Etiquetas
Artes Marciais, Chang Chen, Cinema, Cinema chinês, Drama, Filme de época, Hong Kong, Song Hye-Kyo, Tony Leung, Wang Qingxiang, Wong Kar-wai, Wuxia, Zhang Jin, Zhang Ziyi
Na década de 1930, Ip Man (Tony Leung), Mestre de Wing Chun de Foshan, no sul da China, é prestigiado com a honra de ser o sucessor do Grande Mestre Gong Yutian (Wang Qingxiang) para o sul do país, o qual nomeara Ma San (Zhang Jin) seu herdeiro no Norte. Quem não concorda é Gong Er (Zhang Ziyi), a filha de Gong Yutian, que não quer a herança do pai dividida, nem acredita que os sucessores lhe estejam à altura. A invasão japonesa e a Segunda Guerra Mundial vão levar ao desaparecimento de muitas escolas, com Ip Man a mudar-se para Hong Kong, e Gong Er a jurar matar Ma San depois de este lhe matar o pai.
Análise:
Não conotado com os filmes épicos, quer de super-produções históricas, de acção ou de artes marciais, Wong Kar-wai – realizador de Hong Kong, nascido em Xangai – surpreendeu em 2013 pela escolha do tema e género do seu novo filme, uma espécie de biopic do lendário Grande Mestre de Wing Chun, que ficou conhecido por Ip Man, famoso por ter sido o mestre de Bruce Lee, e motivo de vários filmes de artes marciais anteriores. Co-produção entre a China e Hong Kong, “O Grande Mestre” (no original o título significa “Mestre ancestral de uma geração”) seria uma super-produção que reuniria uma equipa multinacional, que levaria dez anos a planear e um a editar.
Com uma narrativa não linear, o filme mostra-nos a vida do mestre de Wing Chun, Ip Man (Tony Leung), na sua natal Foshan. Passando por um breve olhar para quando se tornou discípulo de Chan Wah-shun, até ao casamento e constituição de família com Cheung Wing-sing, chegamos a 1936, período de prosperidade, e ao momento em que o Mestre Gong Yutian (Wang Qingxiang) decidiu retirar-se de Grende Mestre de Artes Marciais, nomeando seu herdeiro no Norte Ma San (Zhang Jin), e procurando um herdeiro no Sul, e os mestres locais decidem que deve ser Ip Man a lutar pelo lugar. Essa luta acaba por ser um debate filosófico, no qual o Mestre declara Ip Man seu sucessor, contra a vontade da filha Gong Er (Zhang Ziyi), a qual desafia Ip Man a um combate no qual ele perderá se algo for quebrado. Ip Man perde ao quebrar um degrau, o que faz ao salvar Gong Er de morrer numa queda, levando a uma amizade entre os dois. Em 1938, a China cai nas mãos dos japoneses, levando a família de Ip Man à fome e perda de duas filhas. No Norte, Ma San, colaborador dos japoneses, mata o Mestre Gong Yutian, e a filha deste, Gong Er, jura vingança, contra os conselhos de todos, prometendo nunca ensinar, casar ou ter filhos até o conseguir.
Ip Man muda-se finalmente para Hong Kong, livre da guerra, e procura ganhar reputação ensinando, tendo para isso que derrotar sucessivos mestres de artes marciais. Em 1950, Ip Man e Gong Er voltam a encontrar-se, com ele a convidá-la para juntarem as suas artes em honra da herança de Gong Yutian. Gong Er recusa e, em flashback, vemos como em 1940 ela defrontou e matou Ma San, mas perdendo parte da sua saúde no combate. Os dois voltam a encontrar-se em 1952, com Gong Er a confessar que sempre teve sentimentos por ele, morrendo de seguida, com a saúde debilitada desde a luta com Ma San e pelo abuso de ópio que se seguiu. Ip Man faz crescer a sua escola e ganha reputação mundial como mestre de Wing Chun, até à sua morte em 1972.
Iniciando o filme com um icónico combate à chuva entre Ip Man e um bando de atacantes, Wong Kar-Wai diz-nos imediatamente ao que vem: um filme onde a fotografia é excelente, a coreografia magistral, e todas as sequências são pensadas de modo a intensificar esse bailado visual que é a estética que definirá “O Grande Mestre”. E, tal como a personagem de Tony Leung – calmo, seguro de si, e vivendo sempre uma certa nostalgia –, o filme de Wong avança, pé ante pé, em direcção aos seus propósitos, sem descurar a narrativa e, principalmente, as ideias, tão entranhadas na filosofia chinesa das artes marciais, e aqui metáfora para a evolução da China nos últimos cento e poucos anos.
Tal nota-se nas frases iniciais, com Ip Man descrevendo o King Fu como o equilíbrio Vertical-Horizontal. Vemo-lo ainda mais determinantemente quando é um combate de ideias de partilha filosófica que leva Gong Yutian a nomear Ip Man seu sucessor no Sul, do mesmo modo que é por esse desencontro filosófico que o mestre retira apoio a Ma San. Por fim, talvez o exemplo mais cabal da subtileza que as artes marciais chinesas procuram esteja no lindíssimo combate entre Ip Man e Gong Er (Zhang Ziyi sempre sublime na sua graciosidade e olhar impenetrável quase além mundo), no qual, para exacerbar a precisão do Kung Fu será declarado perdedor aquele que partir a primeira peça de mobiliário dentro da casa onde lutam.
Com uma série de inserções de imagens de arquivo para pontuar momentos de transição da história da China durante o século XX, “O Grande Mestre” ganha também essa componente histórica, onde a luta pela herança das artes marciais é, acima de tudo, a luta pela herança cultural chinesa, contra todas as formas de decadência, adulteração ou inimigo externo. Há como que um piscar de olhos ao Ocidente, lembrando-nos que esse actor tão importante (e apreciado entre nós) no cinema de acção de há umas décadas – Bruce Lee – teve uma origem, ela foi na China, e liga-se às peripécias da cultura chinesa, mesmo quando esta foi pisada e humilhada.
Mas, para além da história, das artes marciais, e da beleza estética de cada plano, cada cenário e cada opção de movimento, filmadas sempre num tom sépia, o qual remete, ele próprio, para tempos antigos, “O Grande Mestre” é ainda uma história de amor, no mesmo sentido em que “O Tigre E o Dragão” (Wo hu cang long, 2000), de Ang Lee, o fora. Tal como naquele filme, é a dedicação à arte marcial, e através dela à cultura e respeito pela ancestralidade, que marca e limita as personagens, como aquilo que está acima das muito mais rasteiras necessidades sentimentais. Isso é expresso na relação entre Ip Man e Gong Er, traçada sempre através das artes marciais – não só os seus encontros, mas mesmo a forma como se aprendem a conhecer e respeitar, são lutas, ou troca de ideias sobre o que fazer com a arte ancestral –, e que esconde (propositadamente) muito mais, como as confissões à hora da morte confirmam.
Talvez por essa razão, “O Grande Mestre” parece ficar sempre a meio de algo, nunca sendo um filme histórico ou um romance impossível, situando-se apenas no reino das biopics com tudo o que estas podem ter de limitador, com Wong a usar o filme como um desafio estético, que chega a parecer forçado, de tanta perfeição que dele transparece. Ainda assim, o filme acabaria prestigiado em vários festivais internacionais, incluindo os Oscars, onde foi nomeado nas categorias de Melhor Fotografia e Melhor Guarda-roupa
No interregno entre o início do projecto de Wong Kar-Wai e a sua conclusão surgiram os célebres filmes “Yip Man” (Ip Man, 2008) e “Yip Man 2” (Ip Man 2, 2010), que seriam depois seguidos de “Yip Man 3” (Ip Man 3, 2015), estando ainda previsto um “Ip Man 4” para breve. Todos eles contam com realização de Wilson Yip, guião de Edmond Wong, e são protagonizados Donnie Yen.
Produção:
Título original: Yi dai zong shi/一代宗師 [Título inglês: The Grandmaster]; Produção: Block 2 Pictures / Jet Tone Films / Sil-Metropole Organisation / Bona International Film Group; Produtor Executivo: ; País: China / Hong Kong; Ano: 2013; Duração: 130 minutos; Distribuição: Annapurna Pictures (EUA); Estreia: 8 de Janeiro de 2013 (China), 12 de Dezembro de 2013 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Wong Kar-Wai; Produção: Ng See-yuen, Megan Ellison, Wong Kar-wai; Co-Produção: ; Argumento: Wong Kar-Wai, Zou Jingzhi, Xu Haofeng (baseado numa história de Wong Kar-Wai); Música: Stefano Lentini, Nathaniel Méchaly, Shigeru Umebayashi; Orquestração: Lionel Privat; Fotografia: Philippe Le Sourd [fotografia digital]; Montagem: William Chang, Poon Hung Yiu; Design de Produção: William Chang, Alfred Yau; Direcção Artística: Tony Au, William Chang, Chris Wong, Alfred Yau; Cenários: ; Figurinos: William Chang, Lui Fung-San; Caracterização: Kwan Lee Na; Efeitos Visuais: ; Direcção de Produção: Wendy Chan, Hung Kai Sui, Liu Bin (Nordeste da China) .
Elenco:
Tony Chiu-Wai Leung (Ip Man), Zhang Ziyi (Gong Er), Song Hye-Kyo (Zhang Yongcheng), Chang Chen (Lâmina), Zhao Benshan (Ding Lianshan), Wang Qingxiang (Mestre Gong Yutian), Zhang Jin (Ma San), Yuen Woo-Ping (Chan Wah-shun), Xiao Shenyang (San Jiang Shui), Cung Le (Sapatos de Ferro), Shang Tielong (Jiang), Lo Hoi-Pang (Tio Deng), Lau Kar-Yung [como Chia Yung Liu] (Mestre Yong), Lau Shun (Mestre Rui), Zhou Xiaofei (Irmã San),
Chin Shih-chieh (Ancião do clã Gong), Wang Jue (Ancião do clã Gong), Elvis Tsui [como Jinjiang Xu] (Senhor Hung), Chau Yee Tsang (Baixinho), Mancheng Wang (Mestre Ba), Ting Yip Yip Ng (Irmão Sau), Man Keung Cho (Cho Man), Tony Ling (Artista Marcial de Foshan), Kai-Shui Hung (Irmão Shui), Darren Leung (Irmão Hung), Meng Lo (Espírito Negro), Huiwen Li (Cantora da Casa de Chá), Chunxiong Yin (Discípulo de Lâmina), Han Tong (Líder da Procissão Funerária), Ni Haifeng (Discípulo de Ma San), Shilin Xiao (Cantor de A Dream of Love), Gen Peng (Rapaz no Union Hall), Yixuan Wu (Gong Er com 8 anos).