Hans Epp (Hans Hirschmüller) é um vendedor ambulante de fruta. Frustrado por uma vida que não escolheu, controlado pela ciumenta Irmgard (Irm Hermann), Hans bebe para esquecer como ali chegou, e numa noite de excessos espanca a mulher a ponto de esta se refugiar em casa da família para pedir o divórcio. Na comoção que se segue, Hans tem um enfarte e vai para o hospital. Recuperado Hans, o casal tenta novamente, agora contratando funcionários para expandir o negócio. Só que, se o negócio da fruta vai de vento em popa e o dinheiro começa a entrar, Hans volta a cair em depressão pelas frustrações que sente e pelo modo que é olhado por todos.
Análise:
Produzido pela Tango Films, “O Mercador das Quatro Estações” (termo francês usado para designar os vendedores ambulantes de fruta) era, até então, um dos filmes mais convencionais de Rainer Werner Fassbinder – em que fez inclusivamente uso dos flashbacks –, numa história simples de um vendedor de fruta, e do modo como este é olhado por uma sociedade que não se compadece de quem não tem uma vida triunfante.
O protagonista é Hans Epp (Hans Hirschmüller), que vai de rua em rua apregoando a sua fruta, gastando o que ganha em bebida para esquecer a sua vida. Vemo-lo senro controlado pela mulher ciumenta, Irmgard (Irm Hermann), o que ajuda a que ele perca as estribeiras e, numa noite, a espanque à frente da filha pequena (Andrea Schober). Irmgard refugia-se junto da família de Hans, para pedir o divórcio, e este, na comoção tem um enfarte, e vai para o hospital. Irmgard compadece-se e ambos dão segunda oportunidade ao matrimónio, decidindo contratar alguém para os ajudar. Só que a primeira escolha recai sobre Anzell (Karl Scheydt), com quem Irmgard tivera uma aventura na noite do acidente de Hans, e esta congemina para Anzell ser despedido. O segundo contratado é Harry (Klaus Löwitsch), um velho amigo de Hans dos tempos da Legião Estrangeira, e tudo parece ir bem, só que Hans volta a cair em depressão, acabando por beber até morrer.
História triste, alegoria de diferenças sociais, estudo de personalidade num contexto de insatisfação perante uma sociedade que não o aceita, “O Mercador das Quatro Estações” tem sido apelidado um pouco de tudo isso, havendo até quem nele veja uma alegoria à situação da Alemanha do pós-guerra, que tal como o protagonista Hans, se envergonharia do seu passado, não conseguindo fazer jus às esperanças que nela se depositava. Seja como for que queiramos ler o filme de Fassbinder, a primeira coisa que nos salta à vista é a acessibilidade da história, talvez uma das mais lineares por ele filmadas, deixando completamente para trás o experimentalismo ainda presente nos filmes mais recentes. Em “O Mercador das Quatro Estações” temos a história simples de Hans, que acompanhamos em vários estágios, com recurso a flashbacks que melhor nos situam no contexto do que é a vida do protagonista e como aí chegou.
Em flashbacks, vemos episódios com o seu regresso da Legião Estrangeira (para onde fugira em rebeldia contra o domínio materno), para ser mal recebido pela mãe (Gusti Kreissl), que lamenta que ele não tenha morrido lá. Vemos os maus tratos traumatizantes sofridos nessa experiência militar, vemos como a mãe recusara que ele tivesse aprendido o ofício de mecânico, e vemos como o amor da sua vida (Ingrid Caven) o recusou por vergonha de o apresentar à família. Queimadas oportunidades, Hans é agora um vendedor de fruta, casado com Irmgard, e com uma filha pequena, mas sente-se frustrado. Ttal leva o casamento ao colapso e Hans ao hospital. Refeitos do susto, tudo parece melhorar, e a própria família o passa a elogiar, pois agora não é só um vendedor ambulante, mas um empresário. Só que o elogio destes é a prova da vergonha que sentiam antes, como bem o vinca a única pessoa que o aceita como é, a irmã Anna (Hanna Schygulla) – a mesma que repete à sobrinha que o pai nunca foi bem tratado.
Por isso, mesmo triunfando no negócio, Hans está cada vez mais ausente, quer da mulher, quer da filha, quer dos familiares. Achando-se falhado, para si a vida é um acumular de frustrações e incompreensões, sentindo que se perdeu no caminho, que nunca cumpriu os seus sonhos, nem os de ninguém, acabando por ser humilhado por todos, envergonhando quem o deveria amar. A extrema desilusão leva-o a uma espécie de suicídio, ao beber contra indicação médica, acabando por morrer.
O próprio final, no cemitério, onde Irmgard convidou o amor da vida de Hans (a qual antes o convidara para a sua cama, para ver que ele não conseguia já encontrar motivação), é prova desse «sem futuro» que parece ser o mundo visto por Fassbinder. O futuro está lá, claro, mas é apenas um acumular de dias, sem rumo definido ou vontade de o definir. Por isso, Irmgard acaba por se juntar com Harry, o amigo de Hans, não porque estes se amem, mas simplesmente porque é o melhor – na prova de que a vida é apenas um seguir de conveniências, sem ponta de paixão.
Dito de outro modo, “O Mercador das Quatro Estações” é a história de um homem que sucumbe sob o peso da sociedade, da família, das expectativas e das suas próprias ilusões nunca concretizadas – isto é, um retrato desapaixonado de uma depressão. O filme conta com interpretações de Hans Hirschmüller e Irm Hermann que repetem o padrão de Fassbinder de fugir às emoções na sua voz, ou a um excesso de dramatização, deixando-as nos longos olhares, muitas vezes filmados em close-up, onde o carácter de cada um se vai insinuando nos episódios que os moldam, mais que nas suas acções.
Este foi também o primeiro filme de Fassbinder a chamar a atenção internacionalmente, preparando-o para o sucesso em termos de crítica que se seguiria.
Produção:
Título original: Händler der vier Jahreszeiten; Produção: Tango Film; País: República Federal Alemã (RFA); Ano: 1972; Duração: 85 minutos; Distribuição: Filmverlag der Autoren (RFA), Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) (TV – RFA); Estreia: 10 de Fevereiro de 1972 (França).
Equipa técnica:
Realização: Rainer Werner Fassbinder; Argumento: Rainer Werner Fassbinder; Fotografia: Dietrich Lohmann; Montagem: Thea Eymèsz; Design de Produção: Kurt Raab; Direcção Artística: ; Cenários: ; Figurinos: Kurt Raab [não creditado], Uta Wilhelm [não creditada]; Direcção de Produção: Ingrid Caven [como Ingrid Fassbinder].
Elenco:
Hans Hirschmüller (Hans Epp, Marido), Irm Hermann (Irmgard Epp, Mulher), Hanna Schygulla (Anna Epp, Irmã Solteira de Hans), Klaus Löwitsch (Harry Radek, Segundo Vendedor), Karl Scheydt (Anzell, Amante de Irmgard), Andrea Schober (Renate Epp, Filha de Hans), Gusti Kreissl (Mãe Epp), Ingrid Caven (Grande Amor de Hans), Kurt Raab (Kurt, Marido de Heide), Heide Simon (Heide, Irmã Casada de Hans), Peter Chatel (Dr. Harlach), Elga Sorbas (Marile, A Prostituta), Lilo Pempeit (Cliente), Walter Sedlmayr (Vendedor do Carro de Fruta), El Hedi Hedi ben Salem [como Salem El Heïdi] (O Árabe), Marian Seidowsky, Daniel Schmid (Primeiro Candidato), Michael Fengler (Playboy), Hark Bohm (Chefe da Polícia), Harry Baer (Segundo Candidato), Rainer Werner Fassbinder (Zucker, Amigo de Hans [não creditado], Peter Gauhe (Dobragem de Voz de Kurt) [não creditado].