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Der Amerikanische SoldatRicky (Karl Scheydt) é um assassino profissional a soldo da polícia, para que elimine alguns criminosos que esta não consegue incriminar. Ex-soldado americano de origem alemã, de regresso a Munique, depois de ter vivido nos Estados Unidos e de ter combatido no Vietname, Ricky é ajudado pelo amigo Franz (Fassbinder), enquanto passa o tempo em hotéis de terceira, em sexo mecânico com a criada do hotel (Margarethe von Trotta), e vagueando pela cidade em busca dos seus alvos. Só que, num trabalho desta ordem, cedo Ricky se tornará incómodo para quem o contratou, principalmente quando se envolve com Rosa (Elga Sorbas), amante de um dos polícias.

Análise:

Novamente produzido pela sua companhia Antiteater, com direcção de produção de Peer Raben, Rainer Werner Fassbinder voltou a adaptar uma peça sua, para realizar o filme “O Soldado Americano”, uma espécie de noir, que é também uma homenagem a muitas das suas referências, ao mesmo tempo que uma entrada num cinema mais clássico, e diferente do vanguardismo dos seus primeiros filmes.

Ricky (Karl Scheydt) é ex-soldado americano de origem alemã, de regresso à Alemanha, depois de ter vivido nos Estados Unidos e de ter combatido no Vietname. Em Munique, sua cidade natal, é incumbido, por três polícias corruptos (Jan George, Hark Bohm e Marius Aicher) de eliminar algumas pessoas, para o que conta com a ajuda do único amigo, Franz (Fassbinder). Depois de o vermos matar um dos seus alvos, dito o cigano (Ulli Lommel), de passar o tempo com a criada do hotel (Margarethe von Trotta), de visitar a família, Ricky vai envolver-se com a prostituta Rosa (Elga Sorbas), amante de um dos polícias, o que perturba a ordem dos polícias, que passam a querer livrar-se dele, preparando-lhe uma emboscada.

Logo no plano inicial – alguns personagens a jogar às cartas a uma mesa, mal iluminados por uma lâmpada acima das suas cabeças, contra um fundo completamente negro – somos recordados de “Um Roubo no Hipódramo” (The Killing, ), de Stanley Kubrick, e remetidos para a atmosfera do film noir mais alternativo, com nítidas referências a Samuel Fuller – note-se como a vendedora de pornografia (Katrin Schaake) se chama Magdalena Fuller.

Apercebemo-nos desde cedo que, ao contrário dos filmes iniciais de Fassbinder, há em “O Soldado Americano” um aproximar às convenções do cinema clássico. As sequências incluem decoupage em diversos planos, o raccord é fluido, existe uma banda sonora de efeito dramático, é usada uma multitude de cenários naturalistas, quer de interiores, quer de exteriores, e as interpretações são menos estilizadas que nos filmes iniciais do realizador. De repente, sentimo-nos em território mais americano, e talvez não seja alheio ao facto a necessidade de chamar «americano» ao protagonista, um personagem amoral, que faz o que aprendeu na guerra – mata –, mesmo que sem outra razão que não seja o seu pagamento, num país onde, segundo o próprio, nunca acontece nada. Imiscuindo-se no mais baixo da selva urbana – hotéis de terceira, bares recônditos, pornografia, prostituição, Ricky – o protagonista – vai cumprindo a sua missão com a mesma frieza com que trata as mulheres com quem se envolve carnalmente – da empregrada de quarto à prostituta.

Mas se, por um lado, “O Soldado Americano” surge como uma espécie de homenagem ao noir, há muito para além disso. Desde a história principal, com a polícia a usar um assassino contratado para matar aqueles que não consegue incriminar – no que podemos ler alguma crítica política – até ao facto de o próprio protagonista ser um americano falso, na verdade alemão, que fugiu para os EUA, e voltou depois de participar na guerra – talvez num comentário à presença norte-americana na Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Por fim temos a misteriosa relação familiar, onde a relação de Ricky com a mãe e um irmão extremamente dependente da figura materna tem muito de ambíguo e misterioso; e ainda o papel da criada de quarto (a também realizadora Margarethe von Trotta), a quem vemos uma submissão, a quem ouvimos monólogos misteriosos e de quem testemunhamos um suicídio a que todos parecem ficar indiferentes.

É certo que Fassbinder sugere mais do que explica. As suas personagens são secas, como que molduras estereotipadas para modelos que nos compete a nós preencher. E tudo no filme surge como um esqueleto de algo que talvez nos baste assim por podermos completar com todas as nossas (e as suas) referências, dos referidos Kubrick e Fuller a Godard e Malle, passando por Murnau (que dá nome a um personagem), pela forma como lida com luz e sombra. Mais uma vez a sua abordagem é de desencanto, e de um distanciamento cínico, sobre personagens, histórias e uma cidade (e, por ela, de um país e sociedade) que parecem criticadas e caricaturizadas pelo olhar do autor.

Por esse distanciamento e secura, “O Soldado Americano” foi mal recebido pela crítica, e permanece até hoje descrito como um filme menor de Fassbinder.

Margarethe von Trotta em "O Soldado Americano" (Der amerikanische Soldat, 1970), de Rainer Werner Fassbinder

Produção:

Título original: Der amerikanische Soldat; Produção: Antiteater-X-Film; Produtores Executivos: ; País: República Federal Alemã (RFA); Ano: 1969; Duração: 80 minutos; Distribuição: ; Estreia: 9 de Outubro de 1970 (Mannheim-Heidelberg International Filmfestival, RFA), 30 de Maio de 1975 (Dinamarca).

Equipa técnica:

Realização: Rainer Werner Fassbinder; Produção: Peer Raben [como Wilhelm Rabenbauer], Rainer Werner Fassbinder [não creditado]; Argumento: Rainer Werner Fassbinder; Música: Peer Raben; Fotografia: Dietrich Lohmann [preto e branco]; Montagem: Thea Eymèsz; Design de Produção: Rainer Werner Fassbinder, Kurt Raab; Caracterização: Sybille Danzer; Direcção de Produção: Christian Hohoff.

Elenco:

Karl Scheydt (Ricky, aka Richard Murphy, aka Richard von Rezzori), Elga Sorbas (Rosa von Praunheim), Jan George (Jan), Hark Bohm (Doc), Marius Aicher (Polícia), Margarethe von Trotta (Criada de Quarto), Ulli Lommel (O Cigano), Katrin Schaake (Magdalena Fuller), Ingrid Caven (Cantora), Eva Ingeborg Scholz (Mãe de Ricky), Kurt Raab (Irmão de Ricky), Irm Hermann (Prostituta), Gustl Datz (Chefe da Polícia), Marquard Bohm (Detective Privado) [não creditado], Rainer Werner Fassbinder (Franz Walsch) [não creditado], Peer Raben (Recepcionista do Hotel) [não creditado].

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