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Cinema, David Emge, Gaylen Ross, George A. Romero, Gore, Ken Foree, Scott H. Reiniger, Terror, Zombies
Francine (Gaylen Ross), uma operadora de TV, Stephen (David Emge), o seu namorado e piloto de helicóptero da estação, e os dois polícias das forças de assalto, Peter (Ken Foree) e Roger (Scott H. Reiniger) reúnem-se após a confusão que se instala no assalto a um edifício cheio de mortos-vivos que fica junto à estação de televisão. Fugindo num helicóptero, o quarteto encontra abrigo num centro comercial, onde percebem ter tudo o que precisam para a sua sobrevivência, desde que mantenham o esconderijo ao abrigo dos zombies que enxameiam o centro, e consigam fazer assaltos coordenados para trazer as armas e os mantimentos de que vão precisando.
Análise:
Depois do sucesso crítico de “A Noite dos Mortos Vivos” (Night of the Living Dead, 1968), o seu autor, George A. Romero, tendo alguns filmes menos bem recebidos, e vendo o novo fôlego o cinema de terror começava a ganhar no final dos anos 70, pensou em voltar ao seu filme seminal, e continuar a construir algo a partir dali. Convém relembrar que, por razões burocráticas, o filme tinha caído imediatamente em domínio público, e que um desentendimento com o autor da história e argumentista, John A. Russo, tinha levado a uma separação complicada. Russo escreveria em 1985 o livro “The Return of the Living Dead”, o qual originaria um filme e várias sequelas. Já Romero, inibido de usar o título «Living Dead», voltou à série, mais cedo, em 1978, depois de rumores terem chegado a Dario Argento, que insistiu com o norte-americano para levar a cabo o projecto, e contribuindo inclusivamente com ideias, dinheiro e até com a banda sonora (que compôs com os seus habituais parceiros da banda italiana Goblin).
Narrativamente, o filme (que na Europa teve sempre a palavra «zombie» associada ao título) é uma sequela em sentido lato do filme de 1968, uma vez que não repete personagens, nem faz referências ao primeiro filme, mas se passa num universo que poderia ser uma continuação dos eventos que vimos em “A Noite dos Mortos Vivos”, agora sabendo que a ameaça zombie é mais geral.
Partindo de uma estação de televisão, onde decorre um talk show sobre o fenómeno, em que os convidados se vão tornando cada vez mais agressivos, e os técnicos, instalado o pânico, começam a abandonar os seus postos em debandada, passamos ainda a uma rusga policial, que revela o esconderijo de um bando de traficantes num prédio, que se vem a saber está pejado de zombies. Nas várias confusões e tiroteios que se seguem destacam-se quatro personagens que decidem fugir dali para fora: a operadora de TV, Francine (Gaylen Ross), o seu namorado e piloto de helicóptero da estação, Stephen (David Emge) e dois polícias das forças de assalto, Peter (Ken Foree) e Roger (Scott H. Reiniger). O grupo aterra no terraço de uma grande superfície comercial, e percebe que tem ali tudo o que precisa. Basta barricar o acesso à sala onde se escondem no topo, e fazer assaltos planeados para trazer as armas e mantimentos de que precisam. Pelo meio vão matando os zombies que caminham sem objectivo pelo centro comercial, decidindo mais tarde barricar as entradas com camiões, para impedir a entrada de mais mortos-vivos. Tudo piora quando Roger é mordido por uma das criaturas, e começa num processo de rápida deterioração que o levará a transformar-se em zombie. Como se não bastasse, o centro comercial passa a alvo de um bando de motards, que penetra de modo ruidoso e destrutivo, provocando a ira de Stephen, que ao disparar sobre eles revela o esconderijo do trio sobrevivente. No tiroteio que se segue, muitos motards morrem, quer sob as balas de Stephen e Peter, quer às mãos do zombies, acabando por fugir com o que podem carregar. Só que Stephen é ele próprio apanhado pelos zombies e transformado num. Resta a Francine e Peter fugirem no helicóptero que ela entretanto aprendera a pilotar.
Optando por um contexto contemporâneo e urbano (ao invés da ruralidade quase atemporal do primeiro filme), Romero conseguiu que este “Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos” fosse, em simultâneo, um filme de terror, na tradição do género de que ele próprio era uma espécie de fundador, e um filme de comentário social, apontando novos caminhos a um género que ele não queria preso aos seus clichés. Com um ambiente de certo modo ligeiro (se esquecermos a tensão dos ataques iniciais, e o drama final, todo o filme se passa com uma certa leveza), Romero leva-nos para um centro comercial – catedral moderna do consumismo e lazer da sociedade ocidental – onde os protagonistas podem lidar com a contrariedade (os zombies) com descontracção e algum humor, e estes passam a alegoria dos comportamentos mecânicos do nosso tempo, que nos levam sempre para os mesmos locais, em busca de satisfações fáceis e fúteis.
Mesmo continuando com zombies cuja caracterização se baseia apenas numa certa descoloração da pele, tal como fizera no primeiro filme, o gore é servido a bom ritmo, com muito sangue a jorrar, dentadas de dilacerar membros humanos, e alguns desventramentos chocantes, onde não falta uma cabeça a explodir. Embora mostrando-nos quatro personagens com as devidas diferenças de personalidade e atitudes por vezes incompatíveis, o filme nunca procura entrar nesses caminhos de dinâmicas intra-grupo, como o fez o primeiro, dando-nos apenas o explorar do que seria viver num centro comercial, com tudo o que isso tem de crítica social. Não faltam os sustos, nem as reviravoltas finais, com a chegada do bando invasor, com muito ritmo e violência.
Com um grupo que, apesar das diferenças de comportamento e algumas atitudes irresponsáveis (e onde o mais assertivo e sensato do grupo continua a ser o personagem de pele negra), trabalha pacificamente em equipa, aquilo que fica é uma espécie de espera até que algum erro deite tudo a perder. Este revolve em torno da impetuosidade de Roger (que o leva a ser mordido), e mais tarde, do perder de cabeça de Stephen, que o faz disparar sobre os invasores revelando a sua existência. É como se Romero nos quisesse dizer que, mais que a ameaça dos mortos-vivos, é da falta de racionalidade dos sobreviventes que resulta a sua perdição.
Maldito por muitos, elogiado por parte da crítica, o filme foi um sucesso de bilheteira, mostrando a Romero que tinha um filão a explorar, que ele seguiria com mais algumas sequelas. Em 2004 foi a vez de Zack Snyder realizar um remake com o mesmo título, que em Portugal se chamou “O Renascer dos Mortos”, e que contou com cameos de alguns dos elementos do elenco original.
Produção:
Título original: Dawn of the Dead; Produção: Laurel Group / Dawn Associates; Produtores Executivos: Herbert R. Steinmann, Bill Baxter, Claudio Argento, Alfredo Cuomo; País: EUA / Itália; Ano: 1978; Duração: 128 minutos; Distribuição: United Film Distribution Company (UFDC) (EUA); Estreia: 1 de Setembro de 1978 (Turim, Itália), 20 de Abril de 1979 (EUA), 31 de Janeiro de 1980 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: George A. Romero; Produção:Richard P. Rubinstein; Produtor Assistente: Donna Siegel; Argumento: George A. Romero; Música: Dario Argento e The Goblins; Fotografia: Michael Gornick [cor por Technicolor]; Montagem: George A. Romero; Cenários: Josie Caruso, Barbara Lifsher; Figurinos: Josie Caruso; Caracterização: Greg Besnak [não creditado]; Efeitos Especiais de Caracterização: Tom Savini; Efeitos Visuais: ; Direcção de Produção: Zilla Clinton.
Elenco:
David Emge (Stephen), Ken Foree (Peter), Scott H. Reiniger (Roger), Gaylen Ross (Francine), David Crawford (Dr. Foster), David Early (Mr. Berman), Richard France (Cientista), Howard Smith (Comentador de TV), Daniel Dietrich (Givens), Fred Baker (Comandante), James A. Baffico (Wooley), Rod Stouffer (Jovem Polícia no Telhado), Jese Del Gre (Velho Padre), Clayton McKinnon (Polícia no Projecto Apartamento), John Rice (Polícia no Projecto Apartamento), Ted Bank (Polícia na Estação), Randy Kovitz (Polícia na Estação), Patrick McCloskey (Polícia na Estação), Joseph Pilato (Polícia na Estação), Pasquale Buba (Elemento do Bando Motorizado), Tony Buba (Elemento do Bando Motorizado), Butchie (Elemento do Bando Motorizado), Dave Hawkins (Elemento do Bando Motorizado), Tom Kapusta (Elemento do Bando Motorizado), Rudy Ricci (Elemento do Bando Motorizado), Tom Savini (Elemento do Bando Motorizado), Marty Schiff (Elemento do Bando Motorizado), Joe Shelby (Elemento do Bando Motorizado), Taso N. Stavrakis (Elemento do Bando Motorizado), Nick Tallo (Elemento do Bando Motorizado), Larry Vaira (Elemento do Bando Motorizado), Sharon Hill [como Sharon Ceccatti] (Zombie), Pam Chatfield (Zombie), Mike Christopher (Zombie Hare Krishna), Clayton Hill (Zombie), Jay Stover (Zombie).
Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos é uma vítima da década em que foi produzido, em maior medida que o filme que o precedeu, mais inovador e de maior formalismo estético, logo de apelo mais intemporal. Ainda assim é uma experiência ao mesmo tempo cómica e trágica que revela a sensibilidade crítica e humana do seu autor enquanto nos proporciona momentos de frisson malicioso com efeitos viscerais de natureza gráfica. Para fãs de completude, e do processo fílmico, as suas várias versões tornam-se numa demanda obrigatória e descobrir a sua história é descobrir também aquilo de que as lendas são feitas.