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Adolphe Menjou, Cinema, Drama, George Macready, Guerra, Humphrey Cobb, Kirk Douglas, Primeira Guerra Mundial, Ralph Meeker, Stanley Kubrick, Wayne Morris
Em 1916, nas frente franco-alemã da Primeira Guerra Mundial, o general Broulard (Adolphe Menjou) convence o seu subordinado, o general Mireau (George Macready), a levar o seu regimento a atacar posição alemã “Anthill”. Este protesta pela certeza de que é uma missão suicida, mas o acenar de uma promoção leva-o a aceitar atacar, o que é contestado pelo coronel Dax (Kirk Douglas). O ataque é, previsivelmente, um fracasso, e Mireau culpa a cobardia dos seus homens, requerendo tribunais e fuzilamentos. Mais uma vez, é Dax que intercede, não conseguindo evitar que se forme um tribunal, e três homens sejam escolhidos como exemplo, mesmo quando ele vem a saber que Mireau, em desespero, ordenara que a artilharia bombardeasse os seus próprios homens.
Análise:
Nos anos 50, finda a Segunda Guerra Mundial, com muitas feridas para sarar entre as nações europeias, a Primeira Guerra Mundial estava longe do pensamento da maioria, não sendo por isso motivo para muitos filmes. Excepção é este “Horizontes de Glória”, a partir do livro do mesmo nome, da autoria de Humphrey Cobb, publicado em 1953. O filme foi um projecto de Stanley Kubrick, que tinha o esboço de um argumento desenvolvido, primeiro com Jim Thompson, e depois com Calder Willingham. Rejeitado pela MGM, o guião interessou a United Artists, a partir do momento em que o nome de Kirk Douglas surgiu no elenco. Foi mesmo o actor que produziu o filme, através da sua Bryna Productions, que viria também a produzir o célebre “Spartacus” (1960), no qual Kubrick e Douglas voltariam a colaborar.
A acção decorre em 1916, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, no momento em que o general francês Georges Broulard (Adolphe Menjou), convence o seu subordinado, o general Mireau (George Macready), que deve atacar, com o seu regimento, a posição alemã conhecida como “Anthill”, mesmo que a missão seja praticamente suicida. Explicado o plano ao seu subordinado coronel Dax (Kirk Douglas), que protesta pela loucura do mesmo, Mireau recusa-se a ouvi-lo, deixando Dax com os preparativos. Este começa por enviar batedores, comandados pelo tenente Roget (Wayne Morris), o qual, bêbedo e com medo, foge do local, abandonando um dos seus homens, que mata com uma granada, para desespero do terceiro elemento, o cabo Paris (Ralph Meeker). Na manhã seguinte dá-se o ataque, o qual é um tremendo fracasso. As tropas francesas mal conseguem avançar, e algumas companhias nem conseguem deixar as trincheiras, tal o número de mortos que sofrem, o que faz o general Mireau dar ordem à artilharia para disparar sobre os seus próprios homens.
Em raiva pelo fracasso, Mireau decide levar a tribunal 100 soldados, por cobardia, apesar dos protestos de Dax. Tentando agradar a todos, Broulard convence Mireau a julgar apenas um homem de cada companhia. Três homens são escolhidos pelos seus superiores, entre eles Paris, pelo medo de Roget de o ver contar da sua cobardia e embriaguez. Dax é o seu defensor, mostrando que eles não tiveram culpa de um ataque mal organizado e condenado ao fracasso, mas o tribunal precisa de bodes expiatórios, e os três soldados são condenados à morte por fuzilamento. Quando o coronel Dax é contactado pelo capitão Rosseau (John Stein), que lhe conta como Mireau tentou usar a artilharia contra os seus próprios homens, Dax informa Broulard, tentando com isso, em vão, o perdão dos três soldados. Após o fuzilamento, Broulard informa Mireau que perdeu o posto e será investigado por ordenar fogo sobre os seus homens, oferecendo o seu lugar a Dax, mas este recusa, chamando-o de sádico.
Com uma banda sonora marcial, ao estilo dos filmes de acção militar, e filmagens na Alemanha, com uma equipa multinacional, “Horizontes de Glória” está longe de ser o filme de aventura ou propaganda que muitos terão pensado que viesse a ser. Ao invés, o que moveu Kubrick foi uma história de confronto de personalidades, onde a guerra serve apenas como uma desculpa para deixar vir ao de cima comportamentos e justificações para atitudes e modos de ver, de outra forma incompreensíveis. Por essa razão, o filme de Kubrick e Douglas é, mais que um filme de guerra – e sobre uma guerra ou contexto particular –, um filme sobre a desumanização causada pela máquina militar, e os comportamentos pouco humanos de algumas das pessoas no seu comando, onde não falta uma cena de fuzilamento, com um dos soldados amarrado para não cair, tais os ferimentos que ostentava.
Surpreendente – se assim o quisermos definir, com base no que era a norma de então – é o facto de que, aqui, os «maus» não são os inimigos (por hábito os alemães), mas sim os próprios comandantes, aqueles em quem os personagens têm de depositar toda a sua confiança. Temos Broulard, hábil no mexer dos cordelinhos, levando Mireau a ficar com o ónus de uma missão impossível, e por fim livrando-se dele, mesmo depois de aceitar a sua sugestão de que matando uns soldados se põe os restantes na linha. Temos Mireau, aceitando essa missão na esperança de uma promoção, sem olhar a custos, e pronto a matar os seus homens para assim sacudir a água do seu capote. E a um nível mais baixo, temos Roget, bêbedo e cobarde, causando a morte de um dos seus homens, tentando livrar-se de outro, e por fim sucumbindo, quando é obrigado a dirigir o fuzilamento. Contra todos eles, está Dax, o homem íntegro, responsável e racional, que não teme afrontar quem lhe é superior, sempre que a sua moral assim o dite. Por isso, Dax é incompreendido, tanto por Mireau, que vê nele, primeiro um empecilho, depois uma ameaça, como por Broulard, que ao não compreender que a motivação de Dax seja a ambição da promoção, o acusa de idealista, como se isso fosse o pior dos insultos. No fundo, é o confronto entre o poder, ambicioso e corruptível, e a integridade, ou seja, duas formas de estar que nunca serão compatíveis, e muito menos se compreenderão mutuamente.
Com uma interpretação emocional de Kirk Douglas, e o estilo frio e documental de Kubrick – onde não faltam elaborados planos-sequência nas trincheiras, como os travellings arrecuas, que são imagem de marca do realizador –, somos transportados para o horror da guerra, na sua desumanização e maquinização que desrespeita e ignora sentimentos ou razoabilidade. Cedo, o filme nos deixa um sentimento de indignação e revolta contra um status quo trucidante, que põe em causa as intenções e métodos da classe dominante (neste caso a hierarquia militar), completamente alheia, quer aos aos problemas dos seus subalternos, quer à própria guerra, que usa apenas em benefício próprio.
O lançamento do filme foi envolto em controvérsia, com as Forças Armadas francesas a verem nele um ataque à instituição e, graças a isso, apenas em 1975 o filme estreou naquele país. Na Alemanha, o filme foi retirado do Festival de Berlim, e teve estreia apenas em 1959. Pela sua forte componente anti-militar, o filme seria banido de vários outros países, incluindo a Espanha e a Suíça, e exibido com muitas restrições nos Estados Unidos. Apesar desta polémica, boa parte da crítica internacional elogiou “Horizontes de Glória”, que foi nomeado como Melhor Filme aos BAFTA .
Produção:
Título original: Paths of Glory; Produção: Bryna Productions; Produtor Executivo: Stanley Kubrick [não creditado]; País: EUA; Ano: 1957; Duração: 88 minutos; Distribuição: United Artists; Estreia: 1 de Novembro de 1957 (RFA).
Equipa técnica:
Realização: Stanley Kubrick; Produção: James B. Harris, Kirk Douglas [não creditado]; Argumento: Stanley Kubrick, Calder Willingham, Jim Thompson [a partir do livro homónimo de Humphrey Cobb]; Música: Gerald Fried; Fotografia: Georg Krause [preto e branco]; Montagem: Eva Kroll; Direcção Artística: Ludwig Reiber; Figurinos: Ilse Dubois; Caracterização: Arthur Schramm; Efeitos Especiais: Erwin Lange; Direcção de Produção: John Pommer, Georg von Block.
Elenco:
Kirk Douglas (Coronel Dax), Ralph Meeker (Cabo Philippe Paris), Adolphe Menjou (General George Broulard), George Macready (General Paul Mireau), Wayne Morris (Tenente Roget), Richard Anderson (Major Saint-Auban), Joe Turkel (Soldado Pierre Arnaud), Christiane Kubrick [como Susanne Christian] (Cantora Alemã), Jerry Hausner (Dono do Café), Peter Capell (Narrador na Sequência de Abertura / Juiz-Mor no Tribunal Militar), Emile Meyer (Padre Dupree), Bert Freed (Sargento Boulanger), Kem Dibbs (Soldado Lejeune), Timothy Carey (Soldado Maurice Ferol), Fred Bell (Soldado em Estado de Choque), John Stein (Capitão Rousseau – Battery Commander), Harold Benedict (Capitão Nichols – Artillery Spotter).
Sou fã de Kubrick, sou fã de Kirk Douglas mas incrivelmente nunca vi este filme! É uma falha que terei de colmatar brevemente.
Quando é mencionado neste texto que “os maus não são os exércitos inimigos mas sim os próprios comandantes” é algo que não me espanta porque hoje sabemos, passados 100 anos, que muitas das táticas militares dos Aliados usadas na guerra foram completamente desastrosas!
Há inclusive documentos e depoimentos reais de veteranos de guerra que afirmaram: “se um soldado falha na frente de batalha, vai a tribunal militar. Se um general falha, arrisca-se a ganhar uma medalha”.
Essa última frase podia ser quase a “tagline” do filme. Vê, que vais gostar. 🙂