia, Eva Mattes, Gisela Uhlen, Margit Carstensen, Novo cinema alemão, Rainer Werner Fassbinder, Teatro filmado
Em Nova Iorque, na década de 1930, um grupo de mulheres ociosas, casadas com homens ricos, encontram-se, em torno da líder Sylvia Fowler (Margrit Carstensen), em vários espaços da alta sociedade. Aí vão conversando sobre as suas vidas, e comentando as das amigas, falando das traições dos seus maridos, como quem joga um jogo que pouco tem de emocional. Aparentemente distante desse comportamento está Mary Haines (Christa Berndl), que vem entretanto a descobrir que também ela é traída pelo marido. O filme, em jeito de teatro filmado, adapta a peça “The Women”, de Clare Boothe Luce, levada à cena pela companhia de teatro de Rainer Werner Fassbinder.
Análise:
Voltando a trabalhar no contexto televisivo, Fassbinder adaptou a peça de 1936 de Clare Boothe Luce “The Women”, já anteriormente passada ao cinema por George Cukor – um autor admirado por Fassbinder – no filme “Mulheres” (The Women, 1939). Desta vez, Fassbinder, trabalhando com um elenco exclusivamente feminino, como na peça, e usando várias das actrizes que o acompanhavam há anos, restringia-se a um cenário quase único, onde, com algumas variações de ângulo e adereços, mantinha uma lógica de palco, numa estrutura espacial bem fechada, que é na verdade um teatro filmado, com a sua companhia Hamburger Staatstheater, a qual já levara a peça aos palcos, exactamente com o mesmo elenco e cenografia.
O destaque vai para Sylvia Fowler (Margrit Carstensen), a personagem dominante, pelo seu magnetismo e carisma, enquanto Mary Haines (Christa Berndl) parece ser a outsider, de quem mais se fala, e ainda com caminho a percorrer para se sentir uma das mulheres deste grupo. Casada, feliz e com dois filhos, é admirada pelas outras até perceber que como elas, também é traída pelo marido. As conversas passam pelos maridos de cada uma, as traições (quer em sua casa, quer nas casas das outras), mas ao mesmo tempo pelo elogio do conforto sentido em tais casamentos, que são descritos quase em competição. Os homens são muitas vezes o centro das conversas, e as atitudes descritas são as catalisadoras do argumento de cena para cena, sem que, no entanto alguma vez um deles esteja presente.
Centrando-se no mundo feminino, como tantas vezes antes, Fassbinder olha para a Nova Iorque dos anos 1930 (note-se como o filme começa com um plano de um quadro de Edward Hopper) para nos trazer um conjunto de mulheres de alta sociedade, nos seus diálogos fúteis de amigas e confidentes, muitas vezes de dupla face, não hesitando em trair ou mentir nas costas daquela a que se fala bem pela frente. Neste mundo, a traição é uma espécie de acordo tácito, tal como é aconselhado a Mary Haines, a qual, pelos padrões das suas pares, deve achar a traição do marido normal, fingir que não é nada e continuar. Só que Mary é diferente, e quer lutar por uma relação sincera, nem que, no processo, tenha que a perder para uma mulher mais nova (Barbara Sukowa).
Com cenários de palco, e por isso mesmo algo irreais, “Women in New York” nunca esconde a sua faceta de teatro filmado, com interpretações estilizadas, nos habituais exageros enfáticos de Fassbinder. Nesse palco, a câmara de Michael Ballhaus move-se procurando destacar personagens, e usando a mobília para definir enquadramentos, muitas vezes espreitando de trás de uma planta, de vidros, ou de outro adereço. Cada cena é filmada em longos planos-sequência sem cortes, nos quais os diálogos se dão a ritmo acelerado, atropelando-se quase numa competição de quem diz o quê, que espelha o modo competitivo como as várias mulheres esgrimem elogios, invejas, histórias ou sonhos, muitas vezes quase ao mesmo tempo.
Mais uma vez, e desta vez sem mostrar homens, Fassbinder espeta uma farpa no mundo patriarcal, onde as mulheres são seus objectos, mesmo se são elas a preservar esse status quo. As mulheres do filme são satirizadas, pela classe social, e pelo obedecer a essa mesma sociedade que não contestam, mas da qual precisam, ficando um leve piscar de olhos de simpatia pelas classes baixas, na pessoa das várias empregadas que surgem em cena. Com essa premissa, e todas as limitações auto-impostas (o elenco feminino onde várias actrizes desempenham mais que um papel, os espaços estilizados), Fassbinder compõe um filme que no seu tom é cómico, como uma sátira de costumes e pensamentos, a qual constitui, no entanto, um filme algo difícil de acompanhar, dada a cacofonia de diálogos que preenche cada segundo.
Produção:
Título original: Frauen in New York; Produção: Norddeutscher Rundfunk (NDR); País: República Federal Alemã (RFA); Ano: 1977; Duração: 111 minutos; Estreia: 21 de Junho de 1977 (RFA).
Equipa técnica:
Realização: Rainer Werner Fassbinder; Produção: Dieter Meichsner; Argumento: Nora Gray [por tradução da peça de Clare Boothe Luce]; Música: Peer Raben; Fotografia: Michael Ballhaus [cor por Eastmancolor]; Montagem: Wolfgang Kerhutt; Design de Produção: Rolf Glittenberg; Direcção Artística: ; Cenários: ; Figurinos: Friada Parmeggiani [não creditada]. Caracterização: Lena Lenkeit, Herbert Lenkeit.
Elenco:
Eva Mattes (Edith Potter), Angela Schmid (Nancy Blake / Princesa Tamara / Miss Trimmerback), Margit Carstensen (Sylvia Fowler), Christa Berndl (Mary Haines), Gisela Uhlen (Mrs Moorehead / Condessa de Lage), Irm Hermann (Olga, a Manicure / Miriam), Anne-Marie Kuster (Peggy Day), Barbara Sukowa (Crystal Allen), Heide Grübl (Jane / Professora de Ginástica / Rapariga Desesperada), Doris Schade (Doris), Andrea Grosske (Miss Fordyce, a Perceptora / Luca, a Mulher da Limpeza / Maggie, a Cozinheira / Uma Viúva).