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Alberto Sordi, Cinema, Cinema italiano, Comédia, Guerra, Mario Monicelli, Primeira Guerra Mundial, Silvana Mangano, Vittorio Gassman
Na Itália de 1916, o romano Oreste Jacovacci (Alberto Sordi) e o milanês Giovanni Busacca (Vittorio Gassman) são dois jovens recrutas à força, levados a combater na Primeira Guerra Mundial. De personalidades distintas e em constante conflito um com o outro, Oreste e Giovanni encontram como ponto comum a vontade de fugir da guerra, usando todas as desculpas para dar voz à sua preguiça e cobardia. Enquanto à sua volta a guerra se intensifica, e muitos dos seus companheiros vão morrendo de forma atroz, Oreste e Giovanni vão procurando as missões menos perigosas, e alongando ao máximo as licenças, durante uma das quais, Giovanni se interessa pela bela prostituta Costantina (Silvana Mangano).
Análise:
Conhecido como um dos grandes mestres da chamada commedia all’italiana, e seis vezes nomeado aos Oscars, Mario Monicelli era, acima de tudo, um autor de uma sensibilidade reconhecida. Isso é notório no filme que dedicou à Primeira Guerra Mundial, com produção de Dino De Laurentiis, e um tom trágico-cómico ao mesmo tempo incisivo e inocente, mercê das interpretações inesquecíveis de Alberto Sordi e Vittorio Gassman.
O filme conta-nos a história do romano Oreste Jacovacci (Alberto Sordi) e do milanês Giovanni Busacca (Vittorio Gassman), que se conhecem no recrutamento para a Primeira Guerra Mundial, quando o segundo paga ao primeiro para que este o declare inapto, coisa que ele não fará. Cumprida a recruta e recebida a ordem de mobilização, quer o destino que Oreste e Giovanni sejam reunidos na mesma companhia, ficando logo amigos, uma vez perdoado o episódio anterior. O que os une é o cinismo, a preguiça, e falta de empenho numa guerra que nada lhes diz. A partir de então Oreste e Giovanni – considerados os mais incapazes soldados da companhia – voluntariam-se para todas as missões que os retirem da frente de batalha, e arranjam todas as desculpas para retardar o seu regresso, mesmo com algumas tentativas de deserção pelo meio. Por entre licenças, Giovanni conhece a prostituta Costantina (Silvana Mangano), com quem tem uma relação atribulada feita de gritaria e alguma ternura não confessada. Mas de regresso à batalha, e mais uma vez voluntariando-se como estafetas, Oreste e Giovanni pernoitam onde não devem, não sabendo que durante a noite o local onde estão muda de mãos. Apanhados pelos austríacos são considerados espiões e fuzilados por não quererem revelar planos de uma ponte flutuante.
Geralmente conotado com a comédia, Mario Monicelli apresentou-nos em “A Grande Guerra” um filme algo complexo no seu tom. Com o tema da Primeira Guerra Mundial, descrevendo-nos situações amargas, mostrando a tragédia da guerra, e cheio de episódios tristes – das mortes dos camaradas à história de Costantina (Silvana Mangano), uma prostituta, com um filho por criar –, “A Grande Guerra” não deixa de ter uma componente cómica, expressa nas desventuras e atitudes dos dois protagonistas, vulgares trapalhões, eternamente azarados, em problemas que não escolhem nem compreendem, e tão mais enredados neles quanto lhes tentam escapar.
Cobardes, preguiçosos, irresponsáveis e incompetentes, Oreste (medricas e preguiçoso) e Giovanni (cínico e chico-esperto) são o centro de uma série de episódios trágico-cómicos que parecem trazer um tom mais ligeiro a uma guerra que, nas entrelinhas, vemos ser terrífica com mortes, sofrimento nas trincheiras, investidas suicidas, explosões e um enorme cansaço e privação. Sem um enredo que não seja mostrar-nos situações onde o par de protagonistas se desenvencilha como pode (desde o gozo a um tenente chamado Galinha, às dificuldades para obter a requisição de duas vassouras), “A Grande Guerra” tem um carácter episódico, que não escamoteia as sequências de batalha e destruição. Talvez por isso, a constante fuga para uma sanidade onde a diversão e boa disposição reinem seja ainda mais comovente, e talvez por isso o reencontro inesperado de Giovanni e Costantina, que sabem poder vir a ser o último, seja algo comovente, pelo seu lado simplesmente inocente. Com capítulos intercalados por linhas de canções de guerra, cantadas em fundo pelos soldados (e cuja letra cai sempre com tremenda ironia), o filme é também o retrato de um país que está numa guerra que nada lhe diz, e por isso a vive contrafeito, pensando nos escapes, nas situações do quotidiano, pequenos prazeres (da comida às anedotas) e memórias de tempos idílicos, como se assim pudesse escapar ao pesadelo.
E, como é apanágio de uma comédia trágica, a ironia desempenha um papel fundamental, senão vejamos o último capítulo da história de Oreste e Giovanni: É quando pedem uma missão longe da frente que se colocam em perigo. É ao decidirem pernoitar em vez de voltarem para a batalha que ficam em território inimigo, e é quando, pela primeira vez, são heróicos (não revelando onde fica a ponte), que morrem. Como se não bastasse, a posição é tomada pelos seus, minutos depois, e estes ao verem os seus corpos, riem-se deles como os cobardes que sempre foram, comentando jocosamente «até deste ataque eles escaparam».
Acima de tudo, “A Grande Guerra” é uma lição de Sordi e Gassman, com interpretações divertidíssimas e diálogos inesquecíveis, numa química insuperável que contagiou a Itália e muitos outros países. O filme, que contava com colaboradores habituais de Fellini, como o compositor Nino Rota e o director de fotografia Giuseppe Rotunno, venceria mesmo o Leão de Ouro em Veneza.
Produção:
Título original: La Grande Guerra; Produção: Dino de Laurentiis Cinematografica / Gray-Film; Produtores Executivos: ; País: Itália / França; Ano: 1959; Duração: 132 minutos; Distribuição: Euro International Film (EIA) (Itália); Estreia: 5 de Setembro de 1959 (Festival de Veneza, Itália), 27 de Outubro de 1959 (Turim, Itália), 26 de Abril de 1961 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Mario Monicelli; Produção: Dino De Laurentiis; Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Luciano Vincenzoni, Mario Monicelli; Diálogos: Age-Scarpelli (Agenore Incrocci, Furio Scarpelli; Música: Nino Rota; Direcção Musical: Franco Ferrara; Fotografia: Giuseppe Rotunno, Roberto Gerardi, Leonida Barboni [não creditado], Giuseppe Serrandi [não creditado] [preto e branco, filmado em Cinemascope]; Montagem: Adriana Novelli; Design de Produção: Mario Garbuglia; Figurinos: Danilo Donati, Piero Gherardi (Silvana Mangano); Caracterização: Romolo de Martino, Rino Carboni; Efeitos Especiais: Gatti, Serse Urbisaglia; Direcção de Produção: Luigi De Laurentiis, Alfredo De Laurentiis, Giorgio Adriani.
Elenco:
Alberto Sordi (Oreste Jacovacci), Vittorio Gassman (Giovanni Busacca), Bernard Blier (Capitão Castelli), Folco Lulli (Bordin), Vittorio Sanipoli (Major Venturi), Romolo Valli (Tenente Gallina), Mario Valdemarin (Subtenente Lorenzi), Nicola Arigliano (Giardino), Livio Lorenzon (Sergento Barriferri), Tiberio Mitri (Mandich), Carlo D’Angelo (Capitão Ferri), Tiberio Murgia (Rosario Nicotra), Marcello Giorda (General), Achille Compagnoni (Capelão), Geronimo Meynier (Mensageiro), Elsa Vazzoler (Esposa de Bordin), Ferruccio Amendola (De Concini), Guido Celano (Major Italiano), Luigi Fainelli (Giacomazzi),Gérard Herter (Capitão Austríaco), Silvana Mangano (Costantina), Ferruccio Amendola (dobragem de voz de Gérard Herter) [não creditado], Mario Colli (dobragem de voz de Achille Compagnoni) [não creditado], Riccardo Cucciolla (dobragem de voz de Nicola Arigliano) [não creditado], Nino Del Fabbro (dobragem de voz de Bernard Blier) [não creditado], Turi Ferro (dobragem de voz de Tiberio Murgia) [não creditado].